Nos 295 anos de Fortaleza, artistas visuais pintam as realidades que habitam a capital cearense

Do mar ao asfalto, a sinfonia desigual da metrópole inspira diferentes desenhistas e ilustradoras no aniversário da cidade

Fortaleza celebra 295 anos de fundação. A força simbólica da data pode ser compreendida a partir das muitas vivências que nela habita. Mangue, mar, duna e asfalto.121 bairros contam as realidades de inúmeras famílias. A maioria, anônima. Dessa história construída a gerações, qual a primeira imagem que salta da memória quando se fala da capital cearense?  

Decifrar aspectos tão íntimos com a cidade foi a missão de seis artistas visuais. Cada traço e tinta usadas no conjunto de obras revela uma Fortaleza particular. Cravado em cada uma destas artes, o olhar sensível nos convida a refletir estes quase três séculos de “Fortitudine”. Palavra sinônimo de força e coragem. 

A ilustradora e escritora Luci Sacoleira pinta observações carimbadas na memória. A série “Cidades Invisíveis” (2017) adentra o universo lúdico de suas criações. No trabalho, o Farol do Mucuripe ilumina contextos sociais esquecidos.  

A edificação é representativa enquanto testemunha silenciosa das mudanças urbanas. Autora do livro infantil “Lengalengas e Bolhas de Sabão”, Luci une fanzines, carimbos, risografia,  pôsteres, impressão em tecido e toda categoria de experimentação visual.  

Com “Debaser” (2021), Luize Santiago estabelece uma cartografia urbana a partir de cores quentes. Cada local contido nessa obra simboliza afeto. A Praia de Iracema, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura são alguns dos pontos guardados no coração da artista nascida em Palhano (127 km da capital). 

Já se vão 10 anos de vida em Fortaleza. Essa bagagem influencia a designer que costura elementos da cultura popular brasileira e da natureza em releituras pop. “Representam as mil fortalezas que existem na mesma cidade”, conta Luize acerca da peça. 

Do Cocó ao Benfica  

A pintura é a base da criação idealizada por Sérgio Helle. Pintura a óleo, acrílica, mista, ferramentas digitais e instalações estão no radar do cearense. A obra “Cocó” é composta por 40 pequenas infogravuras sobre lona e linho, bem como colagens, recortes a laser e bordados. 

O Parque do Cocó descreve a estreita relação de Helle com a natureza e ecologia. Somos apresentados a quatro espécies de pica-paus que estão cada vez mais raros naquela paisagem. Primeiramente apresentado em 2019, na Galeria Multiarte, o trabalho integra a mostra “Águas de Março”, em cartaz no Espaço Cultural Unifor. 

Pesquisadora e experimentadora das artes visuais, Alice Dote é cocriadora do “Narrativas Possíveis”. O coletivo estuda as fronteiras entre cidade, imagem e artes urbanas desde 2017. Imagem, palavra, desenho, escrita e arte urbana alimentam esta produção. 

"Só a saideira" (2021) adentra o aspecto da “falta”. Descreve as populares mesas de bar enquanto espaço de comunhão e encontro. Com o isolamento social, necessário a se evitar a propagação do coronavírus, este cotidiano foi alterado. Melancolia imersa no que antes era trivial, seja Praça dos Leões, Benfica, Raimundo dos Queijos, Zé Bezerra, Mocinha... 

Esperança e resistência em Fortaleza 

O mural “Sob Espinhos” (2020) é dedicado à fé em dias melhores. Aqui, Su (Suellen Rodrigues) retrata a calmaria necessária mesmo em tempos difíceis e ásperos. Os cactos denotam esse contínuo ato de seguir.  

A luz de Iracema revela esgarça os tons vibrantes usados pela artista visual, designer de moda, muralista e empreendedora. A obra está localizada ao lado esquerdo do Estoril no calçadão da Praia de Iracema. O enredo poético guarda significado e importância no trabalho, detalha Su. 

A escritora e artista visual Raisa Christina pesquisa poéticas no desenho. Dessa cuidadosa dedicação contam também mapas de percursos errantes pelo espaço urbano. Além da ilustração, realiza oficinas de desenho, pintura, literatura, história da arte e arte contemporânea em diversos espaços culturais de Fortaleza.  

O traço de Raissa evidencia um espaço de resistência literária. Em cena, o cotidiano da Livraria Lamarca. Inserida na lista das últimas “livrarias de rua”, a casa vem realizando campanhas de apoio para manter as portas abertas. 

Raissa é autora, entre outras obras, de "mensagens enviadas enquanto você estava desconectado" (Editora Substânsia, 2014) e "os lábios os braços os livros" (Editora nadifúndio, 2019). É coautora do livro "DANZA" (Editora nadifúndio, 2018). Integra a coletânea de poesia "uma pausa na luta", publicada em 2020 pela Mórula Editorial e organizada por Manoel Ricardo de Lima.