A fama não é nova, tampouco recente. Mas Quixadá renova o contrato com o fantástico toda vez que o sol desponta. É a Terra dos ETs, dos contatos sobrenaturais, das abduções e aparições extraterrestres. Dos sinais. Fertilidade criativa refletida no cotidiano: são vários os casos de pessoas relatando experiências com ovnis, naves e afins.
O peso dessa atmosfera não tardaria a alcançar a arte. O cinema, sobretudo. Distante 168,7 quilômetros de Fortaleza, o município cearense foi locação para vários filmes a respeito dos mistérios alienígenas. Obras de cunho documental e em ficção que extrapolam a realidade para melhor compreendê-la.
Mas, afinal, o que é fato e o que é invenção em cada um desses projetos? Será mesmo que aquilo exibido na telona realmente aconteceu sob os monólitos quixadaenses? Cineasta e atual Secretário da Cultura de Quixadá, Clebio Viriato Ribeiro situa algumas produções da sétima arte para refletirmos sobre a questão.
Lançado em 2001, com direção de Margarita Hernández e Tibico Brasil, o documentário “Labirinto”, por exemplo, é todo realizado a partir de depoimentos reais. O título do trabalho herda o nome de um antigo sítio na Serra de Baturité. No dia 4 de outubro de 1996, um jovem chamado Ernani anunciou a aparição de Nossa Senhora no lugar. Depois de muitas horas de espera, olhos voltados para o sol, um fenômeno foi avistado no céu.
O fato comoveu as seis mil pessoas que lá se encontravam. Algumas juram ter recebido graças da Virgem e contam, perplexas, que o sinal eram as contas do rosário de Nossa Senhora. Porém, no meio da multidão, estava um grupo diferente, composto por cinco homens e uma mulher, que filmaram e fotografaram o estranho acontecimento e têm absoluta certeza de ter estado na presença de discos voadores.
O documentário é sobre esse grupo de ufólogos – membros do Centro de Pesquisas Ufológicas do Ceará –, as vigílias da trupe e as pesquisas assinadas por eles, marginalizadas pela ciência e pela religião.
É também sobre duas cidades, Quixadá e Quixeramobim, que disputam o título de localidade que mais recebe a visita de discos voadores no sertão. Um labirinto, conforme descrição no site da Cinemateca Brasileira, “em torno das palavras ver e acreditar”.
Hollywood no sertão
“Área Q”, de 2011, é outra produção citada por Clebio Viriato – autor do livro “Cinema de pedra: histórias sobre filmes gravados em Quixadá”, abarcando produções entre 1960 e 2015. Dirigido pelo carioca Gerson Sanginitto, o longa tem como produtor o cearense Halder Gomes e conta com nomes nacionais e estrangeiros no elenco.
Murilo Rosa, Tania Khalill, Isaiah Washington e Steve Filice protagonizam a história ficcional, igualmente baseada em fatos reais – naquele que talvez seja o acontecimento mais emblemático ocorrido em Quixadá até hoje envolvendo ETs. Conhecido como caso Barroso, diz respeito à experiência vivenciada pelo agricultor Luis Fernandes Barroso. Segundo o filho dele, o homem “teve um contato bem próximo” com extraterrestres nos anos 1970.
“Um dia, ele foi buscar leite em um sítio, quando, conforme o próprio Barroso, um objeto se aproximou. Desse objeto, desceram um ou dois seres e jogaram uma caneta luminosa no rosto dele, que o paralisou. A partir daí, ele não conseguiu mais lembrar o que aconteceu”, detalha Clebio. “Após essa abdução, seu Barroso nunca mais foi o mesmo. O filme ‘Área Q’ aborda por cima essa temática”.
O próprio cineasta, natural de Quixadá, não esconde a crença em ovnis. Quando adolescente, enxergou luzes no céu circulando ao redor delas mesmas. Eram vermelhas, verdes e amarelas, com movimentos abruptos. “Tinham variações que não são próprias de aviões, drones ou helicópteros. Pertencem a objetos voadores não-identificados. O acontecimento envolvendo o caso Barroso me leva a crer que, realmente, eles existem”.
