Um jornalista britânico e um indigenista brasileiro desapareceram em uma região remota da floresta amazônica após receberem ameaças, informaram grupos de direitos indígenas, nesta segunda-feira (6), despertando temores por sua segurança.
A Polícia Federal disse à AFP que está "acompanhando e trabalhando" no caso.
O veterano correspondente estrangeiro Dom Phillips desapareceu enquanto realizava uma pesquisa para um livro no Vale do Javari da Amazônia junto ao renomado especialista em questões indígenas, Bruno Pereira, afirmou o jornal The Guardian, do qual o jornalista é colaborador.
Os dois viajaram de barco para o Lago Jaburu, no estado do Amazonas, e deveriam ter retornado à cidade de Atalaia do Norte por volta das 9h deste domingo (5), segundo grupos de direitos humanos.
A União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e o Observatório de Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) disseram, em nota, que os homens "receberam ameaças em campo na semana em que desapareceram".
Os grupos não forneceram mais detalhes, mas Bruno Pereira, especialista da Fundação Nacional do Índio (Funai), com profundo conhecimento da região, recebia regularmente ameaças de madeireiros e garimpeiros que tentam invadir ilegalmente as terras das comunidades indígenas.
Fontes da Funai disseram à AFP que estão colaborando com as autoridades locais nas buscas. E acrescentaram que Pereira obteve licença temporária para se dedicar a "assuntos pessoais".
O Ministério Público Federal (MPF) anunciou a abertura de um procedimento administrativo para apurar o desaparecimento, uma investigação que será conduzida pela Marinha, com participação de Polícia Federal, Polícia Civil, Força Nacional e Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari.
Duas primeiras buscas realizadas por indígenas locais "extremamente conhecedores da região" não encontraram nenhum vestígio dos desaparecidos, disseram Univaja e OPI.
Desaparecimento
Phillips e Pereira viajaram para entrevistar os habitantes indígenas ao redor de uma base de monitoramento da Funai e chegaram ao lago Jaburu na sexta-feira (3) à noite, informaram Univaja e OPI.
Começaram a viagem de retorno na madrugada de domingo, fazendo uma parada na comunidade de São Gabriel, onde Pereira havia programado uma reunião com um líder local para discutir as patrulhas indígenas orientadas a combater as "intensas invasões" em suas terras, segundo o comunicado.
Essa foi a última vez em que foram vistos. Como o líder da comunidade não chegou, os dois homens decidiram seguir até Atalaia do Norte, uma viagem de aproximadamente duas horas, disseram. Eles viajavam em um barco novo com 70 litros de gasolina, "suficiente para a viagem", e usavam equipamentos de comunicação por satélite.
Preocupação
O jornal britânico The Guardian emitiu um comunicado no qual se mostrou "muito preocupado" com Phillips, que já trabalhou no The New York Times, The Washington Post e outros jornais.
"Condenamos todos os ataques e a violência contra jornalistas e trabalhadores da imprensa. Temos a esperança de que Dom e aqueles com quem viajava estejam a salvo e sejam encontrados em breve", diz a nota.
As famílias dos desaparecidos manifestaram preocupação, junto com organizações e personalidades. "Apelamos às autoridades brasileiras" que façam o possível "para encontrar nosso querido Dom", escreveu no Twitter Paul Sherwood, cunhado de Phillips. "O tempo é essencial", acrescentou.
O Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) e a Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE) pediram às autoridades que atuem "imediatamente".
Vale do Javari
Phillips é casado e vive em Salvador, na Bahia. Ele tinha viajado com Pereira em 2018 ao Vale do Javari para escrever uma matéria para o The Guardian. Trata-se de uma terra indígena de difícil acesso no extremo-oeste do Amazonas. Lá vivem cerca de 6,3 mil indígenas de 26 grupos diferentes, 19 deles isolados, segundo a ONG Instituto Socioambiental.
Nos últimos anos a violência armada aumentou na região diante da presença de garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais.
A base local da Funai, instalada para proteger e prestar assistência aos indígenas, foi alvo de diversos ataques desde o fim de 2018, incluindo o assassinato a tiros em 2019 de um de seus funcionários.