Dominguinhos gostava de andar devagar de qualquer forma. Com medo de avião, ele jamais voltou a pegar o transporte aéreo desde o final dos anos de 1970. Para cumprir a agenda de shows, dirigia o próprio carro – independente da distância, acompanhado de algum músico ou produtor do lado. Nesta sexta (12), o sanfoneiro, falecido em 2013, completaria 80 anos de idade.
Quem conta a vida do sanfoneiro pela estrada é João Netto, seu ‘quase’ conterrâneo. Nascido em Buíque (PE), o guitarrista se mudou cedo para Garanhuns (PE) – onde Dominguinhos nasceu. Antes de parar de voar, o sanfoneiro chegou a tocar na Europa. Depois, passou a montar sua agenda no período de São João, por exemplo, subindo de carro pelo Espírito Santo, Bahia, até chegar em Pernambuco e aqui pelo Ceará.
A maioria dos músicos da banda de apoio viajava sempre, para fazer os shows, de avião. Dominguinhos chegava até 4, 5 dias depois, a depender do destino – e foi João Netto quem lhe acompanhou várias vezes. “Ele ainda andava a 80, 90 km/h. Acho que isso era ruim até pro carro (risos). E parava no posto. Quando eu pegava o volante, ele tomava os comprimidos dele e dormia, mas nunca deixava eu passar de 100 (km/h). ‘João, tá correndo demais, pode não’”, lembra o guitarrista.
João observa que a convivência selou a amizade com o sanfoneiro – para além do compromisso profissional. “A gente conversava de tudo, ficou amigão de segredos e tudo mais. Era muito bom”, elogia o músico.
Bem antes da parceria pela estrada, o primeiro contato entre João Netto e Dominguinhos foi confuso. O guitarrista tocava, na década de 1990, com Nando Cordel (PE). O sanfoneiro escutou a guitarra da banda de Cordel em uma gravação de fita K7 e perguntou quem era.
Tempos depois, Dominguinhos foi tocar em Garanhuns e procurou João pra tocar. O guitarrista já tinha ido morar em São Paulo, mas arrumaram um “sósia” pra cumprir a função. “Rapaz, daí quem tocou foi Júnior, meu irmão. Ele é um grande guitarrista também, e parece comigo. Dominguinhos tocou com ele pensando que era eu (risos)”, conta João Netto.
Já em São Paulo, João Netto foi tocar com Dominguinhos, pela primeira vez, em um festival em Campos do Jordão (SP). “Quando chegou lá, ele me viu e falou: ‘poxa João, mas você emagreceu hein’. Só fui entender a história depois e contei pra ele”, lembra o guitarrista.
Belchior
Dominguinhos teve de dividir a contribuição do guitarrista com um cearense ilustre: Belchior (1946-2017). Durante 5 anos, antes do cantor e compositor local “sumir” dos holofotes e dos espaços públicos, João Netto se revezou entre os shows dos dois ícones da MPB e da cultura nordestina.
João conta que o sanfoneiro tinha um certo receio de perder o guitarrista para a agenda cheia de Belchior na época. “Dominguinhos ficava com uma pontinha de ciúme. E eu viajava tocando com Belchior pra todo canto. Ele pegava avião direto, já gostava de aeroporto. Mas tive de dizer assim: ‘já falei com Belchior, Seu Domingos, que a preferência é do senhor’ (risos)”, lembra.
Último show
João Netto recapitula que tocou com Dominguinhos até o último show, em homenagem a Luiz Gonzaga em Exu (PE) - dia 13 de dezembro de 2012. “Foi o último dia que vi Seu Domingos”, sinaliza. O guitarrista conta que, nessa fase, o sanfoneiro precisava tratar uma série de problemas de saúde, mas conseguia manter o bom humor e a disposição renovada com os palcos.
“Ele tinha diabetes, teve câncer, fazia tratamento alternativo com uma doutora japonesa. Mas ele aguentou muito tempo, a música transforma. A pessoa tá doente, sobe no palco e a música dá uma energia maior. Comigo acontece, com ele não seria diferente”, reflete João.
Grato pela vivência ao lado do sanfoneiro, João Netto diz como Dominguinhos era espirituoso e abriu várias portas para a carreira musical do guitarrista. Em 2017, ele, Marcelo Melo (Quinteto Violado), Sérgio Andrade (Banda de Pau e Corda) e Gennaro (Trio Nordestino) formaram o quarteto Cantoria Agreste e fizeram shows - incluindo Fortaleza - dedicados ao repertório do sanfoneiro. O projeto está parado, mas “pode voltar”, prevê o músico.
"Com ele, cheguei próximo de pessoas que nem imaginava, como (Gilberto) Gil, Elba Ramalho, Ivete Sangalo, João Bosco. Ele e Belchior foram duas pessoas que entraram na minha vida e agradeço a Deus por ter conhecido. Foi muito bom mesmo. Tenho Dominguinhos no meu coração pelo resto da vida. A obra dele é eterna e está aí para tanta gente nova”, celebra João.