Processo por feminicídio em Fortaleza foi julgado em apenas 8 meses: 'alívio', diz mãe da vítima

Como se acostumar com a ausência de uma pessoa que era tão presente? A família da executiva de vendas Cristiane Lameu e Silva, morta aos 45 anos, tenta se remontar, há quase 9 meses, para seguir a vida, com uma saudade diária. O tempo "só" foi suficiente para o Sistema de Justiça levar a júri popular o marido da vítima, o educador físico Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, 49, e condená-lo a 28 anos e 10 meses de prisão.

Entre 28 e 31 de outubro do ano corrente, o Diário do Nordeste irá publicar uma série de reportagens sobre o Programa Tempo de Justiça. Na última terça-feira (29), foi publicada uma matéria sobre a atuação da Defensoria Pública Geral do Ceará no Programa. Na segunda (28), foi publicado que 69 homicídios ocorridos em 2023 foram julgados em menos de 400 dias no Ceará.

O julgamento de Antônio Márcio começou na manhã de 1º de outubro último e terminou na madrugada do dia 2, depois de 8 meses e 2 dias do crime - ocorrido no dia 31 de janeiro deste ano - ou, mais precisamente, após 245 dias. O processo criminal cumpriu a meta do Programa Tempo de Justiça, que é julgar crimes contra a vida em até 400 dias. 

"Agora, eu fiquei mais aliviada depois desse julgamento, porque eu sei que ele tá preso. Eu tinha medo que ele ficasse em liberdade, seria muito difícil para a gente, eu não podia nem pensar nisso. Mas foi feita justiça", afirma a mãe de Cristiane Lameu, a dona de casa Francisca Lameu, de 78 anos.

245 dias
foi o tempo decorrido entre o assassinato de Cristiane Lameu e Silva, em Fortaleza, e o julgamento do réu Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, condenado a 28 anos e 10 meses de prisão.

Cristiane era a "caçula" de cinco filhos de Dona Franci e Seu José Lameu, 76, e era a filha mais presente no cotidiano do casal. "A minha maior lembrança é de quando ela vinha pra cá, toda semana. Ela sempre tava aqui com a gente. Quando eu olho pra aquela porta, é como que ela tivesse entrando. Porque ela vinha toda semana, duas, três vezes. No dia de domingo, tava aqui com a gente. Então, a lembrança é muito grande. Quando chega fim de semana, ainda é pior", lembra a mãe, emocionada.

Sobrinha de Cristiane, a advogada Marília Lameu, 28, confirma que uma das principais características da tia era ser presente para a família: "Ela era a pessoa que a gente sabia que não ia faltar, a gente contava com ela. O meu pai faltava, outro filho faltava, os meus avôs faltavam. Mas ela, podia contar com a presença dela, porque ela fazia questão de estar presente. Ela era muito família". 

Exemplo para a justiça

Cristiane Lameu e Silva foi morta a facadas pelo marido, Antônio Márcio Ribeiro Parente e Silva, na manhã de 31 de janeiro deste ano. O crime aconteceu na frente do filho do casal, que tinha 11 anos, na residência onde a família morava, no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza. 

O processo criminal foi julgado em apenas 8 meses. O réu foi condenado por feminicídio (quando a mulher é morta em razão do gênero), com os agravantes de ter sido cometido por motivo torpe e meio cruel, além de ocorrer em contexto de violência doméstica, na presença do filho.

Agora, eu fiquei mais aliviada depois desse julgamento, porque eu sei que ele tá preso. Eu tinha medo que ele ficasse em liberdade, seria muito difícil para a gente, eu não podia nem pensar nisso. Mas foi feita justiça."
Francisca Lameu
Mãe de Cristiane Lameu

O julgamento do caso chegou a ser marcado pela 3ª Vara do Júri de Fortaleza para o dia 30 de abril deste ano. Porém, a defesa do réu ingressou com um Incidente de Insanidade Mental, o que motivou o adiamento do julgamento. No dia 12 de junho último, a Justiça Estadual decidiu que o Incidente deveria ser analisado pelo júri popular - que rejeitou o pedido, no julgamento realizado no dia 2 de outubro. 

A promotora de justiça Mônica Nobre, que representa o Ministério Público do Ceará (MPCE) na 3ª Vara do Júri e no Comitê Gestor do Programa Tempo de Justiça, comenta que "esse é um dos casos emblemáticos, em que a gente conseguiu, dentro desse Programa, dar uma resposta rápida à família da vítima. Foi um caso de bastante repercussão, pela quantidade de facadas, pela crueldade e por ser um crime ocorrido com o filho dentro de casa". 

A defesa do réu, representada pelo advogado Carlos Rebouças, ressaltou que "o processo encontra-se em grau de Recurso de Apelação, com pedido de novo Júri, por julgamento contrário a prova dos autos no primeiro Júri, tendo sido uma votação não unânime pela condenação". O advogado não quis comentar outros detalhes do caso.

Tempo de Justiça Mulher

A ação penal integra o Programa Tempo de Justiça Mulher, uma extensão do Programa Tempo de Justiça, anunciada pelo Estado em 21 de agosto de 2023, com o objetivo de dar celeridade às investigações e ao julgamento de crimes dolosos contra a vida de mulheres. 

36 processos
de feminicídios, gerados no último ciclo do Programa Tempo de Justiça Mulher, entre janeiro e outubro de 2023, já foram julgados em menos de 400 dias (a meta do Programa), segundo o Ministério Público do Ceará. 

"O Programa Tempo de Justiça é uma política importantíssima para diminuir a sensação de impunidade, que eu vejo como um grande propulsor do aumento da violência. A gente dá uma resposta célere, e as pessoas veem que não vai ficar por isso mesmo, que os responsáveis não vão ficar soltos e impunes", destaca a promotora de Justiça Mônica Nobre.

O assistente de Unidade Judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Israel Landim, reforça que “o Tempo de Justiça Mulher é crucial para garantir que crimes de feminicídio sejam julgados com maior rapidez, evitando a revitimização das mulheres e suas famílias e diminuindo a sensação de impunidade”.

Ela era a pessoa que a gente sabia que não ia faltar, a gente contava com ela. O meu pai faltava, outro filho faltava, os meus avôs faltavam. Mas ela, podia contar com a presença dela, porque ela fazia questão de estar presente. Ela era muito família."
Marília Lameu
Sobrinha de Cristiane Lameu

“Em Fortaleza, onde a violência de gênero é uma preocupação significativa, a aceleração desses processos é uma resposta essencial do sistema judiciário para mostrar que a Justiça é eficiente e sensível a esses tipos de crime. Isso ajuda a reforçar a proteção das mulheres e a combater a violência de gênero de maneira mais eficaz”, completa o servidor do TJCE. 

A celeridade da tramitação do julgamento do assassino de Cristiane Lameu é comemorada pela sobrinha da vítima, Marília Lameu: "A condenação traz um pouco de conforto, de alívio. Porque, desde janeiro, a gente vem em uma luta árdua. O processo estava com o julgamento marcado para ocorrer em abril, três meses após o caso, mas veio a questão da insanidade mental, alegada pelo réu, e demorou mais um pouco. A sensação que a gente tem é que a justiça foi feita, que o réu foi condenado a uma pena exemplar, para que outros agressores não venham a cometer a mesma dor que ele causou à nossa família".