Brasileira vai à Ucrânia resgatar sobreviventes: ‘É um risco, mas a gente vai continuar tentando’

Clara Magalhães relata a jornada em busca de brasileiros em zona de guerra: quatro dias nas fronteiras, cinco dias sem tomar banho e escovar os dentes, pessoas resgatadas e a mobilização pelas redes sociais.

A primeira coisa que a empresária Clara Magalhães, 31, fez, ao ver que o conflito Rússia-Ucrânia havia estourado, foi enviar mensagem, nas redes sociais, oferecendo ajuda a um grupo de brasileiros que estava em território ucraniano. Ainda sem saber as proporções que viriam após o bombardeio naquela quinta-feira, 24, agiu por impulso, pensando em hospedar quem precisasse de moradia em seu apartamento, em Leipzig, na Alemanha.

Outros brasileiros que vivem na Europa- assim como Clara- copiaram a ideia e também ofereceram ajuda aos refugiados, começando um movimento de resgate de sobreviventes da guerra.  “A gente descobriu que, na verdade, o problema não é entrar e chegar em algum outro país europeu para ficar, o problema é sair da Ucrânia”, conta. 

Para ela, a ajuda era questão de identidade, por também estar longe do país de origem. Criou a ‘Frente BrazUcra’ e começou a jornada de busca por brasileiros nas áreas de conflito. A ideia inicial era oferecer moradia para os brasileiros que saíssem da Ucrânia, mas depois ela entendeu que precisaria resgatá-los. No mesmo dia, as demandas apareceram entre mensagens no Instagram, WhatsApp, Facebook e Telegram. A voluntária queria mais. Sem conseguir dormir naquela noite, esperou o amanhecer de sexta-feira, 25, para alugar um carro e fazer ela mesma o resgate por terra. 

Clara não tinha experiência. Precisou aprender, na marra, contabilidade, logística e, principalmente, administrar o dinheiro para alimentação e combustível. Era a primeira vez que assumia uma função do tipo, bem diferente do trabalho na área jurídica.

Primeiro, pensou em seguir para a Romênia, um dos países que receberá brasileiros refugiados da guerra. No caminho, parou na casa de Mari, uma das voluntárias. Entrou, tomou banho, fez uma refeição e pegou o celular para responder algumas mensagens no grupo de apoio. Enquanto descansava, a colega gritava de alegria. Cinco brasileiros haviam sido encontrados perto da fronteira com a Polônia. A comemoração da dupla virou marca registrada nos resgates seguintes.  

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Após mudança de rota, a empresária se dirigiu à Comuna de Medyka, última região polonesa antes do território ucraniano. Tentou cruzar a fronteira pela cidade de Chelm, mas foi barrada pelas autoridades militares da Ucrânia. Deu meia volta e partiu em direção aos postos de acolhimento que ficavam a 10 quilômetros do bloqueio. 

Com uma grande quantidade de alimentos no carro, estacionou e fez doações no local. Enquanto tentava encontrar uma melhor forma de ultrapassar a barreira policial, percebeu que a única alternativa seria fazer o percurso em algum veículo do governo polonês. Então, pediu carona ao Corpo de Bombeiros que fazia o traslado de quem cruzava a fronteira até Lviv, na Ucrânia. “Eles estão fazendo um trabalho incrível, bem organizados. Estão trabalhando muito, dando comida quentinha para os refugiados. Todos se ajudam”, lembra. 

Na Ucrânia, encontrou o oposto. Situação caótica. Homens ucranianos não saem. A prioridade são mulheres e crianças. Em alguns lugares ninguém ultrapassa o bloqueio a pé, apenas por meio de carro ou ônibus. Para encontrar os brasileiros, usou a criatividade. Pegou um papelão já riscado e fez uma placa com uma nova versão da bandeira do Brasil.

“Eu nunca desenhei a faixa da bandeira para baixo. Não faz o mínimo sentido ‘ordem e progresso’ ser descendente, ela tem que ser ascendente.  Então a ‘ordem e progresso’ da faixa tem que ir pra cima e eu sempre desenho a bandeira assim, porque eu acho que é o jeito que tem que ser”, explica. 

E foi assim que encontrou Jéssika Ariani, Talles Brener e Edson Fernando. Transformou o carro em um centro diplomático, usando a mesma bandeira como forma de identificação. Pela proximidade tanto de distância como de língua, estrangeiros começaram a chegar buscando ajuda. Clara assumiu o papel de diplomata, além de tradutora. Gosta da responsabilidade.

“Eram colombianos, canadenses, pessoas do continente africano que iam nele porque tinha comida, água, informação”, explica
Clara Magalhães
voluntária

Após 17 horas cruzando a fronteira, os brasileiros, um nigeriano e uma ucraniana resgatados seguiram para Budapeste, na Hungria, onde iriam se encontrar com amigos e buscar um lugar seguro para ficar. 

Na terça-feira, 1, Clara realizou compras nos supermercados e farmácias com o dinheiro arrecadado de uma vaquinha online promovida pela ‘Frente BrazUcra’, antes de retornar à Ucrânia.

“É um risco que a gente corre, mas a gente vai continuar tentando”, desabafa. No balanço do resgate: quatro dias nas fronteiras, cinco dias sem tomar banho e escovar os dentes, pessoas resgatadas e o prazer de ver que o esforço de ajudar o outro valeu a pena.