A cidade ainda dorme quando eles levantam. Calçam sapato, põem bermuda, reúnem equipamento: vão para a rua. Os fotógrafos de corrida têm rotina antes do sol raiar porque acompanham quem atravessa longas distâncias a pé em maratona. Gente que acorda cedo para testar os próprios limites e, por que não, inspirar muitos a ir além.
Conhecer o dia a dia desses profissionais é adentrar em outra Fortaleza, a que transpira saúde e coragem. Veja o caso de Carlos Fernandes. De segunda a sábado ele ocupa o Espigão do Náutico, na Avenida Beira-Mar, e se posiciona para capturar a energia do movimento. Corredores vêm e vão, acenam para o fotógrafo, e ele retribui o carinho. Gosta da conexão.
“Sempre aproveito a luz natural do nascer do sol, das 5h30 às 07h30. Esse horário não só proporciona uma iluminação ideal, mas também captura a Beira-Mar em um instante de efervescência e atividade intensa. Cada dia é oportunidade para encontrar ângulos únicos e momentos irrepetíveis, o que torna a fotografia de esportes ao ar livre gratificante”, festeja.
Além de quem corre, Carlos também fotografa pessoas que praticam natação, canoa havaiana e caminhada, além dos que desejam registrar um momento especial diante do belo cenário marítimo. A consistência na rotina não apenas facilita a logística de trabalho, como também permite que o público conheça e confie no horário regular.
É o que justifica o fluxo de interessados e participantes espontâneos nas sessões. O fotógrafo é chamado por todos pelo nome. Já virou da turma. “Busco captar a intensidade, o foco e as emoções dos corredores, que muitas vezes revelam muito sobre o esforço e o espírito da corrida”, diz o também idealizador do perfil Rola na Orla, onde são publicadas as fotos.
“Cada uma dessas experiências contribui para aprimorar minha habilidade de contar histórias por meio de imagens, ligando a paixão pelo esporte com a promoção de um estilo de vida saudável e ativo”. Faz sentido. Não sem razão, à tarde é a vez dele descer para a praia e fazer a própria corrida. Ligar o fio da arte à dinâmica do corpo.
Desafios, motivações, renda
Em uma conta rápida, o profissional estima que já fotografou cerca de 23 mil corredores – muito em parte devido à audiência dele no instagram. Vindo de São Paulo sem conhecer ninguém na capital cearense, Carlos atribui à fotografia de rua e à corrida a chance de construir uma nova rede social e comunidade.
Hoje, considera ter mais amigos aqui do que na cidade de origem. Desafios na profissão, contudo, não somem. O período de chuva eclipsa possibilidades, bem como o risco de fotografar em áreas menos movimentadas que a Beira-Mar. Para isso, adota medidas de segurança robustas, incluindo, por vezes, contratar segurança pessoal ou trabalhar em grupo.
A alta expectativa dos clientes com o resultado final das imagens e a própria edição do material também entram na equação. Mas Carlos sempre garante qualidade, principalmente porque valoriza o próprio esforço. Para a monetização do trabalho, desenvolveu um modelo que atende tanto corredores avulsos quanto aqueles que participam de eventos mensalmente.
Na modalidade Plataforma de Vendas, por exemplo, as fotos são enviadas para o site Rola na Orla – equipado com tecnologia de reconhecimento facial, permitindo que os corredores localizem facilmente as imagens pós-evento – e ficam disponíveis para venda. Por sua vez, o preço por foto individual é de R$10, sendo possível comprar quantas desejar.
Já o Pacote Mensal é para corredores mais frequentes. Custa R$120 e permite acessar um número ilimitado de fotos de qualquer evento durante 30 dias. Entre os benefícios adicionais, está o fato de a plataforma permitir uma maneira conveniente e rápida de ter acesso aos registros, sem necessidade de longas buscas manuais.
Capturando de corridas descompromissadas a eventos de grande envergadura – além de contar com apoio de parceiros patrocinadores – o fotógrafo independente coleciona alegrias. O expediente lhe confere sobretudo a oportunidade de testemunhar histórias de vida capazes de emocionar. “Enriquecem meu trabalho e me inspiram continuamente”, assegura.
Por isso mesmo, quer expandir o projeto Rola na Orla para cada Estado ou localidade que possua beira-mar, oferecendo serviço especializado e altamente focado para corridas e eventos ao longo de orlas pelo Brasil.
“Muitos corredores me contatam pessoalmente para agradecer pelas fotos. Eles compartilham como essas imagens ajudaram a elevar a autoestima, mostrando-os no auge do esforço e da conquista, o que muitas vezes os faz perceber sob uma nova luz. As reações e histórias reforçam a sensação de comunidade e destacam a importância do suporte mútuo”.
