Polícia investiga '8º andar' construído irregularmente no Edifício Andrea

Inquérito aponta a existência de uma área erguida no edifício, ainda na década de 1980, que não estava prevista no cálculo estrutural; engenheiros civis acreditam que sobrecarga pode ter contribuído para o desabamento

A Polícia Civil se debruçou no último mês de dezembro pela possibilidade de um andar - construído irregularmente no Edifício Andrea ainda na década de 1980 - ter sido um dos fatores que levaram o prédio ao colapso no dia 15 de outubro de 2019.

O inquérito que está sendo elaborado pelo 4º DP (Pio XII) descobriu que não havia apenas sete andares no prédio, conforme está no seu registro de imóvel, mas um oitavo pavimento construído sem Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), cujo peso não estava previsto no cálculo estrutural da edificação.

O oitavo andar é um anexo do apartamento 701 e teria sido construído entre 1982 e 1983, segundo apontam documentos obtidos pelo Sistema Verdes Mares. O acréscimo de 60m² de área construída "refere-se à construção em alvenaria de 3 (três) banheiros, 2 (duas) salas e 3 (três) quartos, que foram construídos sobre a última laje do apto 701 (cobertura), área esta omitida quando da averbação da construção do citado edifício", anota o Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Zona da Comarca de Fortaleza.

O registro foi realizado pelo bancário Clotário Sousa Nogueira, que adquiriu o apartamento em 1983, após, segundo ele, ter constatado que a área extra não estava presente no documento de compra ao qual teve acesso.

Duelo de versões

Em depoimento à Polícia Civil, Clotário afirmou que "quando comprou o apartamento 701, o mesmo já estava com essa extensão" e disse que o construtor do Edifício Andrea, o senhor Francisco das Chagas Brandão, havia construído aquele espaço para que sua sogra fosse morar no local. Posteriormente, o construtor "mudou de ideia, devido a problemas financeiros, e resolveu vender o apartamento 701" para o bancário.

O construtor Francisco Brandão porém, disse em depoimento que "disponibilizou o apartamento 701 para a sua sogra, onde a mesma residiu por três ou quatro meses". Com relação à construção de edificações no oitavo andar, Francisco nega qualquer modificação. Ele ressaltou que o apartamento "possuía um terraço acima, não coberto, com uma mureta de proteção e sem nenhum outro tipo de construção", além de não haver piscina, "somente uma manta asfáltica em toda a sua extensão".

A versão do construtor também é questionada por outro antigo morador do Andrea. Robson Bezerril Cavalcante, cuja mãe (Maria da Penha Bezerril Cavalcante) foi morta na tragédia, também disse à Polícia Civil que "já existia tanto o anexo, quanto a piscina", pois, "é de conhecimento público" que "o senhor Brandão havia construído o apartamento 701 para a sua própria moradia e o anexo para que fosse residência da sua sogra, sendo a piscina de uso exclusivo do seu domicílio".

O projeto estrutural

A Construção do Edifício Andrea foi formalizada junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE) em 28 de abril de 1981. No documento, quem assume a responsabilidade pela obra é o engenheiro civil Maurílio Lucena, da Embracil - Empresa Brasileira de Construção Civil Ltda. A ART prevê não apenas a construção do condomínio, mas o projeto arquitetônico e o cálculo estrutural da edificação.

Em depoimento, o engenheiro afirmou à Polícia Civil que o projeto estrutural do Andrea foi elaborado para abrigar no sétimo andar um apartamento "dotado de terraço, sem piscina". Segundo Maurílio Lucena, "no projeto estrutural, não havia previsão, também, para um acréscimo no oitavo andar". Contudo, o engenheiro diz que os acréscimos estruturais seriam suportados por causa das margens de segurança - que funcionam como uma forma de garantir um peso maior às edificações sem causar danos.

O Crea-CE informou que não há ART acerca das obras no oitavo andar do Edifício Andrea. Segundo o presidente do Crea-CE, Emanuel Maia Mota, os únicos registros são "de manutenção de elevador e a reforma que foi feita de recuperação estrutural que ocasionou o acidente". Segundo ele, a obra, "perante o Crea, é ilegal, e quem executou exerceu ilegalmente a profissão, cometendo uma contravenção penal".

Contribuição

O Sistema Verdes Mares procurou dois engenheiros civis para comentar a existência do oitavo andar do Edifício Andrea e apontar as consequências de uma carga superior à que foi registrada no cálculo estrutural feito para a construção do prédio.

De acordo com o calculista Joaquim Mota, também professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), "a carga lá em cima não é o fator decisivo, mas o prédio vai, ao longo do tempo, recebendo esses abusos. Põe mais carga, não cuida da estrutura, e aí com o tempo vai até chegar ao limite", considera.

"Se essa construção foi feita sem nenhuma responsabilidade de um engenheiro que acompanhasse a obra e justificasse que a estrutura teria condições de fazer isso, então é totalmente irregular e, portanto, sobrecarregou a estrutura existente que não foi calculada para isso", afirma o profissional.

Para Eduardo Cabral, engenheiro civil e também professor da UFC, a sobrecarga pode ter contribuído no momento no desabamento. "Eu imagino que tenha contribuído. Talvez, se não tivesse essa sobrecarga, o elemento quando ele escarificou (realizou reparos na estrutura durante a reforma realizada no dia do desabamento) não tivesse ido ao colapso".

O inquérito que tramita no 4º DP sobre as causas da queda do Edifício Andrea, em outubro do ano passado, apura se uma construção irregular realizada entre 1982 e 1983 pode ter sido um dos fatores para o desabamento do prédio