“Independência ou morte”, não. Em Maranguape, o grito é “Arrasa na Major”. Faz tempo que a cidade da Região Metropolitana de Fortaleza se tornou um verdadeiro fenômeno nas redes sociais durante o desfile cívico de 7 de setembro. É quando a rua mais famosa do município, a Major Agostinho, ostenta brilho, fantasias, coreografias e até narração personalizada.
Torna-se um acontecimento. Neste ano, claro, não será diferente. Quem se achegar ao lugar pode ir preparado para uma comemoração bastante distinta daquelas que se convencionou associar à Independência do Brasil. “Aqui é diferenciado porque sempre procuramos inovar e sair daquela linha de desfile militar”, conta o professor e produtor cultural Henrique Almeida.
De fato. Por parte do público, são gritos acalorados, vaias cearenses e um espaço cuidadosamente montado nas laterais para acompanhar, de perto, toda a movimentação do desfile. Quanto às agremiações, a preparação envolve meses e reflete o capricho em figurinos próprios, danças ensaiadas e toda a graça dos participantes, garantia de diversão.
Também diretor geral da Banda Marcial do Ceará (Bamac), uma das que desfilam na ocasião, Henrique explica que o grupo foi idealizado em 2010 e já trouxe até o personagem Harry Potter para a festa. “Foi um sucesso. Saímos em programas de televisão, sites, fomos campeões cearenses e do Norte/Nordeste. Ganhamos muitos admiradores Brasil afora”.
O bruxinho mais famoso do mundo, por sinal, não é o único que desfilou no evento. Diversos outros personagens já atravessaram a passarela, levando a população à loucura. Crianças, jovens e adultos se dedicam ao máximo para entregar a melhor performance, investindo pesado em criatividade. Tudo isso, não se engane, é fruto de muito preparo.
No caso da Bamac, o primeiro passo é reunir a diretoria da banda – composta por direção geral, direção musical, direção artística, coordenação de metais e de percussão. Após avaliar o ano anterior e decidir o que fazer na presente edição, a trupe organiza as atividades em duas etapas: desfile cívico e participação em campeonatos de bandas.
“Na sequência, são escolhidos repertório, figurinos, adereços e personagens. Começamos os ensaios após o Carnaval e vamos até o final de dezembro. Temos mais de 120 participantes”, sublinha o diretor. “Somos a única banda cearense campeã nacional pela Confederação Nacional de Bandas e Fanfarras”.
Para Henrique, todos esperam ansiosamente a Bamac passar a cada 7 de setembro porque a banda, de fato, entrega o propõe: talento, beleza e qualidade. Neste ano, a banda virá mais glamourosa, com todas as roupas trabalhadas em pedrarias, adereços nas cabeças, efeitos pirotécnicos e personagens mais direcionados ao público infantil .
“Tornou-se importante devido à alegria e ao jeito diferente que temos de comemorar nossa independência. Essa data proporciona aos maranguapenses um momento de diversão, integração entre as famílias e, principalmente, de toda a comunidade escolar, envolvendo municípios vizinhos e até pessoas de outros Estados. Com isso, fortalecemos a cultura e transformamos esse instante no maior evento do município, aquecendo bastante a economia”.
Morgana Camila, a narradora
Tem outro elemento que se destaca na multidão do desfile: a narradora oficial do evento, Morgana Camila. Empresária e influenciadora digital, desde 2018 ela é a responsável por dar mais uma camada de originalidade ao evento a partir de um jeito todo cearense de apresentar bandas, bailarinos e a movimentação do dia. Muda a história da cidade e dela mesma.
“Costumo dizer que existe uma Morgana antes da Major Agostinho e depois da Major Agostinho de 2018. Comecei a narrar sem ambição alguma, nem imaginando a dimensão que isso teria na minha vida. Os vídeos passaram dos grupos de WhatsApp para as redes sociais e, quando descobriram de quem era a voz, pessoas de todos os lugares começaram a me seguir”.
A influencer, inclusive, nem perfil nas redes possuía antes desse período, mas precisou otimizar para dar conta de toda a repercussão. “Arrasa na Major”, “Que tombo, Maranguape” e “Ai que tudo, Maranguape” são algumas das frases que Morgana solta no desfile e diverte o público – desde às 14h30 concentrado para não perder nada.
Ela conta que prioriza trazer alegria e felicidade na narração, nunca depreciando ninguém. A intenção, por sinal, é exatamente oposta: enaltecer o trabalho e o talento de cada participante por meio de comparações com celebridades, personagens da cultura pop e o que for necessário para tornar o momento inesquecível. Tudo no improviso e com muita irreverência.
“Até madrinha da Associação das Bandas de Fanfarra fui convidada a ser. É algo muito prazeroso porque sinto o reconhecimento deles. Conheço a maioria das bandas – desde as tradicionais, de fanfarra mesmo, às diferenciadas, com corpo de balé à frente e tudo. Não existe forma de narrar. Quem chega brilhando, quem chega chegando, a gente mostra”.
Não deixa de ser emocionante também. Desde que se entende por gente, Morgana Camila está envolta por essa dinâmica – lembra de, quando menina, desfilar pela escola que estudava. Hoje, observa a data como possibilidade de levar o costume e a cultura da cidade para mais gente.
“Algumas pessoas podem até achar que o desfile perdeu o sentido, que não é mais um desfile cívico, que as coisas mudaram muito. E, realmente, o mundo não é mais o mesmo todos os dias. Além disso, não dá para confundir desfile cívico com desfile militar. O desfile militar tem, por si, toda a pompa, regras… Esse é um desfile cívico, feito por civis, que pagam seus impostos. Civis iguais a mim e a você. Se você não gosta, vá ler um livro”.
Referência no desfile
Outro exemplo de entrega total na festa é a Banda de Metais e Percussão Solares, BMP Solares. Feito a Bamac, também surgiu em 2010 e acumula premiações e reconhecimentos, além do gosto do público. “De 2015 pra cá, a banda melhorou musicalmente e, desde essa época, todo ano é incrível”, partilha Rafaele Mara, diretora geral.
Segundo ela, a energia, receptividade e beleza do povo maranguapense – além da estrutura que a cidade promove para realizar o evento – justificam a fama que o município recebe ano após ano. Para os desfiles cívicos, primeiro a banda prepara o repertório, que é diferenciado e adequado ao estilo deles de show.
Depois, é a vez do corpo coreográfico e de balizadores, que preparam a apresentação com o repertório escolhido. Em média, são três meses de ensaio, com foco em proporcionar algo singular, desde a indumentária – sempre inovadora – até às músicas, atuais e dançantes.
“Nosso corpo coreográfico e balizadores misturam balé e dança contemporânea com elementos tradicionais, como bandeiras, fitas, air blade, rifles, bambolês, entre outros. A apresentação conta também com pirotecnia, para engrandecer. Se você espera dobrados e tradicionalismo, não vai encontrar na Solares. No entanto, encontrará um trabalho lindo, feito da paixão de jovens que dão o melhor para o espetáculo, com entrega e verdade”.
É a visão de quem acredita que o desfile cívico de Maranguape é o melhor do Ceará. “A gente até paga para estar presente”, ri. “É um dia surreal de desfiles. Penso que o governo do Ceará deveria elevar o desfile de Maranguape como o principal do Estado”.