Pioneirismo
Dudu Ruiz que o diga. Nascido no Peru, criado na Bahia e há quase duas décadas em Fortaleza, este outro fotógrafo de corridas de rua e de triathlon prima por sempre buscar a melhor foto no cenário mais diferente possível para captar as mais diversas emoções. “Sempre digo ao corredor que a melhor foto que farei dele será amanhã”, brinca.
A segurança, na prática e nos gestos, são reflexo de larga experiência. Dudu – outrora produtor de eventos e de algumas bandas de axé – é um dos pioneiros da seara em Fortaleza. Integra o mercado há 15 anos. Por sempre gostar de fotografia e de esporte, não viu outra saída senão unir os dois mundos. Dito e feito.
Assim como Carlos, também é chamado pelo nome por todos e devolve o carinho. Disposição de gente vocacionada: acorda diariamente às quatro da manhã para estar na Avenida Beira-Mar na altura do antigo Boteco. Lá, presencia diariamente transformações no corpo, na energia e no condicionamento das pessoas. E fica feliz por isso.
“De segunda a sexta, de 5h às 7h, fico na Beira-Mar; no sábado não tenho lugar fixo, vou onde tem evento esportivo; no domingo, onde tem corrida. O principal objetivo é registrar o treino dos corredores. Muitos deles usam as fotos para as próprias redes sociais, pra guardar de lembrança, para dizer que bateu um recorde pessoal ou para fazer um quadro na sala”.
Também no valor de R$10 por imagem, o fotógrafo vai ganhando a vida e reunindo gente. Os registros ficam disponíveis no site dele com acesso bastante facilitado e inspiram o próprio a vencer barreiras. Dudu também corre, já participou de cinco meias-maratonas, e alimenta o sonho de percorrer 42 km.
“Meus treinos geralmente são à noite, fora do meu horário de trabalho. A fotografia ajuda muito os corredores na forma de correr. Auxilia a verem, por exemplo, se estão até errando nessa prática – a postura, a pisada”.
Sempre recordando de quando tudo começou – era praticamente o único na cidade com esse tipo de atuação – nada abala a crença do profissional de que o trabalho vai lhe acompanhar por anos e anos. Fisgou o peito, entrou na corrente sanguínea, virou coisa de paixão.
“Diziam que eu era louco por estar fazendo fotos na BM… Hoje temos uma febre chamada rede social, na qual, se não tiver foto, não tem treino”, dimensiona. “Amo o que eu faço, e me encontrei na fotografia. Não penso em outra coisa a não ser fotografar corrida de rua”.
Do surf ao asfalto
A prática de testemunhar vidas em movimento também é expediente de Nickola Brága. Autorreferenciado fotógrafo em tempo integral, desde o ano 2000 está entre lentes. No primeiro momento, registrava eventos de surf e outros esportes radicais no Ceará por meio de um projeto formado com dois amigos. A partir de 2022, a coisa se ampliou.
Passou a percorrer corridas e ciclismos, sobretudo por intermédio do professor de corrida/triathlon, André Bellaguarda. Não parou mais. “Minha rotina é como a de corrida, acordando sempre às 4h30 da manhã como se fosse praticar o esporte em si. Vou para os pontos onde já criei meus amigos-clientes fiéis”.
A agenda é diversa e atravessa a Capital. Às segundas e sextas, o recanto é a Avenida Beira-Mar; às terças e quintas, a Sabiaguaba – com especial ênfase no ciclismo; na quarta-feira, é dia de ir ao Shopping Iguatemi Bosque. Em cada um dos endereços, a satisfação de registrar momentos de conquistas e superações pessoais.
“Tento fazer a composição do atleta com a paisagem, buscando uma imagem bonita. Sempre trabalhei de forma independente. Já fotografei a Maratona do Rio de Janeiro – que, neste ano, irei novamente – e o Ironman 70.3 de Fortaleza. Tenho uma boa renda, com a qual consigo dar conforto para minha família”.
Como de costume nessa modalidade profissional, também utiliza um portal no qual hospeda as fotos e contém um sistema de vendas. Os maiores desafios na empreitada são mesmo dois: a insegurança e as condições climáticas. Para se ter noção, no primeiro caso, no ano passado foi assaltado e teve o equipamento levado. Felizmente, recuperou no mesmo dia.
“Já as condições climáticas sempre colocam nosso equipamento em risco”, lamenta. Os bônus são maiores, contudo. É costume ouvir muitos relatos dos amigos atletas dando testemunho de superação de conquistas. Os registros sob sua pena, portanto, tornam-se verdadeiros troféus para eles. Guardam com muito aconchego.
“Sempre fui praticante de esportes. Já fui surfista, capoeirista, patinador, triatleta, maratonista e, agora, sou crossfiter. Isso me auxilia muito nessa vivência para que tente sempre registrar com mais verdade e precisão o que o esporte precisa ser repassado”. Não à toa, o sonho: “Pretendo me tornar uma referência. Isso para mim seria uma grande satisfação pessoal”.