Artista plástico Ai Weiwei é descobridor dos Brasis

Estética artística de Ai Weiwei revela um profissional dono de mente inquieta e preocupado com questões sociais

As histórias de Beto Soares, Severino Silva, Natan Alves e Nil Morais refletem a cultura de apenas um dos vários Brasis que Ai Weiwei descobriu quando de sua incursão pelo território nacional. Em entrevista ao Verso, a designer Paula Dib menciona que, ao desembarcar no País no ano passado, o artista declarou-se “vazio, pronto para receber”. “Acredito, inclusive, que um dos fatores que fizeram ele vir para a América do Sul tem relação com o pai dele, Aì Qīng, um grande poeta chinês que por aqui passou. Foi como um convite para refazer esses caminhos”.

Não à toa, o contato do oriental se deu de forma múltipla, abarcando comunidades, artesãos, manifestações e recursos regionais até então desconhecidos por ele. O resultado foram estéticas sincronizadas a esses vieses, com trabalhos inéditos envolvendo materiais dos mais diversos: de madeira e sementes a raízes, tecidos e couro. 

A intenção em imergir nesses aparatos revela um desejo de Weiwei de desvendar e absorver a cultura local e moldar objetos que representem fatores como a biodiversidade, paisagem humana e criatividade nacionais. Além dos ex-votos feitos por artesãos cearenses, ganha destaque no panorama uma série de obras feitas com centenárias raízes do pequi-vinagreiro, espécie de árvore típica da Mata Atlântica baiana atualmente em risco de extinção, encontradas desenterradas na região de Trancoso, na Bahia.

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“Trabalhar com essa grande árvore na verdade foi um marco do processo como um todo. Porque foi ali que ele realmente viveu todas as esferas do País, seja por meio dos trâmites vivenciados na própria cidade para realizar a obra, seja pelo modo de trabalhar do brasileiro. Ali ele encontrou todo o nosso arcabouço, vivendo imensamente nossa cultura”, dimensiona Paula.

Igualmente merecem atenção os múltiplos produzidos especialmente para o Brasil – formados por moldes em porcelana branca ou pintada de quatro elementos tipicamente nacionais, formando a palavra FODA (junção das iniciais de Fruta-do-conde, Ostra, Dendê e Abacaxi) –, além de uma instalação feita com couro; o alfabeto armorial, de Ariano Suassuna (1927-2014); e mais de uma tonelada de sementes de olhos de cabra.

Curadoria

Todo o projeto da exposição foi desenvolvido por Marcello Dantas, diretor artístico e ator carioca, responsável também pela curadoria da mostra. Ele conta que o interesse por mergulhar no universo singular de Weiwei nasceu por volta de 2011, quando viu, no Museu Tate Modern, em Londres, a obra “Sunflower Seeds”, uma das mais conhecidas do oriental. O trabalho é composto por milhões de sementes de girassol de porcelana pintadas à mão por artesãos chineses, aproximando da arte a questão da produção em massa e perda da individualidade.

“Aquele jeito de pensar, de fazer com que a arte produzisse um impacto social antes mesmo de ser produzida, ou seja, dentro do seu desenho de construção, foi algo que me chamou a atenção e por isso eu quis fazer que esse modelo mental acontecesse no Brasil. Para isso, eu precisava da presença do Weiwei, mas apenas poucas semanas depois de quando eu fiz o primeiro convite a ele, ele foi preso e o projeto ficou na geladeira até 2015, quando ele foi solto”, relembra, sublinhando o fato que acometeu o artista devido a seu ativismo político frente à postura do governo chinês sobre a democracia e os direitos humanos, o que lhe rendeu uma prisão domiciliar e, depois, uma reclusa por três meses em um lugar secreto.

Outros icônicos trabalhos de Weiwei – sempre em forte diálogo com temáticas sociais e humanas, como a crise de imigração mundial, identidade estética que o projetou ao mundo – são “Dropping a Han Dynasty Urn” (Deixando cair uma urna da dinastia Han), sua obra-prima, disponível no Brasil em peças de lego; “Forever Bicycles”, que utiliza bicicletas como blocos de construção, em alusão à repetição; e “Straight” (Reto), instalação feita com 164 toneladas de vergalhões de aço recuperados dos escombros de escolas de Sichuan, na China, após forte terremoto que abalou o país em 2008, mostrada pela primeira vez em sua forma completa.

Marcello Dantas destaca que Ai Weiwei é uma das grandes mentes de nosso tempo, um pensador, articulador e ativista de proeminente envergadura criativa. “Ele encontra uma maneira de dar forma a questões urgentes e elas conseguem ser absorvidas por pessoas dos mais variados backgrounds.  Assim, mesmo aquelas que não necessariamente são do mundo da arte conseguem abraçar a arte dele e conhecê-lo como figura importante”, afirma.

“As peças, de uma forma particular, têm um estranhamento. O Brasil às vezes se reconhece, às vezes não – e acho que parte do desafio é exatamente esse, encontrar a semelhança e a diferença. Não dá para apenas reafirmar aquilo que as pessoas já conhecem do Brasil, mas de ver um país processado por outra enzima”, complementa.

Saiba Mais
A mostra em números

8 mil m² é o espaço destinado para a exposição em São Paulo, o que torna a mostra a maior no mundo já realizada por Ai Weiwei até então

70 obras, no total, compõem o projeto, 24 delas recentes e realizadas no Brasil em diferentes localidades. São Paulo, Rio de Janeiro, Paraty, Bahia e Porto Alegre foram as cidades que receberam a presença do artista

150 pessoas, aproximadamente, se mobilizaram para fazer acontecer a mostra na capital paulista


Mais informações
Exposição “Ai Weiwei Raiz”. Até dia 20 de janeiro de 2019 no edifício Oca, Parque Ibirapuera, São Paulo (Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Ibirapuera). Visitação: de terça a sábado, das 11h às 20h; domingos e feriados, das 11h às 19h. Ingressos: R$ 20 (inteira).