Minoria nos consultórios terapêuticos, os homens ainda resistem a cuidar das emoções

Segundo especialistas, o quadro vem mudando, sobretudo entre os mais jovens, que colocam à prova seus bloqueios mais íntimos

Ao tomar a decisão de procurar uma terapia, os homens precisam superar uma série de preconceitos relacionados à possibilidade de acolher suas emoções. Se o autocuidado no universo masculino é tabu para diagnosticar e tratar doenças físicas, o quadro fica ainda mais complexo quando se refere à saúde mental.

Apegados à crença limitante de que "homens não choram" e precisam ser um pilar de sustentação nos círculos familiares e sociais, os pacientes têm de superar, também, a noção superficial de que fazer terapia só seria necessário em caso de grave transtorno psiquiátrico.

Segundo a psicóloga Luiza Braga, mestre em Psicologia Clínica pela PUC (SP), é possível observar um aumento da busca pela psicoterapia por parte dos homens. Apesar do crescimento, ainda existe muita resistência ao tratamento.

O bloqueio se dá "pela questão de expor sentimentos, de como é ir para um local e falar de emoções, de situações difíceis que estão passando pela vida. Porém, vejo no meu consultório que isso vem mudando. Embora a procura maior ainda seja de mulheres", explica Luiza.

A psicóloga Lana Carrah considera que essa busca ainda é "tímida", mas reforça como é crescente. Ela percebe que os homens procuram a terapia, hoje, mobilizados por demandas próprias, e não somente por sugestão de uma companheira ou outra pessoa de seu convívio.

Diante dos psicólogos, observa Lana, a postura dos homens, no início do processo terapêutico, também é tímida. "Percebo que as mulheres chegam com uma demanda mais lapidada, pois já falaram sobre suas questões com outras pessoas e possuem uma reflexão prévia sobre elas. Os homens chegam, falam inicialmente de trabalho, sobre uma rotina cansativa e estressante. Só depois, quando as resistências diminuem, conseguem falar sobre família e relacionamentos afetivos", expõe.

Essa dificuldade de encarar o processo terapêutico foi enfrentada pelo advogado Theognis Florentino, 41, que tentou fazer terapia duas vezes, com psicólogas, mas não se sentiu à vontade para mergulhar em suas questões diante de mulheres.

Depois de passar por uma imersão que lhe ajudou a investigar os traumas da primeira infância, Theognis encontrou um terapeuta e teve "uma espécie de catarse. Eram dores tão intensas, que joguei tudo de uma só vez. E depois de jogar, você chuta o balde, pra depois trazer pro lugar devido", reflete.

Com o gerente administrativo Marcelo dos Santos, 43 anos, o processo foi semelhante ao do advogado. Embora soubesse que precisava de um apoio terapêutico, levou algum tempo para procurar ajuda. Seus relacionamentos não iam adiante e, como consequência, vinham as frustrações.

Após mais um rompimento dolorido, ele então decidiu procurar ajuda terapêutica. Durante a terapia, foi orientado a fazer uma Constelação Familiar e, segundo ele, a partir daí, começou a desatar alguns "nós" que estavam prejudicando a sua vida.

Resistência

As psicólogas Luiza Braga e Lana Carrah identificam os homens mais velhos com maior resistência ao processo terapêutico. Para Luiza, a questão não envolve só o público masculino, mas sim todas as pessoas que não tiveram uma cultura de cuidado com a saúde mental na criação.

"É muito forte você escutar as pessoas dizendo que depressão é 'frescura', 'falta de vontade', 'falta de Deus no coração'. Hoje se fala bem de saúde mental, de forma mais aberta que há 10 anos. Mas imagina há 20, 30 anos, em que não era nem tocado no assunto", identifica Luiza.

Segundo Lana Carrah, as novas gerações masculinas tiveram a chance de mudar esse rumo, por conta do acesso a conteúdos e a campanhas sobre saúde emocional em diversas mídias. Parte do público mais velho, destaca a psicóloga, "ainda enxerga saúde como ausência de doença. E não como um processo constante de autocuidado", complementa.

O advogado Theognis Florentino reforça esse olhar. E conta que se interessou pela formação de terapia holística após entrar no processo de autocuidado emocional. Dentre colegas de curso, ele encontrou uma maioria expressiva de mulheres.

No círculo familiar, Theognis lembra que um primo passou "por todas as crises" pelas quais ele também já teve de lidar, mas ainda resiste para procurar ajuda. "A esposa dele tem depressão e faz tratamento. Ele acompanha e percebe a transformação", sinaliza.

Para o advogado, o processo terapêutico foi tão revolucionário que ele decidiu contar esse percurso em um livro, ainda inédito e intitulado como "Transformando crise em conhecimento: a revolução dos 40". "Brinco que essa crise é de 10 em 10 anos. Eu reproduzia as questões da minha criança ferida, inconscientemente, pra tudo: vida profissional, casamento, relação com meus filhos, dons, negócios", lembra.

Choro

Na dinâmica das sessões terapêuticas, os homens ainda sentem bloqueios para liberar o choro, mesmo que entrem em contato com dores profundas. Luiza Braga conta que os pacientes chegam com essa limitação, embora o consultório seja preparado como um "espaço de segurança" para a expressão dos sentimentos dos pacientes.

A psicóloga reitera que o bloqueio envolve questões culturais. Ela já ouviu falas como "nunca chorei", "nem lembro a última vez que eu chorei" ou "da última vez foi quando perdi alguém muito querido". Os pacientes chegam apegados à ideia de que chorar é vergonhoso, algo que deve ser contido.

"E é muito bonito quando as pessoas aprendem a chorar. Não só dentro do consultório de psicologia, mas quando elas levam isso pra vida. E entendem que também está tudo bem ficar triste, que ninguém precisa ser feliz e forte o tempo inteiro", reflete.