Adélio recusa delação, repete que agiu sozinho e insiste em transferência de presídio

Delegado da PF foi a Campo Grande tomar também o depoimento de um interno que disse ter ouvido Adélio confessar que teria conexões com uma facção criminosa e com políticos

Escrito por Folhapress ,
Legenda: Adélio Bispo de Oliveira, recusou em depoimento à Polícia Federal a oferta de delação premiada.
Foto: Foto: Divulgação/ Assessoria de Comunicação do 2º BPM

O homem que esfaqueou Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, Adélio Bispo de Oliveira, disse em depoimento à Polícia Federal na quinta-feira (31) que se recusa a fechar acordo de delação premiada porque não tem nada a falar além do que já relatou. Adélio foi ouvido na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), onde está preso, pelo delegado Rodrigo Morais, da superintendência da PF em Belo Horizonte. Ele é o responsável pelo inquérito que apura a existência de comparsas ou mandantes do ataque ocorrido em Juiz de Fora (MG).

Ao fim do interrogatório, Morais ofereceu a Adélio a chance de fechar um acordo de colaboração premiada, caso tivesse algo a revelar, mas o esfaqueador rejeitou a hipótese. Ele manteve a versão de que agiu sozinho e negou que o atentado tenha sido encomendado. O delegado da PF foi a Campo Grande tomar também o depoimento de um interno que disse ter ouvido Adélio confessar que teria conexões com uma facção criminosa e com políticos.

O preso é o iraniano Farhad Marvizi, que enviou uma carta a Bolsonaro narrando ter dados que poderiam ajudar a esclarecer o episódio. O informante, no entanto, é considerado pelos investigadores uma fonte de baixa credibilidade, por ser afeito a contar histórias mirabolantes.

No depoimento, agendado havia cerca de 15 dias, Marvizi disse que ouviu os detalhes do próprio Adélio, num período em que estiveram juntos na ala médica da penitenciária, mas avisou que só contará o que sabe em troca de perdão judicial do presidente da República. O iraniano afirmou que o esfaqueador recebeu a promessa de ganhar R$ 500 mil para matar o então presidenciável, mas não revelou quem seria a pessoa responsável pelo pagamento.

O candidato a colaborador não citou até agora nenhum nome de facção ou de político supostamente ligado ao atentado nem indicou ter provas. A suspeita de envolvimento do PCC (Primeiro Comando da Capital) no caso já foi derrubada pelos policiais. Diante do pedido para entregar dados concretos que pudessem corroborar sua versão, Marvizi falou que não pode dizer mais nada e que teme ser morto.

A PF descartou aceitar algum tipo de acordo com o estrangeiro, por desconfiar da veracidade de suas palavras. O iraniano tem o hábito de mandar correspondências para personalidades —já teria escrito ao apresentador Silvio Santos e ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Em 2014, Marvizi espalhou a notícia de que o PCC queria sequestrar o advogado Carlos Araújo, ex-marido da então presidente Dilma Rousseff (PT). Após o alerta, a PF chegou a monitorar Araújo, mas concluiu se tratar de alarme falso. A carta sobre Adélio mencionada por Bolsonaro não chegou às mãos dos agentes que conduzem o inquérito, que desconhecem seu teor na íntegra. No dia 6 deste mês, o presidente disse que entregou o documento "às autoridades competentes", mas não especificou quais eram elas.

Segundo pessoas que presenciaram o depoimento, Marvizi é visto na cadeia como alguém em busca de uma estratégia para conseguir liberdade ou redução de pena. Por isso, teria se aproveitado do contato que teve com Adélio para dizer que sabe de algo importante. O próprio iraniano afirmou ao delegado que buscou "puxar papo" com o outro preso e mentiu, dizendo conhecer pessoas influentes em Minas Gerais, para ganhar a confiança dele.

O autor da facada negou ao delegado ter feito qualquer revelação ao colega de penitenciária, empregou tom de descrédito e lembrou que ele insistia em convencê-lo a delatar mandantes, chegando a sugerir nomes como os dos ex-presidentes Dilma e Lula (PT) e do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). Adélio contestou ainda a existência da promessa de pagamento de R$ 500 mil.

Marvizi foi condenado a 20 anos de prisão por ordenar um atentado contra um auditor da Receita Federal no Ceará. O chefe do inquérito na PF ouviu ainda outros dois presos que poderiam corroborar as informações do iraniano e também teriam ouvido relatos de Adélio, durante banhos de sol, sobre o planejamento do ataque a Bolsonaro. Os dois depoentes disseram desconhecer as supostas revelações feitas por Adélio no presídio e puseram em xeque as afirmações do autor da correspondência.

Um dos interrogados foi Felipe Ramos Moraes, apontado como piloto de helicóptero do PCC. Ele foi ouvido porque havia a expectativa de que pudesse confirmar as alegações de Marvizi, o que acabou não acontecendo. Na avaliação da equipe da Polícia Federal, as declarações colhidas só ajudaram a descartar a carta enviada a Bolsonaro como fonte de pistas e pouco contribuíram para o andamento da apuração.

