O município de Serrana (a 316 km de São Paulo) será palco do primeiro estudo no mundo a avaliar a chamada efetividade das vacinas contra Covid-19, isto é, qual a sua eficácia quando utilizada em massa na população. O estudo, chamado de Projeto S, foi desenhado e desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com o Hospital Estadual de Serrana, ligado ao governo do estado, e com a prefeitura municipal de Serrana.
O anúncio foi feito no último sábado (6) em uma live da prefeitura junto ao diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e ao diretor de estudos clínicos do instituto, Ricardo Palacios. Contou também com a presença do prefeito do município, Leo Capateli, e com o diretor do Hospital Estadual de Serrana, Marcos de Carvalho Borges.
Serrana faz parte do departamento regional de saúde de Ribeirão Preto, cidade distante 10 km do município. A classificação da pandemia na região segundo o Plano SP é fase laranja. O município teve, até o último domingo (7), 1.638 casos de Covid-19 e 52 óbitos registrados.
A CoronaVac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida, no País, em parceria com o Instituto Butantan, possui eficácia comprovada em ensaio clínico realizado no Brasil de 50,38%.
Mas a eficácia de um imunizante, calculada durante um ensaio clínico, desenhado para avaliar o desfecho de milhares de pessoas que recebem a vacina em comparação às que receberam um composto inócuo (placebo), é diferente da efetividade da mesma quando usada na população como um todo.
Isso ocorre porque os perfis de idade, exposição e históricos dos participantes de um estudo nem sempre correspondem ao observado na população.
O objetivo do Projeto S, cujo nome, segundo Dimas Covas, refere-se a "projeto secreto", é justamente avaliar essa efetividade quando o composto é colocado para uso em larga escala.
O município de Serrana possui 45 mil habitantes, dos quais cerca de 30 mil possuem 18 anos ou mais. Os moradores da cidade não serão obrigados a participar da pesquisa, mas todos aqueles que aceitarem participar receberão duas doses da vacina CoronaVac. De acordo com o instituto, as doses alocadas para esse estudo não são as mesmas que estão sendo distribuídas para vacinação em todo o País, e por isso não vão interferir no calendário de vacinação nacional.
Como é feito o estudo
Esse tipo de estudo, ainda segundo Covas, chama-se "estudo escalonado de conglomerados". A ideia é dividir a população em quatro grupos, segundo os bairros da cidade, e cada grupo irá receber a 1ª dose em fases distintas. Com esse escalonamento, é possível avaliar, em tempo real, qual a eficácia do imunizante em diminuir os casos de Covid-19 no município, bem como avaliar outras medidas como a diminuição da circulação do vírus e da carga do serviço de saúde.
"Quando pensamos em realizar esse estudo, o primeiro do mundo com esse desenho, há 7 meses, a primeira pergunta que surgiu foi: onde aplicar? A escolha se deu com base em três fatores: o tamanho do município deveria ser pequeno, caso contrário necessitaríamos de um grande quantitativo de vacinas, teria que ter uma taxa de infecção elevada, para poder avaliar o efeito da vacina na contenção do vírus, e em terceiro lugar o município deveria conter ou estar próximo a um centro de pesquisa, de preferência ligado ao estado. E o município de Serrana contempla todos esses fatores", disse Dimas Covas, em entrevista a jornalistas na tarde desta segunda-feira (8), no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo.
O governador de São Paulo João Doria (PSDB) disse na mesma entrevista que o estudo possibilitará avaliar a sua capacidade de reduzir o contágio. "A partir de 17 de fevereiro, a vacina do Butantan será testada na cidade de Serrana para provar que além de eficaz e segura, ela também pode reduzir o contágio", afirmou o governador.
As vacinas contra Covid-19 testadas e em uso até o momento foram eficazes em diminuir a evolução da doença e impedir a hospitalização e morte, mas pouco se sabe sobre a sua capacidade de reduzir a cadeia de transmissão do vírus.
Na última terça-feira (2), a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford/AstraZeneca, divulgou ainda em um artigo sem revisão de pares resultados que apontam para uma capacidade de reduzir a transmissão do vírus em até 70%.
A expectativa do instituto é de demonstrar que a CoronaVac também possui essa capacidade. Outros aspectos a serem estudados são a influência da vacina na redução da pressão no sistema de saúde, a chamada imunidade coletiva, se ela será alcançada ou não, os efeitos indiretos na economia, a aceitação pela população da vacinação e ainda a ocorrência de efeitos que não tenham sido verificados anteriormente.
"Em todo o mundo, as fabricantes de vacinas se debruçam em cima dos países onde fizeram os ensaios clínicos de seus imunizantes para saber qual o efeito da vacinação em massa sobre o curso da epidemia. E na maior parte do mundo, essas respostas só chegarão ao final de 2021, início de 2022, quando for completado um ano do início da vacinação. Nós teremos essa resposta em três meses", afirmou Covas.
Vacinação no município
O município foi dividido em quatro regiões de acordo com a data de início de vacinação: a 1ª região (verde) vai receber a primeira dose entre os dias 17 e 20 de fevereiro; a 2ª região (amarela) entre os dias 24 a 27 de fevereiro; a 3ª região (cinza) entre os dias 3 e 6 de março; e a 4ª e última região (azul) entre os dias 10 e 13 de março. As segundas doses das vacinas estão programadas para quatro semanas após a aplicação da primeira dose, seguindo o escalonamento. A expectativa é que todo o município seja vacinado em dois meses.
O cadastro dos moradores que quiserem participar do estudo começará na próxima quarta-feira (10), mas a prefeitura divulgou que cerca de 60% das pessoas habilitadas para o estudo já realizaram o cadastro.
Não poderão ser vacinadas pessoas que não sejam moradoras de Serrana, gestantes ou lactantes, ou pessoas que tenham apresentado febre nas últimas 72 horas. A prefeitura informou ainda que os munícipes não poderão ir se vacinar em outro dia que não o correspondente à cor da região na qual ele mora.
Os indivíduos serão vacinados em oito escolas escolhidas para realizar a vacinação e o acompanhamento do estudo será feito pelos pesquisadores e médicos do Hospital Estadual de Serrana em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP).