Direito ao aborto pode ser anulado nos Estados Unidos; entenda

Suprema Corte pode rever decisão sobre caso que definiu, em 1973, a prática como benefício constitucional

A Suprema Corte dos Estados Unidos pode anular o direito ao aborto no País, conforme o rascunho de uma opinião majoritária do Tribunal, escrito pelo juiz Samuel Alito, e vazado na imprensa norte-americana nesta semana. 

O documento de 98 páginas, obtido pelo portal Politico, foi distribuído em fevereiro pela Corte, que possui maioria conservadora. No texto é discutido o caso Roe contra Wade, que definiu, em 1973, o aborto como direito constitucional nos Estados Unidos. Na ocasião, o juiz defende que o benefício é "gravemente equivocado desde o início" e "deve ser anulado". 

"É hora de prestar atenção à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos pelo povo", diz o magistrado. 

Se o tribunal confirmar a opinião, os Estados Unidos voltariam à situação anterior a 1973, quando cada estado era livre para proibir ou autorizar o aborto. Com as importantes divisões geográficas e políticas sobre esta questão, metade do País, especialmente no Sul e no Centro conservador e religioso, poderia banir rapidamente os procedimentos.

Manifestações

Sem esperar a decisão oficial, centenas de pessoas se aproximaram da sede da Suprema Corte, em Washington D.C., para protestar ou celebrar a possibilidade na noite dessa segunda-feira (2).

Entre a multidão que gritava "meu corpo, minhas regras", Abby Korb, estudante de 23 anos e assistente parlamentar, disse que estava "literalmente em estado de choque". Para ela, "proibir o aborto não vai acabar com eles, vai simplesmente torná-los mais perigosos".

Claire Rowan, 55 anos, mãe de sete filhos, não escondeu o entusiasmo e disse que espera que as pessoas "peçam perdão a Deus" para que os Estados Unidos possam "se curar".

Os direitos reprodutivos sofreram várias ameaças nos Estados Unidos nos últimos meses, à medida que os estados liderados pelos republicanos avançaram para aumentar as restrições.

O rascunho divulgado está vinculado precisamente a uma lei do estado do Mississippi, que busca proibir a maioria dos abortos após 15ª semana de gestação. Em dezembro, ao discutir o texto, os juízes da Suprema já deram a entender que pretendiam anular a decisão Roe contra Wade.

A decisão dos nove membros do tribunal, dominado por conservadores (com uma balança 6-3) após a nomeação de três juízes pelo ex-presidente Donald Trump, é aguardada para junho.

Vazamento de rascunho é inédito

A divulgação do texto é algo extraordinário porque a questão ainda está em debate. O site Politico declarou que esta é a primeira vez na história moderna que um rascunho de opinião é divulgado publicamente.

Questionada sobre o documento divulgado, uma porta-voz afirmou que a Suprema Corte "não tem comentários". 

Os democratas, liderados pelo presidente Joe Biden, tentam proteger o acesso ao procedimento e vários líderes do partido reagiram ao vazamento com pedidos para que a decisão Roe contra Wade passe a integrar a lei. A Câmara de Representantes aprovou uma proposta neste sentido, que caiu no Senado diante da feroz oposição republicana.

O Instituto Guttmacher, grupo de pesquisa que defende o direito ao aborto, afirmou que é "certo ou provável" que 26 estados proíbam o aborto se a decisão Roe contra Wade for anulada.

A organização Planned Parenthood, que administra clínicas de aborto em todo o país, afirmou que o projeto de parecer é "ultrajante", mas advertiu que "não é definitivo".

Caso 'Roe contra Wade'

Em 22 de janeiro de 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu, em sua histórica decisão "Roe vs Wade", que o direito ao respeito à vida privada garantido pela Constituição se aplicava ao aborto.

Em uma ação movida três anos antes em um tribunal do Texas, Jane Roe, pseudônimo de Norma McCorvey, uma mãe solteira grávida pela terceira vez, atacou a constitucionalidade da lei do Texas que tornava o aborto um crime.

A mais alta jurisdição do país assumiu a questão meses depois, por um recurso de Jane Roe contra o promotor de Dallas, Henry Wade, mas também por outro de um médico e de um casal sem filhos que queria poder praticar, ou se submeter, a uma interrupção voluntária da gravidez legalmente. 

Após ouvir as partes duas vezes, a Suprema Corte esperou a eleição presidencial de novembro de 1972 e a reeleição do republicano Richard Nixon para emitir sua decisão, por sete votos a dois. 

Reconhecendo a "natureza sensível e emocional do debate sobre o aborto, os pontos de vista rigorosamente opostos, inclusive entre os médicos, e as convicções profundas e absolutas que a questão inspira", a alta corte acabou derrubando as leis do Texas sobre aborto.

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