Relatório da Polícia Civil do Rio muda versão sobre objetivo da operação letal no Jacarezinho

Novo documento aponta que a ação tinha como foco o cumprimento de 21 mandados de prisão

Após a Operação Exceptios no Jacarezinho, considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro com 28 mortos, a Polícia Civil elaborou um relatório de inteligência e excluiu dos objetivos da ação o combate ao aliciamente de menores pela facção criminosa Comando Vermelho. Em documento elaborado no último domingo (9), a corporação citou que o alvo da mobilização policial era o cumprimento de 21 mandados de prisão expedidos pela 19ª Vara Criminal contra acusados por associação ao tráfico de drogas.

A Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) informou que existem outros inquéritos em curso para investigar a prática de  "aliciamento de crianças e adolescentes para integrar a facção que domina a comunidade do Jacarezinho e sequestros de trens da Supervia, por exemplo, entre outros".

"A Polícia Civil esclarece que as investigações não necessariamente precisam estar vinculadas a um mesmo inquérito. No caso específico do Jacarezinho, são várias informações e trabalhos de investigação e inteligência que basearam a operação. É importante reforçar ainda que, em operações policiais, é comum que os agentes aproveitem para checar denúncias e informações de inteligência", afirmou, em nota.

Anteriormente, no entanto, tanto em entrevista coletiva quanto em comunicado à imprensa, a corporação que o objetivo da incursão na favela era a ampliar a apuração sobre aliciamento de menores, homicídios, sequestros de trem e roubo. Não há menção a esses crimes no novo documento da Polícia Civil.

O diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada, delegado Felipe Cury, avaliou que apuração prévia à operação mostrou crimes graves "conexos ao tráfico de drogas" como homicídios, aliciamento de menores, sequestros de composições da Supervia e roubos.

"A investigação não é o tráfico por si só. Há uma série de crimes conexos ao tráfico de drogas que precisam ser investigados. Investigamos o tráfico, mas no trabalho de inteligência descobrimos uma série de crimes que os traficantes realizam", disse Cury.

Investigação

A íntegra do inquérito que motivou a denúncia contra os 21 alvos da operação mostra que o envolvimento da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) se deu em razão da transferência do delegado Pedro Bittencourt da 25ª DP (Méier), onde a investigação transcorria, para a unidade especializada.

A transferência do caso ocorreu em setembro de 2020. Ela foi encerrada em abril de 2021, com 23 indiciados por associação ao tráfico de drogas e organização criminosa. O Ministério Público denunciou 21 apenas pelo primeiro crime -não há nos autos explicação para a exclusão de dois indiciados da acusação. A Justiça decretou a prisão no dia 28 de abril.

Essa investigação começou em maio após dois policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Jacarezinho terem informado à 25ª DP sobre informações de perfis de supostos integrantes da quadrilha que atuavam na favela. A partir dessa informação, 90 perfis foram analisados até se chegar aos 23 indiciados pela DPCA.

Entre os 21 denunciados, um é descrito como "vapor", membro de baixo escalão do tráfico responsável pela distribuição e venda de drogas, e os 20 demais são apontados como "soldados", como são denominados pela integrantes das facções que fazem a vigilância das áreas em que atuam e fazem o primeiro enfrentamento à polícia.

Vítimas

A operação no Jacarezinho acabou com 28 mortos, sendo um policial e 27 pessoas que, de acordo com a polícia, atiraram contra os agentes que participavam da incursão. Ela se tornou a ação mais letal da história do Rio de Janeiro, estado em que a polícia mais mata no país.

O Ministério Público afirmou que está realizando uma investigação independente do caso. Familiares dos mortos e moradores do Jacarezinho foram ouvidos nesta segunda-feira (10) por promotores do caso.