MPCE espera que 'Chacina da Messejana' seja julgada em 2021

Matança completa cinco anos e segue sem julgamento. TJCE alega que número de recursos ingressados pelas defesas e complexidade dos processos adiaram as sentenças. PMs acusados pelos crimes aguardam em liberdade

Cinco anos da Chacina da Messejana. 11 vidas que não voltam - o mesmo número de famílias despedaçadas. E 34 réus que ainda não foram julgados e respondem em liberdade. A expectativa do Ministério Público do Ceará (MPCE) é que esse panorama mude em 2021 e que a Justiça Estadual chegue às sentenças.

>> Ação judicial exige que Estado peça perdão público pela chacina

O promotor de Justiça da 1ª Vara do Júri, Marcus Renan Palácio, afirma que "existe a possibilidade de o processo ser levado a Júri no próximo ano, se, eventualmente, restarem esgotadas as instâncias recursais". "O Ministério Público do Estado do Ceará se solidariza aos familiares das vítimas e espera que o caso seja levado a júri, repita-se, provavelmente, no próximo ano", completa o promotor.

De acordo com a denúncia do MPCE, apresentada ainda em 15 de junho de 2016 (sete meses após a matança), policiais a serviço e de folga se reuniram motivados por vingança, devido à morte do soldado PM Valtemberg Chaves em um assalto no bairro Lagoa Redonda (próximo a Messejana), na noite de 11 de novembro de 2015. E decidiram procurar os responsáveis pelo crime na região, quando escolheram vítimas aleatórias para se vingar e matá-las, na madrugada de 12 de novembro.

"Os autos foram ofertados com fundamento nas robustas provas testemunhais e periciais, além de outros elementos, todas colhidas no inquérito da Delegacia de Assuntos Internos da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário, e ratificadas em juízo. Todas as circunstâncias encontram-se suficientemente consubstanciadas no processo, a permitir a responsabilização dos acusados pelas práticas dos crimes apontados nos respectivos autos", conclui Marcus Renan.

Por outro lado, as defesas dos policiais acusados pela Chacina, representadas por advogados particulares, alegam que a denúncia do Ministério Público não individualizou a conduta dos acusados; que os assassinatos aconteceram em pontos distintos e que não houve tempo para os PMs estarem em vários crimes ao mesmo tempo; e que policiais no exercício da função estavam atendendo às ocorrências de homicídios na região.

Processos

Os réus estão divididos em três processos criminais, conforme as participações nas mortes. A 1ª Vara do Júri, da Justiça Estadual, decidiu levar 44 dos 45 acusados a julgamento, entre abril de 2016 e maio de 2017. Mas os PMs entraram com recursos contra as pronúncias no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), quando dez deles conseguiram reverter a decisão de ir a júri popular - sobrando 34 - na 3ª Câmara Criminal, em outubro de 2019.

"As decisões da 3ª Câmara Criminal foram desafiadas por diversos Recursos Especiais, que seguem para fase de admissibilidade recursal pela vice-presidência do Tribunal e, caso sejam admitidos, os autos serão enviados ao Superior Tribunal de Justiça. Logo, o retorno dos autos à 1ª instância depende do exaurimento desse trâmite que, invariavelmente, deve observar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa", informa o TJCE em nota.

Questionado sobre a demora no julgamento do processo, o Órgão esclarece que "os fatos ocorreram há quase cinco anos, todavia, os inúmeros recursos atinentes aos processos, dentre os quais os recursos de embargos de declaração contra a decisão no recurso em sentido estrito, ainda completarão dois anos de tramitação no TJCE, no próximo dia 12".

Luta

Uma das vítimas da Chacina da Messejana foi Álef Sousa Cavalcante, morto aos 17 anos. O adolescente tinha o sonho de servir ao Exército Brasileiro, mas acabou por virar nome de uma rua do bairro São Cristóvão da forma como não pretendia.

"Quando você gera um filho, você já começa a idealizar o sonho que você tem para o seu filho, como ele vai nascer, o jeito de falar, de andar. Quando você coloca o filho nos braços, é um sonho realizado. O seu sonho (agora) é envelhecer e seu filho cuidar de você. E a Polícia vem matar meu filho. Dentro de segundos, tira sonho, destrói famílias. A sua vida não tem mais sentido", afirma a mãe de Álef, Edna Sousa.

Edna é um dos pilares do grupo 'Mães do Curió', que reúne familiares das vítimas da Chacina para lutar por justiça. "Quando a gente foi intitulada, eu disse: 'Vamos levantar o movimento, porque tem outras famílias que a gente não conhece, tem duas vítimas que a gente não tem contato com a família. Vamos levantar o movimento para lutar por todas as vítimas. A gente tinha que se unir, era o que a gente tinha naquele momento, para cada uma dar força à outra", relata.

564 adolescentes assassinados no Ceará em 2020

Das 11 vítimas da Chacina da Messejana, oito eram adolescentes, que tinham entre 16 e 19 anos. A Semana Cada Vida Importa, realizada anualmente na semana do dia 12 de novembro em alusão à matança ocorrida em 2015, revela que 564 adolescentes (faixa de 10 a 19 anos) foram assassinados no Ceará, entre 1º de janeiro e 28 de outubro de 2020. O número representa 16,9% do total de vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) do Ceará no ano corrente, que é de 3.334.

O evento, realizado pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), da Assembleia Legislativa, em parceria com o Governo do Estado e iniciativas da sociedade civil, promove discussões sobre os homicídios na adolescência e acerca das ações possíveis para prevenir mais casos.

A Chacina da Messejana não sai da pauta da Semana, a cada ano. "É sempre importante lembrar desse evento trágico, dessa chacina, desse massacre, que tirou a vida de oito adolescentes, que estavam entre as 11 vítimas. A gente faz esse chamado pela memória dessas vítimas e para pedir justiça e acolher os familiares. As mortes por intervenção policial ou em uma chacina como a da Messejana, ações fatais violentas, quando envolvem o agente público, que está servindo o Estado para proteger a população, a gente não pode aceitar, é intolerável isso", destaca o coordenador técnico do CCPHA, sociólogo Thiago de Holanda.

Segundo Holanda, neste ano, a Semana Cada Vida Importa tem como enfoque a discussão sobre homicídios cometidos em intervenções policiais, que têm muitas vezes os jovens como vítimas. "Dentro desse contexto que vivemos hoje, de grupos armados dominando e disputando territórios, a resposta do Estado tem sido também de violência, de recrudescimento, de ampliação das suas forças ostensivas nesse território. Isso tem gerado mais confrontos, mais tiroteios, mais mortes", critica.