Cearenses nos EUA contam como está a disputa pela Casa Branca

Donald Trump vê a própria imagem se desgastar, inclusive dentro das bases eleitorais republicanas, enquanto o opositor democrata Joe Biden não conta com o mesmo índice de rejeição que Hillary Clinton tinha em 2016

A estudante Gleyce Any Castro vive há seis meses em Nebraska, nos Estados Unidos. Neste tempo, apesar do isolamento social, reparou em um costume dos novos vizinhos: demarcar o posicionamento político por meio de placas ou bandeiras no exterior da casa. Nos jardins do Estado, que possui uma tradição republicana, o nome que domina é o do democrata Joe Biden - adversário do presidente Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro. 

A disputa protagonizada por ambos deve ser bem distinta da que alçou Donald Trump ao Salão Oval da Casa Branca, em 2016. O mandatário não é mais um outsider da política, como na época, nem enfrenta uma adversária com altos índices de rejeição, como era Hillary Clinton. Além disso, em menos de seis meses enfrentou os desgastes vindos da pandemia de Covid-19 - sobre a qual adotou uma postura negacionista - e os protestos anti-racistas após a morte de George Floyd. 

As duas questões pesaram sobre a popularidade de Trump e nas pesquisas de intenção de voto. Por enquanto, apesar de ser uma margem pequena de vantagem, a liderança é de Joe Biden. Contudo, nada que permita uma definição. Há quatro meses da data de votação, "a campanha está a todo vapor", conforme resume o assistente de pesquisa da Medical College of Wisconsin, Victor Alencar.  

"A gente vê todo dia. Em todo lugar é possível a campanha dos dois. Todo dia se fala da campanha", destaca. Ele chegou ao Estados Unidos em 2015, como estudante, e aponta os receios de quem imigrou para os Estados Unidos e vive sob o governo de Donald Trump. "Nós vivemos em medo. Não sabíamos qual regra, qual lei ele iria passar para se livrar de imigrantes. E desde que a Covid apareceu, ficou pior", relata.

A soma das crises vivenciadas por Trump e os posicionamentos do presidente estão acarretando uma queda na  popularidade dele em todo país. O pesquisador do Observatório das Nacionalidades da Universidade Estadual do Ceará, Gustavo Guerreiro acrescenta que existe movimento crescente nos EUA.

"Existe uma parcela do eleitoral que já não era favorável ao Trump, mas que tem se tornado militante contra ele", explica. Este fator deve ser explorado pelo Partido Democrata durante a campanha eleitoral, principalmente entre jovens, mulheres e pessoas não-brancas, onde a popularidade de Trump é mais baixa, aponta Guerreiro. 

Desgaste

Contudo, as perdas eleitorais de Trump não ocorrem apenas dentro destes segmentos da população dos EUA. Gleyce Any Castro conta casos em que eleitores republicanos, e que votaram em Trump em 2016, agora fazem piadas com o nome do presidente. "Mesmo dentro dos que apoiam o partido Republicanos, ele vem perdendo apoio.  Pessoas que estão ficando com ele são pessoas mais radicais", afirma. 

Os crescimentos na economia, grande bandeira de Trump neste primeiro mandato, sofreu os impactos negativos da economia - principalmente, com o aumento do índice de desemprego no País. 

"Muita gente vota no Trump pelo que ele fazia nesta área. Se a economia não se levanta até pouco antes das eleições, é um problema", explica o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Carlos Gustavo Poggio. 

Gustavo Guerreiro completa: "O partido democrata tem apostado nessa fração do eleitorado que tem saído da base eleitoral do Trump". Contudo, a melhora nos índices econômicos dos Estados Unidos, no último mês, pode favorecer Trump. "Isto aponta que a recuperação vai vir de uma forma mais rápida do que se pensava", projeta Poggio. 

Adversário

Vice-presidente dos Estados Unidos durante os mandatos de Barack Obama, Joe Biden possui um perfil bem diferente da antiga adversária de Trump, Hilarry Clinton. Com uma longa carreira política, o candidato democrata é mais reservado e discreto. 

Professor da Escola de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites aponta que será mais difícil para Donald Trump construir uma rivalidade como fez com Clinton, em 2016. "A Hillary tinha personalidade mais marcante e posicionamentos fortes", destaca. 

"Além disso, na eleição passada, havia um desgaste natural de oito anos dos Democratas no Poder e o Congresso estava com maioria republicana", completa o professor da Universidade de Brasília, Alcides Costa Vaz. "Nessa eleição, o Biden não tem sobre si o peso do desgaste que a Hillary tinha".

Pelo contrário, o desgaste de quem está no Poder é uma estratégia que deve ser utilizada a favor de Biden. Se em 2016, Trump "aparecia como alguém de fora da política e contra o sistema", afirma Brites, essa é uma estratégia difícil de ser utilizada após quase quatro anos de mandato. 

"A estratégia do Partido Democrata é jogar parado para aproveitar o desgaste. Enquanto, a estratégia do Trump vai ter que ser aumentar a rejeição do Biden", resume Poggio.

Como funciona o sistema de eleição nos EUA?

3
de novembro

Votação que irá definir o novo presidente estadunidense

Voto facultativo

Nos EUA, o voto não é obrigatório. Além disso, cada Estado define o sistema de votação (cédula de papel, urna eletrônica e até por correio)

Eleições indiretas

O presidente dos Estados Unidos é escolhido por meio do Colégio Eleitoral, formado por delegados de todos os Estado. 

O caminho que leva à Casa Branca

1
Convenções partidárias

Quando? Primeiro semestre do ano eleitoral.

Onde? Em todos os Estados.

Quem? Candidatos à Presidência americana precisam ter, no mínimo, 35 anos de idade, serem cidadãos nativos dos EUA e moradores do país por ao menos 14 anos.

Como? Filiados ou não de cada partido votam em quem preferem que dispute a Presidência.

2
Eleições presidenciais

Quando? Em novembro dos anos eleitorais. Em 2020, será dia 3. 

Como? Os eleitores de cada Estado vão as urnas para escolher qual o candidato preferem. Contudo, estes votos não são computados diretamente ao candidato. A votação é transferida para os delegados eleitorais de cada Estado. Em quase todos os Estados - com exceção de Maine e Nebraska - prevalece o "The winner takes all" ("O vencedor leva tudo"). Ou seja, independente da porcentagem de votos de cada um, o candidato com maioria naquele Estado leva todos os delegados eleitorais. 

3
Colégio eleitoral

Quem? No total, 538 delegados eleitorais integram o colegiado que irá escolher o presidente. Para vencer, o candidato precisa ter 270 delegados a seu favor.

Quantos? Cada Estado possui uma quantidade de delegados eleitorais proporcionais a população. O número de delegados correspondente a cada Estado é calculado proporcionalmente à sua população e ao número de parlamentares. Califórnia, o Estado mais populoso do país, tem 55 delegados, enquanto alguns Estados menores têm apenas três.

Como? Na prática - e por tradição-, os eleitores tendem a respeitar a decisão da população do Estado e do partido que representam. Contudo, de acordo com a Constituição dos Estados Unidos, os delegados não são obrigados a votar de acordo com a vontade dos cidadãos.