A propriedade na fala devido a essa vivência reforça o apreço dos seres de outros planetas pelo solo quixadaense. A cidade parece ser lugar preterido de passagem por discos voadores. Muito disso se deve, conforme Clebio, ao encantador cenário do município, despertando no na população uma imaginação muito fértil. Tudo é tangível.
“Há relatos da população – camponeses, agricultores, homens e mulheres da cidade e da zona rural – desde que eu era criança, na década de 1970. Várias curiosidades nas conversas, faladas por pessoas que não tinha motivo pra mentir, de que elas foram perseguidas por ‘aparei’. Era assim que chamavam os aparelhos, os discos voadores. O caso Barroso é o mais impressionante de todos. A prova concreta de que fenômenos envolvendo objetos voadores não-identificados ocorrem no sertão de Quixadá”.
Perpetuar a tradição
Primeiro longa-metragem da cineasta cearense Bárbara Cariry, “Pequenos guerreiros” (2021) estende o leque de alcance dessas narrativas ao apresentar às crianças os detalhes da realidade de Quixadá. No filme – um road movie, no qual uma família de pescadores decide viajar para o sertão, indo até Barbalha, no Cariri, com o objetivo de pagar uma promessa durante a Festa do Pau da Bandeira – os filhos do casal protagonista se interessam pelos mistérios quixadaenses ao chegar na cidade.
“A gente fez uma brincadeira no filme – uma vez que Quixadá é conhecida como a Terra dos ETs. Uma brincadeira com a história. As crianças ficam assustadas quando chegam no município, tentando a todo momento encontrar algo de um alienígena, descobrir ali uma pequena aventura. Eles até conversam com a estátua de um ET”, descreve Bárbara.
Mas é apenas um trecho da película – nada que torne a experiência menor, contudo. Por estarem acompanhados dos pais, os pequenos são apresentados à fama do lugar, fazendo com que outras pessoas da mesma faixa de idade possam conhecer (e se encantar) com os causos da região. “A partir de um imaginário criamos uma situação”.
Outro filme que toca brevemente no assunto é “Cine Holliúdy” (2012), do já citado Halder Gomes. Na divertida trama, Quixadá serve de cenário logo no início. Na cena, o personagem Francisgleydisson (Edmilson Filho) explica para o filho como a cidade é conhecida. “Francin, macho, esse lugar aqui é a área onde se avista mais disco avoador no Brasil”.
Há ainda outra produção cinematográfica nessa seara, embora menos conhecida. “Abduções em Quixadá” – média-metragem de 40 minutos, dirigido por Alexandre Pinheiro – explora as experiências narradas por quem diz ter sido capturado por alienígenas e teve um chip implantado no corpo. Para atrair a atenção do público, o realizador – também professor de Física, e responsável por incluir os estudantes no elenco do projeto – resolveu associar uma exagerada dose de terror a um trágico e misterioso desfecho para as abduções.
Para o futuro, Clebio Viriato planeja contar o caso Barroso em filme, narrado sob o ponto de vista de uma pessoa próxima à família do agricultor supostamente abduzido. O roteiro é de Caio Quinderé, com argumento do próprio realizador. O título provisório é “Uma Luz que Veio do Céu”. “O projeto já está todo elaborado, agora estamos indo a campo buscar os recursos para produzir”, divide.
“Para além disso, um aspecto importante é a falta, em Quixadá, de um lugar dedicado exclusivamente a esse assunto. Esse é um aditivo muito forte do município. Isso pode ser explorado a nível cultural e turístico. A cidade precisa de um lugar dedicado a esse tema – um centro ou parque centro ufológico aberto a visitações e estudos, potencializando algo universal e que desperta interesse no mundo todo, beneficiando a cidade”.