Ariano Suassuna deixa lição de valorização da tradição popular

O escritor morreu ontem, em Recife, após sofrer parada cardíaca. Ele estava internado desde a segunda-feira

"Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre", disse Chicó, personagem de "Auto da Compadecida" ao amigo João Grilo, morto a seus pés.

Foi esse "mal irremediável" que se abateu ontem sobre o autor da obra-prima, adaptada para o cinema e a televisão, que acabou tornando-o popular em todo o Brasil.

Ariano Suassuna faleceu ontem, em Recife (PE), aos 87 anos. Às 17h15, o escritor sofreu uma parada cardíaca, provocada pela hipertensão intracraniana, segundo informou por meio de nota o Real Hospital Português do Recife. Suassuna estava internado desde segunda-feira, 21. Ele foi hospitalizado após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) do tipo hemorrágico. No dia em que foi internado, passou por uma cirurgia de emergência para a colocação de dois drenos, com o objetivo de controlar a pressão intracraniana provocada pelo AVC. O autor permanecia sob cuidados médicos na UTI Neurológica desde então.

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No ano passado, Suassuna já havia sofrido um infarto, mas se recuperou rápido. Dois dias depois de receber alta, deu entrada novamente no hospital por causa de um aneurisma cerebral.

O sepultamento está marcado para hoje às 16h. Até as 15h, o corpo será velado no Palácio Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco. O governador, João Lyra Neto (PSB), decretou luto de três dias.

Ariano Suassuna nasceu na Paraíba, mas desde a adolescência vivia em Pernambuco. Era Ocupante da cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras - da qual fazia parte desde 1989. O escritor foi traduzido para mais de oito idiomas, assinando cerca de 20 textos para o teatro; cinco obras em prosa e outras oito, entre poemas e reflexões teóricas sobre estética e cultura popular do Nordeste.

Obras

O entusiasmo com a riqueza e a originalidade que representavam as tradições nordestinas se fez presente em sua obra desde cedo. A primeira peça teatral, "Uma Mulher Vestida de Sol", foi escrita aos 20 anos e, nela, já havia referências aos temas do romance popular dos cordéis. Mais tarde, ficaria conhecido pela aguerrida defesa dos valores das tradições populares, não apenas do Nordeste, mas do Brasil.

O teatro foi, de fato, sua porta de entrada no mundo das artes. Suassuna foi morar em Recife aos 15 anos, onde terminou os estudos secundários e ingressou, aos 18, na Faculdade de Direito. Ele exerceu a profissão por seis anos, enquanto se dedicava à literatura. Ainda na universidade, fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco, ao lado do também escritor e dramaturgo Hermilo Borba Filho, parceiro de muitos trabalhos.

Escreveu e encenou as peças "Cantam as harpas de Sião" (1948, rebatizada de "O desertor de Princesa"), "Auto de João da Cruz" (1950), "Torturas de um coração" (1951, com texto escrito para teatro de mamulengo), "O Arco desolado" (1952), "O Castigo da Soberba" (1953) e "O Rico Avarento" (1954). A década de 1950 foi intensamente prolífica para o teatro de Suassuna, publicando textos quase que anualmente até 1961.

Nesse entremeio, o ano de 1955 é um marco, pela aparição de "Auto da Compadecida". A tragicomédia com elementos da cultura e religiosidade popular tem inspiração em folhetos de cordel como "As Proezas de João Grilo", de João Ferreira de Lima, "O Dinheiro (O testamento do cachorro)" e "O cavalo que defecava dinheiro", ambos de Leandro Gomes de Barros.

Foi encenada pela primeira vez em 1956 e responsável pela projeção nacional do escritor. Os Trapalhões adaptaram o texto para o cinema, em 1987. Em 1999, a peça ganhou versão para minissérie televisiva da Rede Globo, reeditada para o cinema, no ano seguinte.

De família tradicional, nasceu no dia 16 de junho de 1927, em João Pessoa (à época, a cidade era conhecida como Nossa Senhora das Neves), filho de Cássia Vilar e João Suassuna. O pai era político e chegou a ocupar o cargo de governador do Estado, de quem o escritor herdou o amor pelo sertão.

O pai deixou o governo quando Ariano tinha apenas um ano, mudando-se com a família para a Fazenda Acauã, no sertão paraibano. Republicano, o ex-governador foi morto dois anos depois, em meio às instabilidades da Revolução de 1930.

Com a mãe, viveu outros quatro anos em Taperoá - cidade do semiárido paraibano. Lá, iniciou os estudos e teve os primeiros contatos com as manifestações populares. Suassuna foi testemunha de um sertão que abrigava figuras como Lampião, Padre Cícero, que inspirava autores como Graciliano Ramos, Mário de Andrade, sem TV ou luz elétrica, onde ainda pulsavam manifestações como a cantoria, a poesia, o teatro de mamulengo e os festejos populares.

Política

Suassuna foi secretário da Cultura de Pernambuco entre 1994 e 1998, no governo de Miguel Arraes e assumiu o mesmo cargo, como secretário especial no primeiro mandato do governo Eduardo Campos (PSB), neto de Arraes, em 2007.

Seu foco sempre foi o da valorização da cultura popular. O posicionamento dividia opiniões, devido às críticas que constantemente fazia aos estrangeirismos na língua portuguesa e às manifestações da indústria cultural, como o funk e o forró eletrônico.

Fábio Marques
Repórter