Ferramenta. Suporte. Mola propulsora para a transformação. Inúmeras são as conotações que o livro pode adquirir mediante a percepção de cada indivíduo. Não à toa, dada a pluralidade das narrativas compartilhadas, há uma data específica no Brasil para celebrar o objeto que, há séculos, põe em contato, por meio das palavras, diferentes geografias, culturas e saberes.
Trata-se do Dia Nacional do Livro, comemorado nesta quinta-feira (29). A efeméride nasceu há exatos 210 anos, em 29 de outubro de 1810. À época, foi fundada a Biblioteca Nacional, localizada no Rio de Janeiro, cujos primeiros títulos do acervo foram disponibilizados pela Família Real Portuguesa. De lá para cá, anualmente o livro e a leitura ganham um lugar de destaque num instante de comemoração do conhecimento.
Neste ano, contudo, dada a pandemia do novo coronavírus, as atividades agendadas para a data tiveram que migrar para o meio digital. Muitas, por outro lado, não acontecerão, o que representa um dos inúmeros desafios enfrentados pela área partir do turbulento momento de crise sanitária.
Coordenadora de Política de Livro e Leitura da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-Ce), Goreth Albuquerque dimensiona a situação na esfera local. Ela conta que o setor editorial e livreiro vem enfrentando um panorama difícil há algum tempo, tanto em produção quanto em vendas.
“Mas a queda é intensificada na pandemia, porque também temos um agravamento das questões econômicas em escala mundial. Do ponto de vista nacional, a última pesquisa de comportamento desse mercado, divulgada em meio à pandemia, informa um crescimento de pouco mais de 6%, com foco em alguns subsetores, apesar da queda no valor de venda do livro”, explica.
Ela percebe que as editoras têm se reinventado na relação com o público, fortalecendo a criação de conteúdos em mídias digitais com várias atividades, além da venda direta em seus sites e perfis. Porém, esse é um ponto conflitante com o mercado livreiro, também fragilizado e ainda mais agravado por conta da pandemia.
“As pequenas livrarias geralmente são organizadas para promover uma experiência sociocultural a partir de encontros presenciais em torno do livro. Tivemos um longo tempo em que elas ficaram de portas fechadas. Algumas seguiram entregando livros, mas o pequeno livreiro não consegue concorrer com as ofertas das editoras e das grandes plataformas de varejo on-line, o que tem sido um problema há décadas e não de agora”, complementa.
Medidas
Diante da situação, Goreth considera ser necessária uma pesquisa da economia do livro que retrate o mercado editorial cearense, tanto no que concerne à produção quanto ao varejo, além do perfil de consumo. Os dados ajudarão no acompanhamento dos passos na área nos próximos anos, quando este difícil instante passar.
“Durante a pandemia, a Câmara Brasileira de Livros fez uma campanha de ajuda a pequenas livrarias do País que foram prejudicadas pela crise sanitária e tivemos algumas de Fortaleza contempladas. Me parece um fator de constatação da dificuldade que se agravou”, diz. “Em linhas gerais, o que está na base da preocupação de todos e todas é o cenário de incerteza, que é um fator exógeno sobre o qual realmente não temos controle, e que nos impõe limites severos”.
A gestora destaca que, nos últimos meses, a coordenadoria sob seu comando dialogou especialmente sobre a Lei Aldir Blanc, encarada como um horizonte de estabilização. Por meio dos editais lançados, vários dos integrantes desses elos da cadeia puderam construir propostas. “Isso nos absorveu muito”, considera.
Sob outra perspectiva, Goreth avalia ainda ser prematuro afirmar o tamanho do impacto da pandemia no setor, no que toca ao cancelamento de feiras e eventos literários, porque esse campo carece de um maior levantamento, já que são responsáveis pelo incremento financeiro na área. Mas todos as grandes iniciativas do campo do livro, a exemplo de Bienais, Feiras e Festas Literárias, foram suspensas na modalidade presencial, tanto no Brasil quanto em outros países. Tais ações são significativas, tanto para a indústria quanto para o varejo.
“Apenas a última Bienal do Ceará gerou cerca de três mil empregos diretos e indiretos”, calcula. “Alguns eventos já calendarizados para 2020 realizaram ou vêm realizando programações on-line, o que caracteriza mais uma existência simbólica, uma resistência. O governo do Ceará tem estabelecido medidas que visam garantir as condições de segurança e vida desde o início da pandemia. Ainda não é possível prever nada. Não dependemos só de condições técnicas ou financeiras de produção de cultura nesse contexto”.
Relevância
Por fim, a gestora sublinha a relevância de, mesmo diante de todas as problemáticas e imprecisões, celebrarmos o dia dedicado ao livro. “A experiência sensível por meio da leitura segue alimentando a imaginação e o encontro. E, mesmo que em contextos longe das relações presenciais, por meio das tecnologias disponíveis para encontros virtuais, tenho vivido e sabido de experiências intensivas em pequenos grupos de leitura literária, de estudos de poesia e mediação de leitura”, enumera.
“Livros não são só objetos, são ideias e também é economia. Por isso e muito mais é que essa criação da nossa cultura precisa ser comemorada, especialmente no momento político que vivemos. É preciso reafirmar a importância dos livros e da política cultural para o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas. Não retroceder”, conclui.