Líderes de organização criminosa comandavam facção de dentro dos presídios cearenses

"Conversas obtidas pela Polícia Civil apontam que integrantes da Sétima Coluna do grupo criminoso e da Sintonia Final viabilizavam depósitos bancários e gerenciavam tráfico de drogas de dentro dos presídios cearenses

Escrito por Cadu Freitas , cadu.freitas@svm.com.br
Legenda: Líder da GDE preso no Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II) enviou imagens de armas e munições e realizou depósitos bancários para outro chefe do grupo criminoso
Foto: Fabiane de Paula

Alguns dos principais líderes de uma facção cearense administravam a organização criminosa de dentro dos presídios cearenses no fim de 2018. De acordo com mensagens obtidas pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), os chefes faziam votações para determinar ações do grupo e até gerenciavam o tráfico de drogas atrás das grades. 

Jonnatas Ribeiro, o ‘Urso’ ou 'Branquinho', quando estava preso no Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II) enviou imagens de armas e munições e realizou depósitos bancários para Yago Steferson Alves dos Santos, o 'Yago Gordão' ou 'Supremo'. Os dois integram a Sétima Coluna da facção, um grupo formado por lideranças e fundadores que possuem anéis templários a fim de distingui-los das demais lideranças.

'Branquinho' foi preso em setembro de 2013 e, atualmente, encontra-se em um presídio federal; ele alçou à liderança da facção dentro do presídio. Nas conversas, ocorridas em novembro de 2018, enquanto estava no IPPOO II, ele informa a Yago que tem pistolas e munições com uma pessoa de confiança “lá fora” do presídio. Além disso, segundo a Draco, "quase que diariamente, Branquinho realiza depósitos para Yago Gordão" - a especializada conseguiu somar R$ 122 mil ao todo.

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Também no IPPOO II, estava Paulo Victor Lopes Monteiro, o ‘Reidall’. De lá, ele conversou com Yago sobre a comercialização do equivalente a R$ 200 mil em drogas. Depósitos feitos por comparsas dele caíam em contas na cidade de Afogados, em Pernambuco. "Pelas conversas, eles venderam 10 caixas a 19 mil reais cada", explica a Polícia Civil. Atualmente, ‘Reidall’ está em uma penitenciária federal. 

De dentro de uma penitenciária cearense, enquanto estava preso, Irad Ronier Gomes da Silva, o ‘Bebi Água’, organizava a contabilidade das lideranças da facção. Antes de ser transferido para uma penitenciária federal, ele estava detido na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor José Jucá Neto (CPPL III). De lá, ele enviava as listas de contas e pagamentos realizados para ‘Yago Gordão’.

Legenda: 'Bebi Água' fazia a contabilidade dos líderes da facção de dentro da CPPL III
Foto: Yago Albuquerque

Chacina

Dois integrantes dessa facção, que são investigados pela Chacina das Cajazeiras, também mantinham contato externo com faccionados por meio de celulares. Ambos foram transferidos a presídios federais em janeiro de 2019, mas estavam em penitenciárias cearenses em novembro de 2018, quando os investigadores tiveram acesso às conversas com Yago. São eles Zaqueu Oliveira da Silva, o H2O, líder do tráfico de drogas na comunidade da Rosalina; e Deijair Souza da Silva, o ‘Mestre’, tido como o fundador da organização criminosa.

Na conversa com Zaqueu, Yago envia uma conta de um “laranja” para que o faccionado possa depositar dinheiro provavelmente proveniente de entorpecentes. Ele deposita R$ 15 mil, mas afirma que ainda faltam R$ 11 mil para “quitar a dívida e pegar mais mercadoria”. Com Deijair, as conversas dão a entender que este busca saber se Yago dispõe de drogas para vender.

Mas é com Francinélio Oliveira Silva, identificado como Siciliano, um dos líderes da Sétima Coluna, que Yago comenta sobre a Chacina das Cajazeiras e até recebe uma imagem de dentro do presídio. Eles debatem que dois suspeitos da matança foram autorizados a não pagar a caixinha da facção “em virtude do atentado que eles realizaram no Forró do Gago”. A conversa ocorreu em novembro de 2018, enquanto Siciliano estava no Centro de Detenção Provisória (CDP) em Aquiraz. No mesmo dia, Siciliano envia uma imagem possivelmente, conforme a Polícia Civil, de dentro da unidade prisional. 

Legenda: Siciliano envia imagem de dentro de presídio
Foto: Reprodução

Dupla identidade?

Em fevereiro do ano passado, o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), com base em informações da Polícia Civil, denunciou outro homem com a alcunha 'Siciliano'. Trata-se de Ednal Braz da Silva, encontrado em um presídio em Limoeiro, em Pernambuco. Quando ele foi achado, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que ele era um dos fundadores e líderes dessa facção cearense.

Naquele período, Francinélio Oliveira e Silva - que hoje é chamado por 'Siciliano' pela Draco - foi colocado como integrante do Conselho Final da facção na denúncia, e não na Sétima Coluna, como aparece atualmente nas investigações mais recentes. A reportagem solicitou informações à SSPDS sobre a duplicidade e as ações implementadas contra a facção, mas não recebeu retorno até o momento.

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou, em nota, que aplicou novos procedimentos desde o início da gestão, em janeiro de 2019, com a retirada de celulares. Conforme a Pasta, em 2019, 6.214 aparelhos de telefone foram retirados das celas das unidades prisionais do Ceará. No ano passado, esse número foi de 120 aparelhos apreendidos. “A redução aconteceu pelas constantes vistorias realizadas internamente nos presídios”, detalha.

A SAP ainda acrescentou que retirou televisores, ventiladores, tomadas de energia elétrica e outros privilégios das penitenciárias cearenses. “Desta forma, com procedimentos e disciplina hoje o sistema penitenciário do Ceará tem uma nova dinâmica”, escreveu.

Defesa

A advogada Paloma Gurgel, que representa os investigados Deijair de Souza Silva e Jonnatas Ribeiro, afirmou que "matérias relacionadas a suposta participação em organização criminosa são fundadas em procedimento investigatório e não condizem com a realidade dos fatos conforme restará demonstrado no devido processo legal". A defesa dos dois disse ainda que eles não respondem "a nenhum processo referente aos tais “anéis templários” objeto das matérias  divulgadas.

Paloma reforçou que "Deijair não pode ser o denominado “mestre”, pois as conversas atribuídas a ele teriam sido, supostamente, realizadas em dezembro de 2018" e "na época das supostas conversas ele estava em presídio federal". 

Disse ainda tratar-se de um procedimento investigatório e não uma ação penal. "Caso seja denunciado – e a defesa acredita que não será, pois impossível, dada a sua custódia em presídio federal – restará devidamente demonstrada nos autos a sua inocência".

Já sobre a situação de Jonnatas Ribeiro, o 'Branquinho', Paloma Gurgel reiteirou parte do que alegou com relação a Dejair e acrescentou que ele "está preso há bastante tempo, não tem e nunca teve nenhum processo envolvendo seu nome em organização criminosa ou apontando sua participação em facção". Por fim disse que provará a inocência dele. 

As defesas dos demais citados na reportagem não foram encontradas.

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