Após o corpo de um homem ser encontrado dilacerado numa floresta, cinco mulheres são enclausuradas no templo da aldeia que habitam. A julgar pelo estado do morto, apenas um ser sobrenatural poderia cometer a ação. Os aldeões acreditam que a culpada está entre as prisioneiras, e seria aquela com poder de parecer mulher, mas se alimentar de carne humana. Elas serão libertas somente depois de entregarem a assassina. Haveria ali uma Raposa?
É nessa atmosfera sinistra que os teatros do Dragão do Mar e do Cuca Jangurussu serão mergulhados nos próximos dois fins de semana. “As Raposas” entra em cartaz de forma gratuita nos equipamentos no exato mês das bruxas – uma das apresentações, por sinal, acontece nesta sexta-feira, 13.
De congelar a espinha, a peça dialoga com temática tão profunda quanto, e, infelizmente, bastante próxima a nós. “‘As Raposas’ surge para apontar o dedo: por que aquelas mulheres seriam o monstro? O que de fato elas fizeram para merecer estar naquela situação? A circunstância na qual se encontram simplesmente por se oporem a uma ordem machista obriga o espectador a se questionar o porquê dessa ordem imperar”, situa Yago Barbosa.
O diretor afirma que explorar o gênero terror no tablado – há apropriação também do subgênero gore, sob tintas do universo medieval – pareceu ser o tom adequado para contar a história. Ele tem a capacidade de nos fazer olhar para o que há de pior nos seres humanos e, em consequência, em nós mesmos.
“A necessidade urgente de sobreviver é capaz de nos levar a fazer coisas que, em outras circunstâncias, abominaríamos. Não houve uma premeditação enquanto gênero durante a escrita. Apenas aconteceu”.
Se texto e direção já colaboram com a proposta, tudo é reforçado por meio de esforço técnico coletivo, envolvendo cuidadoso trabalho de luz (Aline Rodrigues), figurino (Wendell Veneroso) e sonoplastia (Clau Aniz), além do uso de elementos como sangue falso.
A montagem, assim, opta por itens mais realistas na execução, deixando o surreal para a ideia, o pensamento de que, entre elas, há uma Raposa.
Possíveis monstros
Outro atributo de destaque é a atuação. Cinco atrizes dão vida às mulheres enclausuradas, transpondo para o próprio corpo o fato de todas serem acusadas de representar uma entidade maligna apenas por não se encaixarem nos afazeres femininos da aldeia em que vivem: não estão casadas, nem em casa cuidando dos maridos e filhos. São independentes e lutam pela própria vida de formas diversas à considerada “comum” na localidade.
“Isso as transforma em possíveis monstros aos olhos da comunidade. E isso é o que de alguma forma as aproxima da realidade de muitas mulheres. Ao não performar uma ‘mulher ideal’, muitas são empurradas para espaços de marginalização social e julgamentos negativos por parte da sociedade”, reforça o diretor.
A atriz Mirlla Araújo sublinha que esta é a primeira montagem do texto dramático. Em 2021, houve a versão em audiodrama da peça e, já ali, a equipe recebeu um ótimo retorno. Agora, a expectativa, ao atrelar os multielementos do teatro – forma, som, imagem e corpo – é impactar a plateia de maneira que o choque leve à reflexão.
“Sabemos que todos procurarão respostas – a premissa da peça já traz uma busca, um mistério. Então, a partir do desenvolvimento do espetáculo, esperamos que as entrelinhas também sejam lidas, pois elas são muito importantes para compreensão do trabalho como um todo e da mensagem que queremos passar”, torce.
“Não é à toa que são apenas mulheres enclausuradas e colocadas naquela situação”.
Serviço
Espetáculo “As Raposas”
Dias 13 e 14 de outubro, às 19h30, no Teatro Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81) e dias 20 de outubro, às 19h30, e 21 de outubro, às 16h, no Teatro Cuca Jangurussu (Av. Gov. Leonel Brizola, s/n - Jangurussu). Gratuito. Acessível em Libras. Mais informações neste perfil