Em um caso que segue sem desfecho há quase nove anos, a Justiça do Ceará negou no último dia 7 de fevereiro um segundo recurso da defesa de quatro policiais militares (PMs) acusados de matar e ocultar corpo do frentista João Paulo de Sousa Rodrigues no bairro Parque Santa Rosa, em Fortaleza, em 2015, e os agentes de segurança irão a julgamento. Eles protestaram contra sentença que os pronunciou, ou seja, confirmou que eles serão julgados, e alegam "insuficiência de provas".
O primeiro recurso contra a pronúncia foi recusado no dia 30 de agosto de 2023, e em seguida a defesa dos PMs entrou com um embargo declaratório contra a negativa, alegando contradições e também a falta de acesso a gravações interceptadas durante a investigação.
De acordo com a decisão mais recente, proferida pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), e assinada pela desembargadora Vanja Fontenele Pontes, os recursos possuem uma "clara pretensão" de protelar o processo.
O TJCE indicou, em nota, que após as apelações, agora o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), assistência de acusação e defesa dos acusados devem "juntar as provas e testemunhas que serão apresentadas em plenário (julgamento pelo Tribunal do Júri)".
"A data para o julgamento, uma vez que o acórdão que manteve a decisão de levá-los ao júri popular transitou em julgado, deve ser designada após manifestação das partes, pelo Colegiado da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, unidade onde o processo tramita", aponta o Tribunal.
O Diário do Nordeste entrou em contato com a defesa dos PMs Antônio Ferreira Barbosa Júnior, Elidson Temoteo Valentim, Francisco Wanderley Alves da Silva e Haroldo Cardoso da Silva para solicitar um posicionamento, mas até a publicação desta matéria não recebeu resposta.
Crimes
Segundo a denúncia oferecida pelo MPCE e acatada pela Justiça Estadual, os PMs vão a júri pelos por homicídio duplamente qualificado, ocultação de cadáver, roubo majorado e organização criminosa. O roubo é justificado nesse caso, conforme as investigações, pois a moto da vítima também sumiu com ele.
Em nota, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), que indiciou os PMs por homicídio no dia 30 de novembro de 2015, mesmo ano do sumiço do profissional, informou que atualmente corre um processo administrativo disciplinar contra os agentes.
O procedimento "instaurado para apurar os fatos, encontra-se em fase de instrução processual, seguindo o ordenamento jurídico vigente". Quando indiciou os militares, a CGD concluiu que a vítima foi morta após sofrer sessões de tortura.
Como o frentista desapareceu?
O crime ocorreu há quase nove anos, quando o frentista se deslocava em sua motocicleta ao posto de combustível no qual trabalhava, no dia 30 de setembro de 2015. Câmeras de segurança flagraram ele sendo abordado por policiais em uma viatura e depois entrando em um veículo, pertencente a um PM, e o jovem não foi mais visto.
"Em síntese, a dinâmica dos fatos sustentada pela acusação mostra que há elementos mínimos de prova indicando que a vítima João Paulo foi abordada pela composição de policiais militares Wanderley, Ferreira e Valentim (viatura 14071), algemada e conduzida para o interior do veículo Pálio de cor preta pertencente ao policial militar Haroldo, permanecendo algemada no veículo particular", disse o Juízo da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, na sentença de pronúncia.
João Paulo trabalhou em um posto de combustíveis roubado cinco vezes, em Maracanaú. Em fevereiro de 2015, ele trocou de estabelecimento e começou a trabalhar no bairro Parque Santa Rosa em um posto de propriedade de Severino Almeida Chaves, conhecido como "Ceará".
No dia 13 de setembro daquele ano, o estabelecimento foi assaltado, e a quantidade de crimes ocorridos na presença de João Paulo fez o empresário desconfiar do empregado e encomendar a sua morte, segundo a denúncia do MPCE. À época dos fatos, a mãe do jovem chegou a relatar em entrevista ao Sistema Verdes Mares que o filho sofria de gagueira desde criança, e que esse fato fez com que o ex-patrão achasse que ele estava envolvido no roubo.
O empresário Severino, entretanto, não será levado a julgamento, pois foi impronunciado por ausência de indícios suficientes de sua participação nos crimes, de acordo com a Justiça.
Sonhos interrompidos
Quase nove anos sem respostas, a auxiliar de serviços gerais Margarida de Sousa, mãe de João Paulo, ainda sofre com o sumiço "sem explicações" do filho. Em entrevista ao Diário do Nordeste, ela conta que anseia pela data do julgamento e fala que "já colocou tudo nas mãos de Deus". Os parentes não tiveram como velar o corpo do jovem, que à época tinha 20 anos e havia acabado de ter uma filha e começado a construir sua família, algo que sonhava.
Nove anos é quase uma década, né? Então, é doloroso, é muito doloroso a gente ficar esperando por algo que até hoje não foi resolvido, né? Ainda dói mais por conta que não pudemos velar porque sumiram com ele e a gente não encontrou o corpo. É mais doloroso ainda porque quando você perde alguém que você consegue velar e guardar naquele cantinho ali que você vai saber que está guardado
A dor da perda "acabou com os sonhos da família", segundo Margarida. Quando desapareceu, João Paulo tinha uma filha de apenas meses de idade: "Um jovem que começou a trabalhar muito cedo, começou a trabalhar muito cedo, acabaram com o sonho dele, o sonho de construir a família dele, fazia pouco tempo que ele tinha construído a família dele. Tinha a filhinha dele, né?".
Margarida segue negando qualquer envolvimento do filho com atividades criminosas. "Um menino trabalhador, cidadão trabalhador, que só ia de casa para o trabalho. Ele não era um jovem de farra, ele não bebia, ele não fumava, ele não andava em festa. O único divertimento do João Paulo que ele tinha, às vezes, era jogar uma bolinha", relembra.
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