O Cineteatro São Luiz completa 65 anos de existência. Patrimônio cultural, o lugar testemunhou as transformações da capital cearense. A partir deste território de sonhos e imaginação, a sétima arte consolidou-se no coração de inúmeros cearenses.
Patrimônio cultural, o lugar testemunhou as transformações sociais de Fortaleza. Acompanhou o avanço tecnológico da indústria cinematográfica. Último representante entre os antigos cinemas de rua da cidade, segue escrevendo sua importância. Desde a reinauguração em 2015, as portas estão abertas a outras artes além do cinema, como o teatro, shows e musicais.
Adentrar as memórias do popular São Luiz significa descobrir a trajetória da cultura cinematográfica não só do Ceará, mas do Brasil. Um cearense nascido em Baturité foi o responsável pela construção dessa história. Falamos de Luiz Severiano Ribeiro (1885-1974), considerado o "Rei do Cinema" no país.
Para entender a relevância deste equipamento, costuramos acontecimentos importantes nessa trajetória. Do começo, quando era atração frequentada pelas elites, os anos de dificuldade onde quase fechou e o ressurgimento para uma nova geração de apaixonados pela cultura.
O "Rei do Cinema"
Luiz Severiano Ribeiro chegou a estudar medicina no Rio de Janeiro, mas preferiu não seguir a profissão do pai. Ao retornar a Fortaleza passou atuar no comércio. Montou a própria livraria, teve fábrica de gelo, entre outros empreendimentos.
Segundo o pesquisador e especialista na história do cinema no Ceará, Ary Bezerra Leite, a estrada de Ribeiro no mercado de cinema começa em 1915, quando este inaugura o "Cine Riche". Curiosamente, instalado no mesmo lugar onde funcionou o primeiro cinema fixo de Fortaleza, o “Art-Nouveau”, de propriedade de Victor di Maio (atual cruzamento das ruas Guilherme Rocha com Major Facundo).
Dois anos depois do "Richie", arrenda o “Cine-Theatro Majestic-Palace”, considerado o primeiro cineteatro de Fortaleza. Severiano Ribeiro estendeu as atividades a outras cidades. Antes de completar 40 anos, já comandava a maior cadeia de cinemas do Brasil, com salas de exibição desde Recife até Rio Branco no Acre.
Em 1938, iniciou a construção de um desejo particular. Queria a mais suntuosa de suas salas exibidoras na terra natal. "Ele fazia em todas as cidades um cinema com o nome de São Luiz. Tanto que o cinema que ele falou que seria o maior cinema dele seria em Fortaleza. Que foi o último que ele fez", conta o familiar Luis Antonio Ribeiro Pinto, no documentário "O Rei do Cinema - O lendário Luiz Severiano Ribeiro".
Contudo, a história da construção do edifício já renderia um filme por si só. E se foram quase 20 anos de obras na Praça do Ferreira. Era tanta expectativa que o disse me disse ganhou as ruas. Antes mesmo de ser inaugurado, o futuro cinema já garantia o entretenimento da população.
Teve até futrica afirmando que a demora na conclusão guardava razões sobrenaturais, pois uma certa cartomante teria previsto a morte do empresário logo após a abertura do novo cinema. Uma balela das grandes, obviamente.
Hollywood em Fortaleza
"Essa versão popular é contestada por pessoas de alta credibilidade, conhecedoras do empresário, retirando dessa hipótese qualquer consistência", conta o pesquisador Ary na obra "A Tela Prateada: Cinema em Fortaleza - 1897-1959".
Mesmo tendo iniciado em 1938, as obras acabaram paralisadas durante a década de 40, precisamente entre 1943 e 1952. As causas da demora reúne série de acontecimentos. Uma primeira explicação recai sobre o fato do empresário cearense priorizar as atividades no Rio de Janeiro, sob forte pressão dos concorrentes.
Entretanto, Ary nos conta a sua teoria. Em 1940, Fortaleza ganhou um cinema de grande porte, o "Cine Diogo". Com nove andares, o prédio situado na Rua Barão do Rio Branco foi planejado pela família Diogo, porém a sala exibidora terminou sendo arrendada para Luiz Severiano Ribeiro.
Ao nosso ver, a inauguração do imponente Cine Diogo, em 1940, poderia ser a razão do adiamento por não se justificar que uma mesma empresa edificasse aqui dois cinemas de igual categoria e porte".
Outro detalhe recai sobre o contexto político daquele momento. Logo após o início do projeto, explode a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Tal fator impacta no processo, pois boa parte dos materiais eram importados da Europa. Com isso, passaram-se os anos de conflito, com o centro de Fortaleza tendo um prédio erguido, mas incompleto.
