Faz 20 anos que Antônio Eduardo Barbosa de Souza deu lugar a outro homem. Eduardo Show da Vida é esse novo alguém. Ele é esperto e reconhecível na paisagem de Fortaleza. Quebra coco com o cotovelo, fura esse mesmo coco com os dentes, dá salto mortal. Anda com os pés para cima e inventa brincadeira no ar. Faz tudo isso numa cadeira de rodas.
É motivo de espanto, claro, mas não apenas. O fato de ser cadeirante acrobata sempre atrai atenção por onde passa. Eduardo já trabalhou em circo e leva a expertise para a Praça do Ferreira, para a Beira-Mar, para onde você chamar. Gosta de sorrir e, quando faz piruetas, emenda um dito engraçado a outro. “A cadeira é o meu palco”, costuma falar.
A história desse artista quase improvável dá gosto de contar porque inspira. Nascido baiano, cedo saiu de Ubatã – distante 262 km de Salvador – para ganhar o mundo e explorar habilidades capazes de superar a limitação física na qual foi acometido no primeiro ano de vida. Teve paralisia infantil devido a um acontecimento doméstico.
“Estava com febre quando minha mãe abriu a geladeira comigo nos braços. Naquele momento, comecei a ficar todo torto – o pescoço, os braços, as pernas. Fomos ao médico e ele disse que eu ia ficar numa cadeira de rodas para sempre”. Não errou. Talvez só não contava que, além de suporte e locomoção, o objeto seria a própria vida.
Porque após sessões de terapia que permitiram recuperar o movimento dos braços e de uma das pernas, o homem enxergou na cadeira um sem-número de possibilidades ao receber a primeira de presente, na altura dos sete anos. De lá para cá, já teve uma dezena delas, e pensa que as quedas ocorridas ainda na infância enquanto aprendia alguns números ensinaram o poder de sempre levantar do chão – seja em questão de arte ou não.
“Foi assim que cheguei a Fortaleza após passar por várias cidades me apresentando. Hoje moro no Vicente Pinzón, com minha esposa e minha filha. Tenho minha casa própria, que Jesus me deu, e um apoio enorme da família da minha mulher, a família que ganhei de presente. É um dos motivos que me dá força para continuar”.
Cidadão do mundo
E continuar significa se movimentar. Eduardo é cidadão do mundo. Vez em quando contorna Ceará, João Pessoa, Paraíba, Pernambuco, Pará, Piauí, Maranhão. Há mais de 20 anos se apresenta no Fortal e foi vencedor do quadro “Se Vira nos 30”, do extinto Domingão do Faustão, na Rede Globo. Quando surge novo edital, é um dos primeiros a se inscrever.
Não à toa a alcunha que deu a si mesmo. Foi um rebatismo. “Escrevi muitas coisas até chegar a esse nome, Eduardo Show da Vida. ‘Eduardo’ porque já é um show. Desse show, fica a vida”, detalha. “É um resumo do que eu faço devido à minha sensibilidade fora de sério. Acho que é preciso ter força, coragem e determinação para conseguir o que se quer”.
Uma das mais recentes conquistas está alinhada a isso. “Eduardo: O Rei das Praças” esteve em cartaz no Hub Porto Dragão no último mês de junho para mergulhar, de forma poética, na trajetória do artista. Memórias, imagens e sonhos se conectaram a fim de detalhar a jornada narrada pelo próprio personagem, num misto de choro e riso.
Na ocasião, Eduardo dividiu o palco com Alysson Lemos, amigo e produtor. “A estreia foi lindíssima, muita gente. A galera me surpreendeu”. A montagem contou com o apoio do edital Funarte Retomada Circo 2023 e, segundo ele, abriu as portas para outras oportunidades. No aniversário do mesmo Porto Dragão, por exemplo, ele estará. Também foi um dos escolhidos para participar do Festival Internacional de Circo.
Próximo passo: sempre sonhar
Mas ele ainda quer mais – e, quando expressa isso, se emociona. Relata o desafio extremo de se locomover por Fortaleza dependendo apenas de ônibus. Muitos, reconhece, já são acessíveis para cadeirantes. Mas geralmente ou já chegam com algum cadeirante dentro ou com elevador quebrado. Resultado: atrasa os compromissos do artista.
“Quando vou fazer alguma coisa no Centro, por exemplo, chego às 8h da manhã na parada do ônibus e só saio quase 10h. Tem que torcer pra dar certo. Se eu pegar transporte por aplicativo, é tão difícil quanto. Quando o motorista está chegando e vê que sou cadeirante, cancela a viagem”.
Por isso as lágrimas: quer superar isso para nunca deixar de sorrir. Comprar um automóvel ou, quem sabe, até ganhar um. Será a garantia de tranquilidade. “Sempre peço a Deus para que Ele me dê um carro e, assim, eu parar esse sofrimento, ir aos meus shows tranquilo, fazer minhas apresentações sem atraso. Um dia, eu creio, terei um carro na minha vida”.
Até lá, segue com um pequeno mantra: mais que sacrifício e dor, quer arrancar risadas. A cadeira como companheira, o talento como farol. “Daqui pra frente, espero muita coisa – muitos espetáculos, muitas apresentações, muito tudo. Espero que seja só alegria, só ladeira acima”.