Os dois policiais militares que balearam uma criança e dois jovens em Hidrolândia, no início deste mês, devem responder somente a crimes militares, em um Inquérito Policial Militar (IPM). Foi o que decidiu o delegado Igor Vasconcelos Fernandes, da Delegacia Municipal de Santa Quitéria, da Polícia Civil do Ceará (PCCE), que não indiciou os PMs por crimes comuns (como tentativa de homicídio e lesão corporal) e enviou o Inquérito para a Polícia Militar do Ceará (PMCE).
A criança de 10 anos e os jovens, de 21 e 22 anos, estavam dentro de um veículo, saindo de um campo de futebol, na noite de 9 de julho, quando foram alvejados com disparos efetuados por uma composição da Polícia Militar, composta pelos soldados José Ferreira da Silva Filho e Jonas Ferreira Soares. Eles precisaram ser levados ao hospital às pressas. O episódio teve repercussão nacional e levou o governador Camilo Santana a se pronunciar nas redes sociais e a determinar "rigor absoluto" na investigação.
O menino de 10 anos teve alta nesta segunda-feira (19), do Instituto Doutor José Frota (IJF), em Fortaleza, após passar por cirurgia para retirada da bala que estava no pescoço, segundo uma familiar, que não quis se identificar.
Deveria ser melhor apurado, esses policiais não podiam passar impune. Pode ser mais um caso arquivado, que não vai ser julgado como deveria ser.
Um familiar de outra pessoa baleada, que também não quis se identificar, informou ao Diário do Nordeste que o jovem de 22 anos já está em casa, fazendo fisioterapia para recuperar o movimento das pernas, após sofrer um tiro na coluna. O rapaz de 21 anos deve ter alta nos próximos dias da Santa Casa de Sobral, mas ficará com sequela no olho que foi atingido por um disparo.
Sobre a decisão da Polícia Civil, o familiar de uma das vítimas afirma que "a família ficou chocada e já está com um sentimento de injustiça": "A gente não esperava isso, esperava que a situação fosse devidamente apurada. O Estado deveria investigar, está sendo muito omisso nisso. O delegado emitiu um posicionamento precoce, com base somente na manifestação dos policiais, não investigou o caso".
Procurada, a defesa dos soldados José Ferreira da Silva Filho e Jonas Ferreira Soares não quis se manifestar sobre a decisão da Polícia Civil ou sobre a tese de defesa dos militares, por entender que este não é o momento. Os dois PMs estão afastados das funções operacionais, pela Polícia Militar.
Delegado justificou que cidade está "tomada" por facção
No despacho proferido no último dia 12 de julho, o delegado Igor Fernandes considerou que a cidade de Hidrolândia se encontra "tomada" por uma organização criminosa carioca, após vencer a batalha contra uma facção rival paulista.
"Não se pode, também, perder de vista os contínuos esforços empreendidos pela Polícia Civil juntamente com a Polícia Militar a fim de livrar os cidadãos hidrolandeses do jugo do crime organizado, onde diversos mandados de prisão foram expedidos para os membros (sic) atuantes, estando muitos deles presos ou foragidos em favelas do Rio de Janeiro", argumenta.
O delegado cita que a única viatura da PMCE que existe no Município foi acionada para uma denúncia de que suspeitos que estavam dentro de um carro Volkswagen Gol, de cor preta, estariam efetuando disparos de armas de fogo, no bairro Nova Hidrolândia.
No entendimento desta AP, ao que parece até o momento (sic), os policiais militares encontravam-se em uma situação de erro de tipo permissivo, uma vez que imaginaram estar diante de um confronto com criminosos armados que estariam colocando suas vidas em risco. Por óbvio, há que se apurar melhor a forma pela qual se deu a abordagem ao referido veículo, a fim de se caracterizar tratar-se de erro escusável ou inescusável. Entretanto, tal apuração minuciosa deverá ser desenvolvida no bojo do Inquérito Policial Militar.
Justiça ainda não decidiu sobre pedido de prisão
O Ministério Público do Estado (MPCE), através da Promotoria de Justiça Militar, que apura somente os crimes militares, pediu pela prisão preventiva dos dois soldados da Polícia Militar envolvidos na ocorrência, no dia 11 deste mês. Entretanto, o juiz da Auditoria Militar do Ceará ainda não decidiu sobre o pedido e disse, em um despacho no último dia 13, que irá esperar a manifestação da defesa no processo para tomar uma decisão. A defesa foi intimada para se manifestar em cinco dias úteis.
Conforme o pedido de prisão do promotor de Justiça Sebastião Brasilino, o caso é de "nítido clamor público", abalou a hierarquia e a disciplina e denotou "desapreço ao comando legal sobre a razoabilidade e proporcionalidade no emprego das armas de fogo".