Prato à base de milho, o mungunzá, ou mucunzá como falamos informalmente, é bastante tradicional no Ceará, especialmente no período dos festejos juninos. Mas qual você prefere? O salgado ou o doce? As diferentes regiões do Estado têm duas variações da iguaria, mudando o preparo, os ingredientes e, claro, o sabor.
A professora da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco e pesquisadora Uiara Martins explica que o mungunzá salgado, mais consumido no sertão do Inhamuns, no Cariri e em alguns territórios serranos, tem forte influência da Cachupa Africana, também feita de feijão, milho amarelo e carnes de porco.
“Por outro lado, o mugunzá doce, que se consome em parte do sertão e no litoral cearense, com milho branco ou amarelo, remete-nos muito a estrutura da receita do arroz doce português. Essa receita base é feita com milho, leite e açúcar, podendo variar com o uso do leite de coco, uso de canela, cravo e coco fresco (sobretudo no litoral)”.
Chef e diretora do Mercado AlimentaCE, Marina Araújo destaca que, no Ceará, o prato fica em alta entre os doces no período junino, junto com a canjica de milho e o pé-de-moleque. “Nesta versão temos a presença do leite de coco, bem brasileiro, e de especiarias como canela e cravo, que são de referências portuguesas”, acrescenta.
Milho na cultura alimentar cearense
Muito forte na cultura alimentar cearense, o milho é utilizado em diversas receitas da gastronomia local. “Por exemplo no sertão do Inhamuns, existem escolas que inserem essa iguaria salgada na merenda escolar. No Cariri, o mugunzá salgado pode ser consumido em celebrações como aniversário”, diz Uiara.
“O mungunzá, quer seja doce ou salgado, representa nossa cultura alimentar, as influências que recebemos e a forma como adaptamos nossas receitas de acordo com o que de produtos temos ofertados no território, bem como o gosto peculiar de cada uma das regiões onde ele é produzido”, acrescenta.
Para Marina, esse prato mostra muito sobre as nossas raízes da culinária afro-brasileira marcada no estado.
“Sabendo que a cultura alimentar é o processo de identidade dos povos e que compreende todos os processos que vão da terra ao prato, a iguaria reúne muito do que é farto na nossa região, que é o milho, o feijão em alguns casos, o leite de coco. Então são pratos que trazem a história dos territórios, a relação nutricional e a sustentabilidade de usar insumos regionais”.
Como fazer o mungunzá salgado?
O ingrediente principal de ambos os pratos é o milho canjicado, ou seja, milho pelado sem a casca. No caso do salgado, são usados ainda feijão de corda e partes do porco salgada, como os ingredientes de feijoada. Pode haver receitas variadas com o uso de linguiça e carne salgada, de acordo com Uiara.
Marina pontua que o preparo é semelhante ao da feijoada em algumas etapas. “É importante deixar o milho do mungunzá de molho de um dia para o outro”.
Coloque o milho para cozinhar em uma panela de pressão por 30 minutos ou até que fique macio. Em outra, cozinhe o feijão junto com carne de sol, paio, calabresa e toucinho, e outros condimentos desejados. Ao final, junte o milho ao feijão.
Marina sugere fazer essa mistura em um refogado de cebola e alho, acrescente sal e pimenta a gosto e finalize com cheiro verde. Uiara, por sua vez, sugere deixar saborizar por 10 minutos.
Como fazer o mungunzá doce?
“Também conhecido como Chá de Burro, essa preparação é feita com o milho canjicado branco ou amarelo, leite, açúcar (em algumas receitas cravo, manteiga e canela para temperar) e possui variações contemporâneas com acréscimo do leite condensado”, explica a professora.
Uiara diz ainda que, sobretudo no litoral, em algumas receitas são usados o leite de coco e o coco ralado.
Assim como o salgado, o mungunzá doce também precisa que o milho fique de molho de um dia para o outro.
“Escorra a água e coloque o milho em uma panela de pressão por cerca de 30 minutos. Depois acrescente os demais ingredientes. O leite condensado, coco ralado, leite, canela, cravo e o leite de coco. Quando a mistura estiver cremosa, sirva com um toque de canela em pó no final”, detalha Marina.
Receita de família
Há mais de 10 anos no ramo alimentício, Luciliane Ferreira aprendeu a receita do mungunzá salgado com a avó e, hoje, vende porções individuais, de 500 ml, a R$ 10 no mercadinho que toca com o marido Daniel, localizado no bairro Itaoca.
“Faço várias comidas da nossa região porque foi a forma como fui criada, eu uso uma receita da minha avó que fazia pra gente comer quando criança. Quando comecei a trabalhar com comida, me veio a ideia de fazer mungunzá, que eu gosto muito, e no meu interior (Pacoti), só faziam mais o salgado”.
Além do mungunzá salgado, Luciliane e Daniel vendem sopas e caldos, panelada bovina, sarrabulho suíno, gostosinho de carne moída e fava.
Quem também aposta no mungunzá, porém na variação doce, é Cristiane Alves Prudêncio, do Tempero da Cris. Durante o período junino, ela vende porções, de 200 ml, a R$ 7. O espaço fica no bairro Farias Brito, dentro do Box Babu, na Avenida Bezerra de Menezes.
Cristiane conta que a receita foi aprendida ainda na infância com a mãe, quando moravam na comunidade Verdes Mares, no bairro Papicu. “O munguzá representa muita coisa da minha infância e desse tempo junino”.
“Onde eu morava, a comunidade se juntava no São João pra fazer uma festa muito grande e eu sempre participava. Tinha que levar algum prato pra botar na barraquinha que ficava, pedia minha mãe pra fazer e a gente tentou fazer o mungunzá, e a cada ano a gente se aperfeiçoava mais”.
Hoje, a receita ganhou toques próprios da Cris. Trocou o milho amarelo pelo branco, a água com leite por leite de gado, de coco, condensado e creme de leite para dar mais sabor.