Gêmeas brasileiras, naturalizadas portuguesas, são alvo de uma investigação do Ministério Público de Portugal e da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) após tomarem o "remédio mais caro do mundo", através do sistema de saúde português, em 2019. As autoridades apuram se houve favorecimento do caso delas.
A averiguação dos órgãos ganhou força depois que o presidente do país europeu, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu, nessa segunda-feira (4), que em outubro daquele ano recebeu um e-mail do filho, Nuno Rebelo de Sousa, presidente da Câmara de Comércio Portuguesa em São Paulo, mencionando as luso-brasileiras. Antes, ele havia negado qualquer tipo de envolvimento no assunto, conforme o jornal português Diário de Notícias.
Na mensagem, segundo o político, o filho disse que a família das crianças entrou em contato com ele para saber se seria possível realizar o tratamento em Portugal. No relato desta semana do chefe de Estado, ele detalha ainda que, a partir disso, houve contatos entre a Casa Civil, Nuno e o Hospital de Santa Maria — onde foi realizada a administração do medicamento —, mas frisou que não recordava dessa troca de mensagens.
"Há 10 dias, a PGR [Procuradoria-geral da República] abriu inquérito contra desconhecidos sobre a matéria. Estou em condições de dizer que, há quatro anos, num período intenso da minha vida pessoal e politica, entre 21 outubro e 31 de outubro de 2019, que coincidiu com a formação de um novo governo e tomada de posse e uma operação de que fui alvo, o meu filho enviou-me um e-mail em que dizia que um grupo de amigos da família das gêmeas estava a tentar que fossem tratadas em Portugal, para tentar saber se era possível o tratamento no Santa Maria", detalhou.
Apesar de admitir a existência do e-mail, o presidente negou que a intervenção da Casa Civil da Presidência da República tenha acelerado o tratamento das gêmeas. Ele também ressaltou que o hospital, onde aconteceu o caso, sempre marcou uma "posição clara" de que a prioridade era os doentes residentes em Portugal.
Suspeita de favorecimento
No início de novembro, a emissora portuguesa TVI divulgou uma reportagem denunciando que as gêmeas luso-brasileiras teriam ido para Portugal, em 2019, para receber o medicamento Zolgensma, conhecido por ser um dos mais caros do mundo — cerca de R$ 10,6 milhões por cada unidade na Europa.
O canal europeu revelou haver suspeitas de que o caso das meninas foi favorecido pela influência do Presidente da República, algo que ele nega.
"Certamente tenho condições para manter o cargo", destacou nessa segunda-feira, afirmando que a Presidência da República teria interferido da mesma forma se não fosse um caso próximo à família dele. "Olhei para ele [meu filho] como qualquer cidadão que quis ser solidário. Tratei-o assim. Chegam-me casos idênticos", explicou, conforme o periódico português.
Hoje com cinco anos, as crianças na época foram diagnosticadas com atrofia muscular espinhal (AME) uma semana após receberem a cidadania portuguesa. Naquele ano, elas começaram o tratamento em São Paulo, onde vive a família, conforme a coluna "Portugal Giro", do O Globo.
Advogado das gêmeas aponta xenofobia
O jurista Wilson Bicalho, que representa as luso-brasileiras, argumenta que a investigação é fruto de uma caso de xenofobia por parte dos médicos da unidade de saúde onde aconteceu o tratamento.
"As crianças são portuguesas, tiveram cidadania portuguesa uma semana antes da trágica notícia de que ambas tinham a síndrome rara de AME. Os médicos não queriam tratá-las por não serem residentes em Portugal, mas a legislação é clara quanto aos direitos de nacionais portugueses", disse o advogado a coluna "Portugal Giro".
Ainda conforme ele, após a divulgação do caso, as garotas e os parentes delas passaram a ser alvos de mensagens de ódio e de discriminação.
"Infelizmente, colocaram a família, principalmente as crianças, numa condição de vulnerabilidade que impede o regresso a Portugal neste momento. A família tem recebido mensagens de ódio e está muito preocupada".
Inicialmente, a mãe das gêmeas, Daniela Martins, negou o favorecimento, em entrevista à TVI. No entanto, ao fim da conversa, acabou falando, com as câmeras ainda ligadas, que conhecia a nora do presidente português.
Dei de cara com a médica. Ela falou para mim que não ia dar, que não tinha mandado eu ir lá. Aí a gente usou nossos contatos, né? Aí entrou o pistolão que você falou. Conheci a nora do presidente, que conhecia o ministro da Saúde, que mandou um e-mail para o hospital", disse a brasileira.