Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem uma resolução com as regras para a autorização para uso emergencial da vacina contra a Covid-19. A medida ocorre em meio a impasses sobre a distribuição da imunização no País — inclusive, com embates entre o Governo Federal e estados. Além da pressão política, 21 estados e o Distrito Federal registraram alta na média de casos da doença.
Leia mais
Na prática, a medida abre caminho para que empresas possam registrar o pedido de emergência. Isso porque a resolução regulamenta e dá segurança jurídica a uma medida que estava em vigor desde a semana passada, explica a relatora e diretora do órgão, Alessandra Bastos Soares.
“A autorização de uso emergencial é um mecanismo que pode facilitar a disponibilidade e o uso das vacinas, ainda que não tenham sido avaliadas sob o crivo do registro, desde que cumpram com requisitos mínimos de segurança, qualidade e eficácia”, detalhou Soares.
Segundo a Anvisa, nenhum laboratório solicitou a autorização para o uso emergencial até o momento. A concessão estabelecida pela Anvisa segue o modelo de autorizações emergenciais adotadas em outros países, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, e vale apenas para o período de pandemia e até a vacina receber o registro definitivo.
Diretrizes
A resolução também dá caráter legal ao guia elaborado com as normas para a concessão da autorização, com detalhes técnicos. Na quarta-feira (2) da semana passada, o diretor de medicamentos do órgão, Gustavo Mendes, afirmou que a Agência passaria a analisar pedidos para concessão de autorização de uso emergencial para vacinas que ainda estivessem na terceira e última fase de testes clínicos.
Essa é a principal diferença em relação aos registros, que são concedidos para medicamentos e imunizações que já concluíram os testes.
Mendes explicou que as vacinas com essa autorização só podem ser aplicadas em grupos específicos da população, como idosos ou profissionais da saúde, por exemplo. Não é possível vacinar em massa a população.
Além disso, as vacinas não podem ser comercializadas e devem integrar necessariamente um plano público de vacinação, o que significa que não podem ser aplicadas pela iniciativa privada.
Conforme explica o infectologista Anastácio Queiroz, que atua no Hospital São José e é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), o uso emergencial é normativamente evitado. “Mas estamos em um cenário em que há uma necessidade muito grande da vacina, então a Agência avalia isso e faz essa autorização, mas os casos continuam sendo monitorados”, explica.
Segundo ele, vacinas autorizadas para uso emergencial indicaram segurança e eficácia nas fases de testes. Contudo, devido ao curto tempo para uso, elas continuam sendo acompanhadas de perto.
“A fase três dura meses para ser concluída, às vezes leva anos, mas, nesses casos (de uso emergencial), essa indicação de eficácia é avaliada em um período menor de tempo. A Agência entende que o uso da vacina vai reduzir as infecções e óbitos”, aponta.
A Anvisa já destacou em mais de uma ocasião que poderá modificar, suspender ou cancelar a autorização de uso emergencial a qualquer momento, com base em elementos técnicos e científicos.
“Não é simples para uma agência reguladora autorizar porque ela assume a responsabilidade”, acrescenta.
Política
A decisão da Anvisa teve impactos políticos, inclusive aliviando a crescente pressão da Câmara dos Deputados. Os parlamentares vinham cobrando medidas do governo para lançar um plano de vacinação. “A Anvisa felizmente toma uma decisão que nos dá mais tranquilidade”, [TEXTO]disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Líderes da oposição ao governo de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, por exemplo, apresentaram, ontem (10), um pedido para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por supostas dificuldades criadas para retardar a aprovação dos testes clínicos das vacinas.
Essa não foi a única CPI cogitada dentro do legislativo federal. “Estávamos caminhando para propor CPI de investigação dentro da Anvisa para que os responsáveis por esse atraso de uma decisão de uma agência que é de Estado, e não é de governo”, ressaltou.
Para a epidemiologista Lígia Kerr, professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), o órgão faz trabalho de regulatório de “extrema importância”. “Mas muitas vezes (a Agência) é usada politicamente”, criticou.
Ela avalia que o anúncio do governador de São Paulo, João Doria (PSDB) de iniciar a vacinação no próximo dia 25 de janeiro foi fator decisivo para a reguladora avançar na liberação do uso emergencial da vacina. Doria e Jair Bolsonaro travam uma disputa retórica na corrida pela produção e distribuição das vacinas. Ontem, o governador tucano anunciou que o Instituto Butantan iniciou a produção da vacina CoronaVac, produzida pela fabricante chinesa Sinovac. Segundo o governador, há presença de insumos suficientes para a produção de 1 milhão de doses do imunizante, além da chegada, até o dia 15 de janeiro, do restante das 46 milhões de doses. As conclusões sobre os testes de eficácia, no entanto, ainda não foram divulgadas.
Regras
A conclusão do ensaio da fase 3 e apresentação dos dados são pré-requisitos para a aprovação da Agência. Quatro vacinas estão nessa fase no Brasil: a da Pfizer, a de Oxford, a da Johnson e a da Sinovac.
Os técnicos afirmam que farão uma avaliação do risco-benefício do uso emergencial. Serão analisados basicamente quatro aspectos: eficácia e segurança; biotecnologia (monitoramento da qualidade, condições de armazenamento, prazo de validade, etc); boas práticas de fabricação; e farmacovigilância (provas de que a empresa irá zelar pela qualidade e segurança).
As vacinas autorizadas para uso emergencial só podem ser distribuídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Como essas vacinas ainda estão em fase experimental, elas precisam ser monitoradas pelas autoridades de saúde, não podendo ser comercializadas.