São muitas as costuras possíveis do texto ao têxtil. Para além do jogo de palavras semelhantes, os dois dividem, de fato, práticas cujas artesanias se espelham de diferentes formas. É nessa ligação que se baseia o projeto “Viajando com Tapetes Contadores”, do Grupo Os Tapetes Contadores de História, que une literatura e confecção em atividades gratuitas.
Aproximando contação de histórias e criação de cenários têxteis, a iniciativa inclui uma exposição interativa e, no fim de semana, apresentações especiais de narrativas orais com o grupo. A temporada do projeto do coletivo, sediado no Rio de Janeiro, segue até este domingo (21) na Caixa Cultural Fortaleza.
“Estamos comemorando 25 anos do grupo, que é dedicado à arte de contar histórias”, define Warley Goulart, coordenador do coletivo e curador da exposição. “Há 25 anos, a gente costura cenários a partir de contos de tradição oral ou literatura para crianças. A gente se baseia em livros ou na escuta de contos para a criação desses cenários de tecido”, avança o artista.
A referência foi um projeto francês intitulado Raconte-tapis, criado pela educadora Clotilde Hammam e o filho dela, Tarak Hammam, que foi o “mestre” do grupo brasileiro a partir de 1998. O ano de 2001 marcou o primeiro tapete costurado por Warley no Brasil.
A exposição que compõe o projeto reúne todo o acervo de peças costuradas e bordadas à mão pelos membros do grupo, que vão além de tapetes e incluem vestimentas, painéis e livros. Como define o coordenador, a técnica principal das confecções do grupo se assemelha à do patchwork, trabalhando com retalhos de diferentes tecidos, mas “com volume”.
Cada peça produzida artesanalmente é atrelada a uma narrativa, contada pelos integrantes do grupo nas apresentações. Há de contos tradicionais de diferentes estados, de Minas Gerais ao Rio Grande do Norte, a adaptações de livros de nomes como Carlos Drummond de Andrade e Ana Maria Machado.
Além de histórias brasileiras contadas a partir de cada confecção, o grupo destaca narrativas de todo o mundo, uma vez que Os Tapetes Contadores de História efetivaram intercâmbios em diferentes países. Warley destaca, neste sentido, a experiência junto ao projeto peruano Manos que Cuentan.
“Um grupo de artesãs da cidade de Lima tem uma técnica tradicional andina chamada arpillería e, a princípio, fazia painéis para vender para turistas. Recolhemos alguns contos de tradição oral de lá e fizemos a proposta para elas criarem livros de pano que pudessem ter destino em bibliotecas públicas do Peru, para que as crianças pudessem ter acesso aos contos de tradição oral a partir de um material lúdico criado por artesãs do próprio país”
As trocas com diferentes culturas, tanto no Brasil quanto por outros países, agrega ao grupo “formas diferentes de contar histórias e de costurar”, explica o coordenador.
Contação e escuta
Tanto pelo lado da contação de histórias quanto pelo estímulo visual das peças produzidas pelo grupo, o projeto é marcado por ludicidade. É dessa forma que eles convidam o público, então, para “uma experiência de escuta, que é ancestral”.
“Nosso trabalho não é voltado pensando que é só para criança, é para a família toda. Nas comunidades tradicionais de origens diversas, as pessoas contam histórias para todo mundo. Não tem isso de que ‘agora vai ter contação de história para criança’. A comunidade toda está junta escutando histórias”
“Nestes 25 anos, a gente pôde acompanhar uma mudança da própria infância por conta das redes sociais. Existe uma naturalização de interferências virtuais na nossa vida. Vivemos interferidos o tempo todo e isso afeta as crianças no caminho da aprendizagem, da escuta”, reflete Warley.
“Esse retorno, de certa forma, ao artesanal, através tanto das histórias quanto do tecido, faz com que a gente perceba uma qualidade de contato entre as pessoas que é muito profunda”, avalia o coordenador, que ressalta: “Faz parte do trabalho do contador de histórias escutar, mergulhar”.
Costurar para contar
Na aproximação desses diferentes aspectos, a atuação do grupo Os Tapetes Contadores de História é definida por Warley de maneira precisa: “A gente costura para contar”.
“A palavra ‘têxtil’ é muito próxima de texto justamente porque o texto nasce como metáfora do tecido. Na ideia de criar um texto, como jornalista, você está ‘tecendo’ uma ideia. É o mesmo trabalho do artesão com as mãos”, relaciona.
“Não é à toa que 'trama' é uma palavra que a gente tem na novela das seis e no tecido, ou que ‘novela’ vem de ‘novelo’. Toda a produção de texto que a humanidade vem fazendo tem, o tempo todo, relação com o tecido”, reforça.
Nesta “colcha de retalhos” que funda o grupo e a atuação dele ao longo dos anos, Warley ressalta a experiência da Caixa Cultural pelo lado da acessibilidade, destacando a gratuidade de acesso tanto à exposição quanto às contações de histórias e outras ações do projeto. “Tem sido muito bacana, muito democrático nesse sentido, ver todo mundo que usufrui de um centro cultural que promove programação gratuita de alta qualidade”, finaliza.
Projeto “Viajando com Tapetes Contadores”
Quando: exposição até 21 de abril, com visitação hoje, sexta e sábado das 10h às 20 horas e, domingo, das 10h às 19 horas; contação de histórias para público espontâneo no sábado e domingo, às 15 horas
Onde: Caixa Cultural Fortaleza (av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema)
Quanto: entrada gratuita; para a contação de histórias, 45 senhas são distribuídas a partir das 14 horas
Mais informações: no site da Caixa Cultural, no Instagram @caixaculturalfortaleza ou nos números (85) 3453-2770 e (85) 99418-9453