“Meu pai, que pássaro é aquele que não bate as asas?”, perguntou o pequeno Francisco Dias, aos seis anos de idade, depois de avistar o primeiro avião quando voltava da roça. A imagem da aeronave se materializou nas mãos do menino que começou a fabricar como brinquedo de madeira. Mas foi no na folhas de flandre e de zinco que Mestre Françuli, “o inventor do sertão”, hoje aos 76 anos, viu sua oficia se tornar um Museu Orgânico, inaugurado na noite de ontem (15), em sua terra natal, Potengi.
A memória da primeira aeronave o ficou na sua cabeça e se tornou uma paixão, que ultrapassou os anos e se tornou a principal forma de sustento do Mestre Françuli. Dele, nasceu ultraleves, aviões, paraquedas e helicópteros. Um processo que pode durar de 2 a 10 dias, dependendo do tamanho do objeto.
Os seus primeiros aviões eram de madeira, mas era bem mais fácil de quebrar. “Como não tinha cola, ficava difícil, aí eu fazia outro”, lembra o artesão. Isso mudou aos oito anos, quando pegou uma lata de óleo jogada no lixo e resolveu fabricar seus brinquedos com ela. Com uma faca, Françuli abriu o objeto para, então, moldá-lo com a tesoura de sua mãe que amolou numa pedra. “Pensei que ela ia brigar”, confessa. Seus amigos de infância gostaram, pois, quando a aeronave caía no chão, não quebrava.
“Eu risco ele, quando acabar corto. Emendo, fecho, faço uma peça e junto”. É assim que Françuli tenta explicar a fabricação. Neste processo, utiliza martelo, tesoura, bigorna e compasso. Todos os instrumentos feitos por ele. “Só não fiz o esmeril e a máquina de solda”, acrescenta o artesão. O preço dos seus produtos varia de R$ 30 a R 100.
“Eu criei meus seis filhos com isso”, garante o artesão. Em 1971, se mudou do sítio Marmeleiro, para morar na sede de Potengi. Lá, criou sua oficia e começou a vender os aviões que continua fabricando até o mês de junho deste ano, quando adoeceu. Uma bactéria na perna de Françuli impediu ele de andar. Contudo, conseguiu se recuperar e, hoje, se apoiando em duas muletas, projeta voltar a dar vida as suas aeronaves. “Hoje tô bonzinho. Melhor que quando tinha 20 anos”, brinca.
Adulto, Françuli viajou pela primeira vez de avião para o Amapá e realizou seu sonho de conhecer de perto o objeto que faz parte do seu cotidiano. “Fiquei nervoso quando estava no chão, mas quando levantou, fiquei bem”, lembra. Em 2016, depois de ser reconhecido como Mestre da Cultura cearense como Tesouro Vivo do Estado, as viagens pelo céu se tornaram mais frequentes.
Em 2009, Fraçuli teve a ideia de criar um museu ao lado de sua oficina por conta própria. Ele contou com ajuda de professores e pesquisadores da Universidade Regional do Cariri e do Centro Cultural Dragão do Mar, que doou peças que havia comprado e exposto do artesão. O local ficou aberto por um tempo, mas fechou. Ontem (15), voltou a ser reinaugurado com uma nova pintura, estrutura e disposição de peças, que lotou a pequena casa.
O projeto de Museus Orgânicos do Cariri surgiu na Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, com duas experiências: o Museu Ciclo do Couro: memorial Espedito Seleiro e o Museu Casa Antônio Jeremias. Este ano, o Sesc resolveu ampliá-lo para fortalecer uma rede de memória e turismo, além de gerar economia para os participantes e seu entorno. Ao todo, serão 16 locais que passam por pesquisa, estudo e adequação para receber visitantes. O Museu de Françuli foi o segundo lançado. O primeiro, também em Potengi, contemplou o Mestre Antônio Luiz, do reisado dos Caretas de Couro.
Segundo Alemberg Quindins, fundador da Casa Grande e idealizador do projeto, as casas destes mestres já são visitadas. “É uma coisa natural vir ao Cariri para conhecer a cultura popular”, afirma. A riqueza cultural local, Alemberg atribui a chegada de romeiros de várias partes do Nordeste para Juazeiro do Norte. “Vieram oficinas, artesãos, os próprios ferreiros e essas pessoas também eram brincantes do reisado, maneiro-pau", conta. E essas manifestações populares se espalharam pelo Cariri.
Em Potengi, ainda terão mais dois museus, um sobre as oficinas de ferreiros, principal atividade econômica do Município, e outra sobre pássaros da caatinga. O Sesc está investindo, ao todo, R$ 160 mil em 16 espaços. Lá, além da readequação, há todo o estudo sobre o local em que estão inseridos e os potenciais econômicos. “Nós estamos criando duas coisas, inclusão e distribuição de renda”, ressalta Alemberg.