Passear no rio, ver o pôr do sol nas dunas, caminhar descalço pela areia. Na Sabiaguaba, atividades tão simples podem ganhar novos contornos devido à beleza e à singularidade do lugar. A pedida agora é você conhecer o Centro de Memória Raízes da Sabiaguaba, cujo funcionamento deve atrair olhares neste período de férias e além.
Estivemos no espaço inaugurado na última semana de 2022 para saber mais detalhes. Só o caminho até lá já fascina. O equipamento está localizado no Complexo Ambiental e Gastronômico da Sabiaguaba – recanto banhado por abundante luz solar, água e com estrutura convidativa para o público se demorar. Fica fácil, assim, estabelecer conexão com a nova estrutura. É refúgio carinhoso.
A sensação, ao adentrar o Centro de Memória, é de banhar-se num rio. Em tons de verde e azul, a pequena casa de 100 m² vai revelando aspectos preciosos – a começar pela divisão das seções, baseada nas fases da lua. A primeira parada é a Lua Nova, na qual acessamos a ancestralidade do povo da Sabiaguaba por meio, sobretudo, de evidências arqueológicas.
Ali ficamos sabendo que, nas famosas dunas da região, foram encontradas peças ceramistas pré-históricas, de grupos de quatro mil anos atrás. Não à toa, o bairro é uma das ocupações mais antigas do Ceará, e continua a pulsar descobertas. No museu, uma caixa de areia com réplica de cerâmicas encontradas nas areias dão dimensão dessa realidade.
“Serve para as pessoas saberem que, quando acharem um objeto na areia, percebam a importância desse objeto. Não é para pensar que é apenas um pedaço de caco perdido, mas, sim, uma peça histórica, arqueológica e importante para o entendimento da nossa sociedade – de onde viemos, para onde vamos, qual o nosso lugar na História”, reflete Felipe Bottona, gestor do Complexo da Sabiaguaba e quem nos acompanhou no passeio.
Ainda na Lua Nova, nomes de pessoas fundamentais da comunidade surgem impressas em raízes de mangue, deixando tudo ainda mais terno e coletivo – mestres e mestras reverenciados. Mais à frente, na seção Lua Crescente, esses aspectos continuam. Agora, a ênfase é nos instrumentos de trabalho dessas pessoas – muitas ainda atuantes nos ofícios.
Fotografias, materiais para confecção de redes de pesca, búzios, mariscos, “unhas de velho”, jarras, panelas e moringa de barro nos dizem da tradição. É tudo muito bem conservado e apresentado, tendo em vista o acervo ter sido doado pela própria comunidade. A casa é deles, logo a gente se sente assim, ocupando o lar.
Na Lua Cheia, aspectos mais densos ganham corpo. O processo de resistência da região ao longo do tempo é o grande destaque. Desde o começo da atividade pesqueira até hoje – como ela está sendo trabalhada no momento –, passando por processos específicos como o da mariscagem, tudo merece olhar atento. A oportunidade de conferir uma fotografia tátil e assistir a entrevistas com moradores do bairro selam a seção.
Sobre esses depoimentos, o ambiente para projetá-los tem um charmoso banquinho e, no teto, a reprodução de uma rede de pesca nos envolve e abraça. No mesmo recinto, são realizadas oficinas, palestras e rodas de conversa. A propósito, uma das mais recentes foi uma oficina de associativismo ofertada aos moradores, fortalecendo ainda mais o trabalho comunitário.
A parte final da exposição, Lua Minguante, resgata mais imagens do processo de resistência e resiliência da população, mergulhando também na flora e na fauna. Ao mesmo tempo, outros nomes de figuras relevantes da região surgem, bem como um totem em que é possível visualizar as mudanças pelas quais passou o curso do rio e inscrições nas paredes remetendo a depoimentos e reportagens já feitas sobre o local. Grandioso e singelo painel.
“Que todos possam ter uma experiência completa – de visitar um museu falando das histórias da própria comunidade, e sair do Centro de Memória para ser atendido nos quiosques pelas pessoas citadas na exposição. Um museu vivo, digamos assim, em um espaço completo de gastronomia, cultura e natureza”
Reconexão com a história da comunidade
Inaugurado no último dia 23 de dezembro, o Centro de Memória Raízes da Sabiaguaba se preparou para estar em pleno funcionamento durante as férias – com programação se estendendo para todo o ano. A intenção é nobre: resgatar e resguardar memórias e conhecimentos, fazendo com que a própria comunidade, fortalezenses e turistas possam desfrutar do recanto.
A ideia de criar o museu nasceu com o desejo de fazer um trabalho participativo com toda a comunidade. A partir daí, uma equipe de curadoria – comandada pela empresa Butuca Produções – empreendeu pesquisas e entrevistas com moradores, tendo como foco a história oral e aspectos relacionados à Gastronomia.
No total, foram dois meses dedicados ao trabalho, num diálogo com lideranças, grupos e afetos, percorrendo lares, hortas comunitárias, barracas e restaurantes antigos. Apanhado generoso, apresentado de forma ainda mais generosa no ambiente.
“São permissionários, provenientes das famílias tradicionais do bairro. Logo, os pais e avós já estavam aqui antes de a estrada e da ponte chegar, por exemplo”, explica Felipe Bottona.
“A comunidade da Sabiaguaba há muito tempo luta, sofre. Chegou a padecer durante um tempo por carência de estrutura, de olhar atento do poder público. Agora, o Governo do Estado do Ceará vem com essa proposta para beneficiar as pessoas. Você sai um pouco da cidade, da selva de pedra, e se reconecta um pouco com a natureza e consigo. Reviver um pouco o que fomos e o que somos para sermos cada vez mais humanos, bondosos e vivos”.
Por fim, ao centro do memorial, há a reprodução de como eram as primeiras casas da região – primeiro, de taipa, depois de barro e, por fim, de alvenaria. Dentro dela, rede armada, imagens de santos, panela pendurada, janela aberta.
O Centro de Memória Raízes da Sabiaguaba talvez já seja esse altar repleto de cuidado e delicadeza, feito os melhores lares. Entre mangue, rio e mar, chama para perto.
Serviço
Centro de Memória Raízes da Sabiaguaba
Rua Sabiaguaba, 832 - Sabiaguaba, dentro do Complexo Ambiental e Gastronômico da Sabiaguaba. De segunda a domingo, das 10h às 22h. Às terças, fechado para manutenção.