O tempo da retirada de um órgão e utilização deste em outra pessoa varia. Segundo dados do Ministério da Saúde, o coração, por exemplo, resiste por cerca de quatro horas até o transplante ser consolidado. São minutos preciosos para quem espera uma nova chance de vida e símbolo de generosidade e empatia aos familiares dos doadores. É quando vivências completamente díspares se cruzam e geram novas esperanças.
A comunhão das diferenças, possível a partir de um gesto de amor, é um dos temas defendidos pelo filme "Bate Coração". Com direção de Glauber Filho, nova produção da Estação Luz Filmes convoca o público a incentivar a doação de órgãos e narra uma história inspirada nas peças "Acredite, um espírito baixou em mim" e "O coração safado", ambas de autoria de Ronaldo Ciambroni.
A obra busca retratar, por meio da comédia, questões pertinentes à atual sociedade, como o próprio transplante e a dignidade e respeito à diversidade. Para estabelecer tal cenário, o roteiro desenvolvido por Daniel Dias, Glauber Filho e o próprio Ciambroni coloca em jogo as aspirações de dois personagens antagônicos.
Aos 40 anos, o publicitário Sandro (André Bankoff) encarna a figura do garanhão insaciável. Caricatura do típico hétero "topzeira", é cercado de preconceitos e a única ligação mais séria com o mundo real se concretiza na dedicação ao trabalho. Em plena noite de Réveillon, o cara sofre um infarto e é levado às pressas para o hospital.
No lado periférico da cidade, a cabeleireira Isadora (Aramis Trindade) segue um dia feliz no salão de beleza La Belle de Jour. O pequeno negócio é tocado na companhia de Vera (Germana Guilhermme) e a última noite de ano para a personagem teve um fim trágico.
É quando o outrora saudável Sandro termina por receber um novo coração. A trama principal inclui as presenças da médica Cláudia (Heloisa Jorge), Madeinusa (Dênis Lacerda), Laysa (Patricia Dawson) e a inesperada visita de Davi (Brenno Leone).
Após o procedimento médico, as novas "vidas" de Isadora e Sandro são guiadas por outro par de personas distintas. Conhecemos o espírito Otto (Daniel Dias) e o "parça" de farras do publicitário, Igor (Paulo Verllings). O primeiro é o espírito de um ex-comunista que atua como guia para Isadora, ainda inconformada com o fato de estar morta. O segundo oferece o contraponto às visíveis mudanças de comportamento do transplantado. Assim é construído o conjunto de opostos central à narrativa de Glauber Filho.
Mensagem social
A constante não aceitação da dupla de protagonistas amarra as situações do filme. Na tentativa de ser o mais direto com público, o roteiro adentra o senso comum inerente ao universo de cada personagem. No embate de conflitos e possível harmonia na convivência destes, o interesse de "Bate Coração" é com a mensagem social da doação de órgãos.
Rodado totalmente em Fortaleza, o filme envolveu cerca de 300 profissionais de forma direta e outras mil pessoas indiretamente. Com a chegada aos cinemas, o contingente só aumenta. Unindo elementos da temática espírita à comédia escrachada, a obra informa e gerar empatia no Brasil cada vez mais bestial.
Sem grandes afetações, Aramis Trindade constrói uma Isadora às voltas com as escolhas da vida, ofertando uma personagem dotada de outras camadas e segredos. Demarca a necessidade do perdão como um predicado de evolução.
Mesmo com menos dimensões, a cria de André Bankoff evolui ao longo da trama na maneira de lidar com o mundo. A escalada do publicitário até encontra um determinado grau de dignidade. Sandro enfrenta muito do humor de situações explorado pelo trabalho.
A estreia de "Bate Coração" se une a um ano excepcional para o cinema cearense. Reforça a existência de uma série de profissionais comprometidos e de uma indústria capaz de gerar emprego e renda. Que Fortaleza siga cenário fértil para novas histórias nas telonas e testemunhe mais frentes de trabalho no mercado audiovisual.