Festas populares do Nordeste, personagens clássicos do repertório de um dos maiores nomes da música brasileira, figuras históricas marcantes do Ceará e referências drags são alguns dos elementos que despontam nos figurinos e adereços de blocos de carnaval de Fortaleza.
Inspirados em diferentes aspectos da cultura local e nacional e ressaltando a importância da estética como forma de estimular o público a carnavalizar e se expressar, os blocos Pra Quem Gosta É Bom (PQGÉB), Como Raul Já Dizia, Iracema Bode Beat e Mambembe partilham ao Verso detalhes e processos pensados para a folia de 2025.
Festas populares do Nordeste
Alguns passos básicos são comuns entre as agremiações, como a escolha de uma temática para guiar, inclusive esteticamente, o bloco. O PQGÉB, por exemplo, aposta no tema “Fé na Festa” neste ano, destacando quatro festas populares do Nordeste.
“O Bumba Meu Boi, do Maranhão; o Maracatu Rural, com ênfase no Caboclo de Lança, de Pernambuco; as festas religiosas da Bahia, com ênfase na Festa de Nosso Senhor do Bonfim, e, representando o Ceará, o Reisado”, lista Débora Saraiva, arquiteta e percussionista do bloco.
“São quatro festas riquíssimas, tanto culturalmente quanto visualmente, então foi bem inspirador trabalhar com elas”, segue. Neste ano, as roupas usadas pelos integrantes tiveram assinatura do designer Zé Filho, que já havia trabalhado com eles antes.
O bloco foi dividido em quatro grupos, cada um ficando com uma das inspirações como referência para os próprios looks. “A ideia foi trazer elementos das festas e adaptar para um figurino mais carnavalesco, ou seja, não seria exatamente como eles usam, até porque o figurino tem que permitir a gente tocar com mais liberdade”, explica Débora.
Universo poético de Raul Seixas
No caso do bloco Como Raul Já Dizia, a referência é tão rica quanto essas: o “universo poético construído por Raul Seixas”. Quem define é Renata Froan, produtora e diretora de arte do bloco que, desde 2019, traz a obra do cantor baiano para o Carnaval de Fortaleza.
"A mosca (referência da música 'Mosca na sopa') está presente na logo do bloco, enquanto máscara e na capa que o Zéis (vocalista) veste. Outros personagens também foram se destacando, como o Diabo, o Maluco Beleza, o Cowboy Fora-da-lei, entre outros. Fomos incorporando e evidenciando esses personagens tanto no material gráfico, quanto nos figurinos, adereços", explica.
Ligado de cara ao rock, o baiano, como ressalta Renata, misturava elementos “da música internacional, principalmente na figura do Elvis Presley, com ritmos da música popular brasileira como baião, forró, brega”.
Da mesma maneira, os personagens da mosca e do diabo, encarnados por Zéis no palco, tiveram as máscaras — produzidas em parceria com o artista Felipe Arruda — inspiradas em manifestações tradicionais do Nordeste, como a brincadeira do boi.
Bode Ioiô e Fernanda Torres
Já no Iracema Bode Beat — puxado pelos cantores Nayra Costa e Daniel Groove e que tanto sai em cortejo pelas ruas, como se apresenta no formato de banda — as inspirações também interligam elementos mais tradicionais com outros mais contemporâneos.
Em 2025, explicam os figurinistas Netinho Nogueira e Val Mendes, “pensamos para o primeiro show da Banda Bode Beat enaltecer a figura do Bode Ioiô e as cores do nosso bloco”.
“Vamos brincar com adereços que sempre confeccionamos para cada narrativa, ou seja, para cada apresentação. Esse ano estamos fazendo adereços que fazem analogia ao Bode com referência do artesanato tradicional cearense”, apontam.
Para os shows seguintes, adianta a dupla, a ideia é homenagear a atriz Fernanda Torres, indicada ao Oscar neste ano — premiação que ocorrerá em meio aos festejos do Carnaval.
Calor no coração e nas cores
Mais pautado no simbólico, o Bloco Mambembe aposta na temática “Calor no Coração”, com referência à música “Baianidade Nagô”, da Banda Beijo. A opção guiou também esteticamente o grupo.
“Escolhi cores quentes, cores de verão, que trouxessem essa ideia de calor e esse carnaval pro palco, como vermelho, laranja, amarelo, rosa, roxo... Além das franjas, babados e paetês que não podem faltar pra trazer brilho e muito movimento”, explica Cris Rodrigues, responsável pelo figurino do Mambembe.
A figurinista lembra, ainda, de outro elemento central para a criação das peças. “Somos um bloco puxado por drags queens babadeiras, né?! Isso, por si só, já carrega a necessidade de figurinos mais elaborados e chamativos”, afirma, destacando as vocalistas Mulher Barbada e Deydianne Piaf.
“Como se trata de um grupo de carnaval, pensamos numa paleta de cores onde o bloco inteiro pudesse estar conversando no palco, com formas que privilegiassem as personalidades de cada um da banda, que trouxessem uma unidade visual, expandindo o brilho das drags para o grupo todo”
Mão na massa e improvisos
O esmero no pensamento e na produção das roupas e adereços nos blocos evidencia a importância dos figurinos para a experiência na folia.
