A Justiça decidiu condenar uma dupla de policiais militares acusada de atirar em dois jovens e uma criança que estavam dentro de um carro, durante abordagem na cidade de Hidrolândia, Interior do Ceará. De acordo com o juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, os PMs não agiram com dolo, ou seja, não tiveram a intenção de ferir as vítimas. A denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) apontou que as lesões foram gravíssimas.
Conforme decisão proferida na Vara da Auditoria Militar do Ceará, os soldados José Ferreira da Silva Filho e Jonas Ferreira Soares foram condenados por três crimes de lesão corporal grave. Consta na mesma decisão que os militares foram absolvidos em relação ao crime de dano, “por estar extinta a punibilidade em face da prescrição”.
Para cada um dos condenados a pena é de dois anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto. Não foi decretada a perda do cargo, já que o magistrado entendeu "desnecessário, diante das circunstâncias dos fatos e da primariedade dos réus, facultando ao Ministério Público a representação para tal fim".
Ficou determinada a suspensão dos direitos políticos aos réus enquanto durar a condenação e que eles devem arcar com o pagamento das custas processuais
A reportagem entrou em contato com os advogados de defesa.
[ATUALIZAÇÃO às 16h20]
Após publicação da reportagem, o advogado Athila Bezerra, da defesa de José Ferreira disse respeitar a decisão, "contudo, analisando todo conjunto probatório e o contexto dos fatos, a Defesa sempre arguiu pela absolvição do Senhor Jose Ferreira Silva Filho, exerceu o estrito cumprimento do dever legal durante a ocorrência. Ratificamos a tese levantada desde o início do processo, apesar de não ter sido acolhida pelo Magistrado, respeitamos os fundamentos que ensejaram na condenação. Contudo, iremos recorrer da referida sentença e buscar absolvição do Senhor Jose Ferreira Silva Filho, sempre desempenhou com maestria seu trabalho enquanto Policial Militar do Estado do Ceará".
[ATUALIZAÇÃO 09/10/2024, às 10h40]
Após a publicação da reportagem, a defesa do policial militar Jonas Ferreira Soares, representada pelo advogado Abraão Jhoseph Martins, enviou nota em que afirma que "respeita a decisão proferida pela Justiça Militar em primeira instância, porém discorda veementemente de pontos cruciais que foram desconsiderados durante o julgamento. As circunstâncias em que os disparos ocorreram, em um contexto de alta periculosidade e em cumprimento do dever legal, foram negligenciadas, assim como a legítima defesa, amplamente respaldada pelo cenário de tensão enfrentado no momento da abordagem".
"Além disso, foram apontadas falhas graves na condução das provas, especialmente em relação à quebra da cadeia de custódia do veículo das supostas vítimas, que permaneceu sob controle de terceiros antes de ser periciado. As contradições nos depoimentos também foram ignoradas, o que, para a defesa, compromete a versão apresentada e aceita em juízo", acrescentou a defesa.
Segundo o advogado, "infelizmente, os detalhes da ocorrência não foram adequadamente divulgados pela imprensa à época, levando a uma percepção pública equivocada e distante da verdade. Diante das lacunas da sentença, está sendo elaborado um recurso robusto, com a certeza de que a absolvição de Jonas Ferreira Soares será alcançada em instâncias superiores, onde todos os pontos não abordados na decisão inicial serão devidamente apreciados. Reiteramos nosso respeito à Justiça Militar, confiando que, em sede recursal, haverá a correção dos equívocos apontados".
'ABORDAREM DESASTROSA'
Na época do fato, em 2021, o então governador do Ceará pediu “rigor absoluto na investigação” e a abordagem foi tida como “desastrosa”, tendo uma das vítimas perdido a visão do olho direito.
Conforme as provas anexadas aos autos, sete disparos atingiram o veículo onde estavam as vítimas. De acordo com o MP, "a ação consciente dos acusados se mostrou desastrosa e legítima, vez que resultou em lesionar gravemente três pessoas, uma delas uma criança".
A família das vítimas considera que o fato não se resumiu a 'lesões graves' "posto que os agressores claramente quiseram ou, no mínimo, assumiram o risco de matar as vítimas".
Ainda quando apresentada a denúncia, a família destacou que foram consideradas como vítimas apenas as atingidas pelo disparos, mas que haviam mais pessoas dentro do veículo alvejado e que só não foram atingidas "por circunstâncias alheias à vontade dos acusados. Foram cinco vítimas, e não três".
Os três atingidos tinham 21, 22 (que ficou com uma bala alojada na coluna) e 10 anos (fraturou a mandíbula e foi atingido por uma bala, no pescoço), na época dos fatos. Dentro do carro também estava uma mulher grávida.
ACUSAÇÃO
Consta nos autos que a composição foi acionada para atender a uma ocorrência de supostos disparos de arma de fogo. No entanto, as vítimas "afirmaram que estavam brincando com bombinhas, que fazem o estampido comumente conhecido por qualquer homem médio, ocasião em que, ao cruzarem com a viatura, a composição formada pelos acusados, voltou-se contra o veículo descarregando vários tiros, o que ficou claro a partir dos depoimentos e laudos constantes dos autos". Sete tiros atingiram o carro.
Na versão dos PMs, eles deram ordem de parada aos supostos atiradores, "mas a determinação não foi atendida. Assim, a guarnição policial fez um disparo para o alto com o escopo de intimidar os componentes do referido automóvel particular. Então com receio de serem alvejados pelo grupo, realizaram vários disparos em direção ao veículo".
Em julho de 2021, o pai de uma das vítimas disse ao Diário do Nordeste que o filho "é um rapaz exemplar, não andava fazendo bagunça, não tinha problemas com bebidas. Vivia mesmo era brincando, que era o que ele estava fazendo ontem com os demais. Não houve sequer uma abordagem policial", relatou.
A defesa do policial José Ferreira disse que o PM prestou socorro aos ocupantes do carro e que não teria sido ele o responsável pelas lesões, mas sim os tiros vindos da arma do outro soldado.
Já os advogados de Jonas, nos memoriais finais, alegaram "quebra na cadeia de custódia da perícia realizada no veículo da vítimas, além de irregularidades na investigação; alegou também legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal durante a ação, tendo em vista a urgência da situação e a necessidade de proteger a ordem pública e sua própria integridade física".