As investigações descartaram, até agora, a participação de terceiros. O presidente Bolsonaro e seus advogados, no entanto, mantêm o discurso de que a tentativa de homicídio foi cometida por ordem de alguém. No mês passado, o inquérito sobre o caso foi prorrogado por 90 dias. A outra frente em que a apuração poderia avançar seria o exame dos equipamentos e documentos apreendidos pela PF com os advogados de Adélio, mas a Justiça suspendeu a análise dos materiais sob a justificativa de que a averiguação violaria o sigilo profissional dos defensores.

O debate sobre a liberação ou não da perícia está sendo feito no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), mas deve acabar migrando para o STF (Supremo Tribunal Federal), por esbarrar em temática constitucional. Bolsonaro tem insistido na necessidade de verificar celulares dos advogados para rastrear contatos com eventuais financiadores ou mandantes do crime.

O autor da facada recebeu da Justiça a chamada absolvição imprópria. Ele é comprovadamente autor do crime, mas não pode ser responsabilizado penalmente, já que foi declarado inimputável por ter uma doença mental. O diagnóstico foi de transtorno delirante persistente. Na sentença do caso, o juiz Bruno Savino, da 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora, determinou que Adélio cumpra medida de segurança por tempo indeterminado. Tanto o magistrado quanto os advogados acreditam que ele deve ficar em um presídio de segurança máxima, para proteger sua integridade física.

Transferência

Como a Folha de S.Paulo mostrou, Adélio pediu à Justiça que seus atuais advogados sejam destituídos e que ele passe a ser representado pela DPU (Defensoria Pública da União) na ação penal originária, que corre em Juiz de Fora. A solicitação ainda está sendo analisada.
O preso é defendido hoje pelo escritório do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que também é o curador (representante legal) dele. Nesta sexta-feira (1º), Zanone confirmou que deixará de atuar no caso.

Segundo ele, a representação se tornou muito trabalhosa e onerosa. “Nós já tínhamos falado com o Adélio que seria melhor a Defensoria assumir a assistência dele na execução. O processo da facada em si já foi concluído.” Zanone disse que continuará como curador. O processo que trata da punição pela facada foi encerrado em julho sem que houvesse contestação. Os pontos que podem ser discutidos agora são relacionados à execução da medida de segurança.

Adélio reiterou nesta quinta-feira a vontade de deixar a penitenciária no Mato Grosso do Sul e ser transferido para uma cadeia em Montes Claros (MG), onde moram seus parentes, ou mais próxima da cidade.

O advogado Marco Alfredo Mejia, que é da equipe que atende o esfaqueador e acompanhou o depoimento à PF no presídio, disse à reportagem que ele voltou a falar sobre a vontade de ir para um local perto da família. "O curador [Zanone] considera que o lugar mais seguro para ele é um estabelecimento do Sistema Penitenciário Federal, por isso sempre se posicionou a favor da permanência dele aqui", afirmou.

Mejia disse ainda ter estranhado se cogitar uma delação, já que "uma eventual colaboração dele não teria valor jurídico, por se tratar de uma pessoa reconhecidamente inimputável. "Ele não quer delação nenhuma, porque agiu sozinho, foi um lobo solitário."

Segundo o advogado, Adélio aparentou um estado mental menos confuso, já que começou recentemente a aceitar o tratamento psiquiátrico e os medicamentos oferecidos na prisão. "Está mais lúcido, situado, centrado, com um discurso linear, sem tantos delírios. Não quer ameaçar ninguém. Quer cumprir o que foi determinado na lei", afirmou Mejia. O delegado e o escrivão da PF relataram impressões parecidas ao deixar o local.
No depoimento, Adélio disse que o que mais quer é sair da prisão e ter uma vida normal. E que não pensa mais em matar Bolsonaro e o ex-presidente Michel Temer (MDB), como pretendia até meses atrás. Falou ainda que desistiu de combater a maçonaria, organização que ele acreditava persegui-lo.

A defesa de Marvizi, em nota à reportagem, disse que tem entrado com diversos recursos e pedidos judiciais em favor dele, mas que, enquanto não há resposta, o iraniano “entende conveniente escrever cartas para pedir socorro às autoridades”.
Foi nesse contexto, segundo os advogados, que ele mandou a correspondência a Bolsonaro. “Ele se entende tremendamente injustiçado e ademais se acha em estado gravíssimo de saúde.”

Marvizi, de acordo com sua defesa, “prestou relevantes declarações à Polícia Federal, mas pediu a devida segurança para ter tranquilidade de revelar outras, mais minuciosas e sensíveis, em ambiente que lhe proporcione a indispensável segurança”.

Os advogados falaram ainda que o regime rigoroso da prisão e os problemas de saúde “têm provocado abalos de ordem psicológica” no preso, com “dificuldades de compreensão social e de relacionamento humano”. Procurada, a Presidência da República não se manifestou.