“Nos primeiros anos (do PQGÉB), cada um escolhia a roupa que ia usar, alguns fantasiados, outros com a blusa do bloco, não tinha uma coisa muito definida”, lembra Débora.
A virada, ela lembra, ocorreu em 2020, quando o bloco pela primeira vez saiu com figurino, inclusive também feito pelo designer Zé Filho. “A gente percebeu que a reação do público foi muito boa, teve muita receptividade. A gente começou a perceber a importância do visual”, ressalta, incluindo a atenção dada à cenografia do palco.
Para os integrantes, a “mão na massa” também se torna um elemento a mais. As roupas foram desenhadas por Zé, feitas por profissionais e, em maioria, finalizadas pelos próprios membros. “Cada pedrinha do adereço do reisado, cada búzio colado ali no adereço das baianas, tudo isso foi feito pela gente”, afirma.
“Foi bem trabalhoso, bem desafiador, mas o resultado ficou incrível. É muito gratificante pra gente ver o bloco todo se movimentando para fazer as coisas acontecerem lindamente”, celebra.
No caso do Como Raul Já Dizia, a mistura de elementos dá o tom das peças usadas no palco. Peças como a capa usada pelo vocalista, por exemplo, foram elaborados por Renata.
“Quanto aos demais adereços e figurinos da banda, é um pouco de tudo”, afirma a produtora e diretora de arte, que também comprou ou adaptou adereços para compor os looks.
“A ideia é que possamos nos divertir também com esse figurino, que ao mesmo tempo que conta com elementos mais elaborados, como as máscaras, também aposta no improviso da fantasia, tão característico do Carnaval”, sustenta.
Figurinos criam identificação e inspiram foliões
Os artistas envolvidos nos blocos percebem, ainda que a energia e dedicação aos próprios figurinos funcionam como forma de criar identificação e inspirar foliões que acompanham as iniciativas.
“Agrega muito, leva outra experiência para o público. Ele fica mais atento ao show, se sentindo, inclusive, privilegiado, entende que o bloco inteiro pensou em transmitir uma experiência que vai muito além da música. Ela é estética, é visual, tem força, tem personalidade e tem beleza”, observa Cris, figurinista do Bloco Mambebe.
Para Zéis, vocalista do Bloco Como Raul Já Dizia, “o público e a banda não estão distantes por conta de um palco”. “Isso cria uma espécie de corpo só, a galera do público também investe em fantasias”, reconhece.
A visão é ecoada por Netinho Nogueira e Val Mendes, do Bode Beat. “Essa diversidade no look das apresentações, vem também da estética do carnaval em si. Ser diverso, diferente. Creio que nossa entrega inspira e estimula nossos brincantes a se permitirem ousar nos looks. E nós queremos justamente isso!”, ressaltam.
As roupas e adereços dos blocos, finalmente, funcionam até como elementos que reforçam sentimentos de pertencimento e de segurança para ousar junto.
“Sempre que a gente aparece com algo novo, pode ter certeza que na próxima apresentação várias pessoas vão estar usando. O público pergunta qual é o figurino que a gente vai usar, a cor, porque querem ir com algo parecido, porque se identificam”, aponta Débora.
“Para além de se identificar, de querer usar algo parecido com a gente, já ouvi de muita gente que se sente à vontade para usar qualquer tipo de roupa carnavalesca no bloco. É um espaço em que se sentem à vontade e seguros para isso”, celebra.
Acompanhe os blocos
Pra Quem Gosta É Bom
- Quando: domingo, 23, a partir das 10 horas
- Onde: Praça Waldemar Falcão (Praça dos Correios), entre as ruas Floriano Peixoto e General Bezerril
- Gratuito.
Mais informações: @praquemgostaebom
Como Raul Já Dizia
- Quando: 28 de fevereiro, de 19 às 23 horas
- Onde: Boteco Cultural da Ângela (rua Carlos Gomes, 83 - José Bonifacio)
- Quanto: couvert de R$ 15
- Quando: 1º de março, de 19 às 21 horas
- Onde: Floresta (Av. Santos Dumont, 1788 - Aldeota)
- Quanto: couvert de R$ 10
Mais informações: @comorauljadizia
Iracema Bode Beat
- Quando: 22 de fevereiro, de 20 às 22 horas
- Onde: Estação das Artes (rua Dr. João Moreira, 540 - Centro)
- Gratuito.
- Quando: 2 de março, 18h30
- Onde: Mercado dos Pinhões (Praça Visconde de Pelotas, S/N - Centro)
- Gratuito.
Mais informações: @iracemabodebeat
Bloco Mambembe
- Quando: 22 de fevereiro, de 16 às 22 horas
- Onde: Baile do Zé, no Theatro José de Alencar (rua Liberato Barroso, 525, Centro)
- Entrada gratuita e por ordem de chegada, mediante uso de fantasias ou adereços carnavalescos e a doação de 1 kg de alimento não-perecível (exceto sal)
- Quando: 23 de fevereiro, a partir de 16 horas
- Onde: RioMar Fortaleza (rua Des. Lauro Nogueira, 1500 - Papicu)
- Gratuito.
- Quando: 4 de março, a partir de 16 horas
- Onde: Arena de Iracema (av. Monsenhor Tabosa, 388 - Centro)
- Ingressos ficarão disponíveis à venda no Sympla e na bilheteria
Mais informações: @blocomambembe