Finalmente, em março de 1958 o Cine São Luiz era entregue. Essa noite, digna da pompa e sofisticação de paragens hollywoodianas, foi registrada no precioso documento histórico "Inauguração do Cine São Luiz – Fortaleza – Ceará". O Cinejornal foi produzido pela Cinegráfica São Luiz, então de propriedade do Grupo Severiano Ribeiro. O repórter Heron Domingues (1924-1974) narra o feito:
"Em pleno centro de Fortaleza, a formosa capital do estado do Ceará, ergue-se monumental edifício na Praça do Ferreira. É o cinema São Luís, cuja estreia foi uma noite de encantamento. Centenas de convidados especiais estiveram presentes na inauguração do mais moderno e luxuoso cinema do norte do país".
A "Turma do Sereno"
O evento de inauguração agitou a urbe com cerca de 500 mil habitantes. Autoridades políticas, militares, figuras da alta sociedade alencarina compareceram ao evento. O filme "Anastácia, a Princesa Esquecida", com Ingrid Bergman e Yul Brynner, abriu oficialmente as atividades do Cine São Luiz.
E Severiano Ribeiro cumpriu a promessa de criar um dos mais luxuosos cinemas do Brasil. O requinte impressiona com o hall de entrada em mármore, três lustres de cristal checos, escadarias, carpetes e pinturas imponentes. Nos quesitos técnicos de exibição, a tela Cinemascope era o que tinha de mais moderno na época, além do som estereofônico, iluminação, poltronas estofadas e ar condicionado.
Assim descreve o curta "Inauguração do Cine São Luiz – Fortaleza – Ceará":
"O interior do cinema São Luís ficou inteiramente lotado pelo que de mais seleto existe na sociedade de Fortaleza nessa noite inesquecível. Com uma iluminação deslumbrante estudada especialmente para produzir efeitos multicoloridos, a plateia se transforma em um dia deslumbrante. A inauguração da grande casa de espetáculos foi um acontecimento social e popular"
Naquela noite, do lado de fora, um cordão de isolamento separou os fortalezenses que não foram convidados àquele encontro de pompa e circunstância. No livro, "A Tela Prateada: Cinema em Fortaleza - 1897-1959", o autor Ary Bezerra Leite inclui depoimento do crítico de cinema Cláudio de Sidou e Costa.
"Um grande público compareceu à sessão noturna inaugural do São Luiz. Havia tanta gente na "Turma do Sereno" espalhada na Praça do Ferreira que foi preciso colocar cordões de isolamento para conter o pessoal. A partir do dia 27 de março o São Luiz começou o Festival de inauguração que durou exatamente um mês".
Renascendo como Cineteatro
Durante muito tempo, ao longo de seu funcionamento, entrar no Cine São Luiz era uma aventura para poucos. Usar terno e gravata, por exemplo, era pré-requisito básico para ingressar na sala. Reportagem do Diário do Nordeste sobre os 30 anos do São Luiz aponta que a exigência foi abolida a partir de 1969, mais de uma década após a abertura.
Correram as décadas e o São Luiz manteve-se como único remanescente de uma era de ouro dos cinemas de rua em Fortaleza. Em 1991, foi tombado como patrimônio histórico e cultural estadual. Já em 2007, em meio a incertezas quanto à venda do prédio, foi arrendado à Federação do Comércio do Estado do Ceará, passando a funcionar como Cine São Luiz – Centro Cultural Sesc Luiz Severiano Ribeiro.
Em outubro de 2011, o prédio do Cine São Luiz foi adquirido pelo Governo do Estado do Ceará. Quatro anos depois, as obras de reforma e restauro garantiram que o equipamento cultural retornasse à cena, dessa vez como Cineteatro. Tal acontecimento denota uma espécie de retorno às origens, pois o projeto inicial de Severiano Ribeiro era que seu empreendimento também fosse um local de espetáculos teatrais e musicais.
Desde a reabertura em 2015, como Cineteatro São Luiz, o equipamento público recebeu mais de 1 milhão e 300 mil pessoas, detalha o diretor José Alves Netto. Nos últimos anos, o contexto pandêmico da Covid-19 trouxe imensos desafios ao lugar.
Segundo a gestão, mesmo com o cenário de paralisação das atividades, os números de público na retomada do Cineteatro são considerados positivos. Durante o ano de 2022, a casa realizou 1.085 atividades artísticas e culturais (presenciais e virtuais) para um público calculado em torno de 146.169 espectadores.
José Alves Netto descreve o São Luiz como um patrimônio afetivo, histórico e cultural do Ceará. "Abraçando a vocação de ser múltiplo, todos os espaços são ocupados como palco e plateia, desde a sala principal até o foyer, a calçada, além do próprio palco, que também recebe o público em diversas atividades", finaliza o diretor.