PM já assina TCOs há mais de dois anos no interior do CE; SSPDS afirmou antes ainda analisar o caso

O impasse veio à tona com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que define não ser mais exclusividade da Polícia Judiciária o registro de ocorrências

No final do último mês de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou favorável a não exclusividade dos registros de Termos Circunstanciados de Ocorrências (TCOs) pela Polícia Judiciária. Após a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informar que ainda estava analisando a autorização por parte da Polícia Militar do Ceará (PMCE), o Órgão afirmou que a Corporação já tem essa atribuição há mais de dois anos no interior do Estado.

Anteriormente, a Secretaria havia informado que a possibilidade de lavratura de TCOs por parte de PMs "é um assunto que vem sendo discutido internamente"  e que quando houvesse uma definição sobre o caso, o Órgão divulgaria a decisão. Na tarde dessa quinta-feira (9), contudo, a Instituição afirmou que a Polícia Militar já assina os termos no Ceará em 10 municípios.

Conforme a SSPDS, o TCO é o registro de um fato sancionado  como infração penal de menor potencial ofensivo, ou seja, contravenções penais e crimes que podem apresentar pena máxima de até dois anos, passível ou não de multa, como, por exemplo, perturbação do sossego alheio e ameaça.

Segundo a Pasta, as cidades em que PMs realizam a lavratura desses registros são Barroquinha, Catunda, Chaval, Granja, Hidrolândia, Martinópole, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Santa Quitéria e Camocim, que foi a precursora das assinaturas por parte da Polícia Militar no Ceará, em 6 de janeiro de 2018. 

De acordo o 1º tenente Pedro Moura, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (ASSOFCE),  a decisão do STF serve para reforçar o papel de registro de ocorrências que a Polícia Militar já vinha exercendo há alguns anos, a exemplo de outros estados do País. Ele pontuou ainda que tal exercício é permitido pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) desde 2018.

"A PM já tem lavrado o TCO há algum tempo e em algumas unidades resultado do provimento da Corregedoria-Geral, do TJCE . No entanto, resistências externas tentam evitar que esse avanço, presente em 12 estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul desde 1999, alce a Polícia Militar do Ceará ao patamar de polícias de primeiro mundo na prestação de serviço à sociedade cearense", informou o presidente da ASSOFCE.

Agilidade nas ocorrências

Segundo o tenente, a lavratura de TCOs por parte de PMs traz inúmeras consequências positivas para a população e pontuou a dificuldade que a Corporação enfrenta nos municípios cearenses, sem, muitas vezes, delegacias plantonistas.

"Aqui no Ceará, em diversas cidades, não possuímos delegacias plantonistas, fato esse que obriga os policiais militares, ao se depararem com uma ocorrência de menor potencial ofensivo, a ter que conduzir o infrator por até 200 quilômetros, deixando muitas vezes a cidade sem o devido  policiamento, tudo isso para lavrar o TCO", afirmou o tenente.

O presidente da ASSOFCE frisou ainda que a dificuldade em desenvolver o registro de TCOs pela PM culmina na lentidão do processo de diligências.

"Atribuir a exclusividade do TCO ao delegado de polícia subverte não apenas o modelo dos juizados especiais criminais, mas implicam em onerosidade e ineficiência da Administração na resolução dos conflitos de menor potencial ofensivo, que contaminam o cotidiano social e podem aumentar o estado de insegurança, hoje a prioridade do brasileiro", salientou o tenente.

Conforme a Secretaria, somente na área da 2ª Companhia Independente de Polícia Militar do 3º Comando Regional de Polícia Militar (CIPM/3°CRPM), a qual cobre os municípios de Camocim, Granja, Martinópole, Barroquinha e Chaval, em 2020, 150 TCOs já foram lavrados pela Polícia Militar. 

O Órgão informou em nota que a "lavratura desses procedimentos pela PMCE permite que o atendimento ao cidadão seja feita no local da infração, sem necessidade de deslocamento até uma delegacia", além d a manutenção do aparato policial em sua área de atuação.

A SSPDS disse ainda que o registro de TCOs por parte da PM possibilita que  "a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) foque em trabalhos de maior relevância, como a investigação criminal de delitos de maior potencial ofensivo e outras atividades inerentes à função de Polícia Judiciária".

Posições desfavoráveis

Em contraponto, a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará (Adepol-CE) considerou que a decisão do STF é falha e recobrou o fato de ter havido voto contrário, como do ministro Marco Aurélio. 

Segundo o delegado Gustavo Augusto Pernambuco, presidente da Adepol, a lavratura de TCOs é um procedimento investigatório e, por isso, é um erro que não seja tratado como parte da investigação.

"A Adepol acredita que TCO é um procedimento de deflagração de denúncia pelo Ministério Público, ele serve para uma denúncia. O Judiciário querer implementar isto é um retrocesso sem cabimento. O trâmite precisa passar pela Polícia Judiciária. Não é uma peça informativa, é o início de uma investigação. TCO não termina no ato da feitura", afirmou Gustavo Augusto.

Para reforçar o posicionamento contrário do STF, o  advogado criminalista Leandro Vasques afirmou que a conclusão da Suprema Corte está em dissonância com o sistema de competências estabelecido na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. 

"O termo circunstanciado de ocorrência, embora seja procedimento de menor complexidade, tem, sim, natureza investigativa, exigindo um prévio exercício da judicatura material, com a análise da conduta e dos fatos, aplicação de regras jurídicas e com a indicação do ilícito penal apurado."

A equipe de reportagem contatou a Polícia Civil, mas, até a publicação dessa matéria, a Instituição não se manifestou.