Boa estreia de Wagner Moura na direção, ‘Marighella’ fala ao coração dos patriotas

Contar a história do cara que fez tremer a ditadura militar brasileira é mergulhar num tempo macabro do País

Antes de chegar aos cinemas "Tropa de Elite" já era um fenômeno de vendas nas bancas de DVDs piratas. Com uma carreira elogiada no cinema, TV e teatro, Wagner Moura imortalizava ali o personagem Capitão Nascimento. “Pede pra sair” era um dos bordões que caíram no gosto popular.  

O ator não parou só neste sucesso e seguiu jornada única. Consolidou-se no mercado internacional (casos de “Elysium“ e “Narcos”, da Netflix) e prosseguiu filmando projetos nacionais como “VIPs” (2010) e “Praia do Futuro” (2014). Em 2012, o baiano aceitou o desafio do primeiro trabalho como diretor. 

“Marighella” finalmente estreia no Brasil após ser aplaudido em festivais pelo mundo. A produção atravessou uma série de dilemas, o que inclui ameaças físicas, entraves da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a pandemia da covid-19. É o filme mais esperado do ano. 

E Wagner Moura não decepciona atrás das câmeras. A cinebiografia aborda os cinco últimos anos do escritor, político e guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969). Contar a história do cara que fez tremer a ditadura militar brasileira é mergulhar num tempo macabro do País.  

Tensão

Wagner Moura escolhe por colocar o espectador no meio dos acontecimentos. Da sequência inicial do assalto ao trem até o assassinato do protagonista, a câmera passeia enquanto testemunha. E o clima de paranoia e perseguição daquele contexto político alimenta a ação da trama.  

Clandestinos e procurados, Marighella e os membros da Ação Libertadora Nacional (ALN) escondem-se e se organizam em lugares inóspitos. Podem ser salas vazias ou espaços em escombros. A cada minuto, a sensação de que o perigo está à espreita é sentida. 

E o mundo ao redor de Marighella vai ficando cada vez mais violento e sufocante. A cada novo Ato Institucional por parte dos militares, o Brasil mergulha ainda mais no horror da censura, morte e tortura. Como consequência, as investidas dos insurgentes ganha mais radicalidade.  

Por mais que o medo seja real e o futuro incerto, os ideais patrióticos de Marighella o movem dentro daquele enredo. E isso tem um custo. Assim, o diretor explora como o peso de ser um inimigo público afeta a relação daquele homem com a família e os companheiros de luta armada. 

Ditadura nunca mais  

Seu Jorge reconstrói o carisma de um personagem de muitas faces. Cabem em seu Marighella o humor e ódio. Estão o poeta sensível e o guerrilheiro. É tanto o pai ausente por conta da militância como o primeiro a estar na frente da batalha. O homem movido pelo amor ao Brasil. 

Luiz Carlos Vasconcelos, Bella Camero, Humberto Carrão e Jorge Paz compõem bem o núcleo da ALN. Já Adriana Esteves e Herson Capri comovem ao transmitir em seus papeis toda a dor daquele momento. Não sabemos se é intencional, mas Bruno Gagliasso entrega um vilão caricato. Corrupto, covarde e burro, é o policial Lúcio quem emoldura a antítese do protagonista.  

Ao reconstituir os passos de Carlos Marighella, Wagner Moura alerta que a ditadura militar deve ficar no passado. Exaltar esta vergonha significa retomar o caminho da violência e da dor. Ambos deveriam constar nos livros de história. Ou, no máximo, ser inspiração à arte cinematográfica, como é o caso de “Marighella”.  

Quando deu vida ao Capitão Nascimento, Wagner Moura precisou lidar com a crítica de que “Tropa de Elite” era uma obra fascista.Todavia, nada disso impediu o longa de ser exibido e ganhar popularidade. Enquanto artista e brasileiro, não teve o seu direito de expressão atacado. Nada mais justo que em sua estreia como diretor tenha garantidos o mesmo respeito e equilíbrio.

“Marighella” configura uma boa estreia deste realizador na função de cineasta. Na semana de estreia do filme no Brasil, a Netflix lança a última temporada de "Narcos", na qual Wagner Moura dirige dois episódios. Difícil acreditar que tem gente esperneando devido a um simples filme, quando o País ultrapassa mais de 600 mil mortos na pandemia.