As unidades prisionais superlotadas são consequência da maior atuação de mulheres nas ações criminosas. Hoje, o IPF tem capacidade para 374 presas. No entanto, atua com excedente de 457 presas, ou seja, 122% a mais. Nas cadeias, a situação não é diferente. Há 102 mulheres presas a mais do que o suportado nos espaços
A superlotação mostra que as penitenciárias não foram preparadas para abrigar centenas de responsáveis pela violência que se alastra nas ruas. Ao compararmos o número atual ao de dez anos atrás, quando 399 mulheres estavam presas, fica mais perceptível o quão o público feminino aderiu ao ‘mundo do crime’.
De acordo com o levantamento do Tribunal da Justiça do Ceará (TJCE), enquanto no primeiro semestre de 2016 foram presas 457 mulheres, em igual período deste ano, o número saltou para 850. O Tribunal afirma que os crimes de tráfico e associação para o tráfico são os mais comuns pelos quais elas são condenadas.
Para o professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gustavo César Machado Cabral, o perfil da mulher encarcerada é delimitado por questões socioeconômicas. Cabral explica que há uma relação direta entre pobreza e encarceramento e que, na maioria das vezes, as detentas têm participação coadjuvante no tráfico de drogas.
“Cresce o tráfico, cresce o número de encarcerados como um todo. E essa participação delas na traficância vai além do relacionamento marido e mulher”, diz o professor de Direito, sobre o desempenho feminino nas organizações criminosas. Conforme o presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen), Cláudio Justa, essa alta resultou, no IPF, a proporção de 100 mulheres asseguradas para cada agente penitenciária na unidade.
Estudo
Em 2014, o Ministério da Justiça divulgou o levantamento nacional de informações penitenciárias por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Conforme os últimos dados divulgados, havia 37.380 mulheres presas no País. À época, o Brasil era o 5º do mundo com maior população prisional feminina, estando atrás apenas de EUA, China, Rússia e Tailândia.
As informações atentam para uma faixa etária específica de mulheres presas. Conforme o Ministério da Justiça, 50% das mulheres encarceradas no Brasil têm entre 18 e 29 anos e não chegaram a completar o Ensino Médio. 68% das encarceradas são negras, ou seja, a cada três presas, duas são desta cor.
Aos 27 anos, Marizete Maciel Maia conta como era a sua rotina no IPF nas duas vezes em que esteve presa. A primeira detenção dela teve início em 2010, durou quatro anos e seis meses e foi causada por um roubo. Em 2015, Marizete terminou de cumprir a pena imposta pela Justiça. Entretanto, em abril do ano seguinte, ela já retornava ao IPF. Desta vez, por cometer estelionato.
Para Marizete, os seis meses da segunda prisão foram os piores da sua vida. Nessa época, ela percebeu que o perigo e violência haviam tomado conta da Penitenciária.“Comparando as duas vezes, eu vi de perto que está ainda mais superlotado. Em 2010, era raro o consumo de drogas lá dentro. Agora, tem todos os tipos de drogas, armas. O consumo é livre. Os agentes não conseguem mais dar conta. Na cela, onde é para caber quatro, tem doze mulheres. A sensação era de viver em um inferno”, disse a ex-presidiária, que, atualmente, aguarda julgamento pelo crime de estelionato em liberdade.
Insegurança
O professor Gustavo César Machado Cabral lembra que o aumento no número de detentos não fez com que a sensação de segurança nas ruas crescesse. Com isso, o especialista questiona a eficácia do aprisionamento. “Qualquer pessoa em condição de superlotação tem a recuperação comprometida. A gente vive em um dilema. Ao mesmo tempo que se quer livrar a sociedade dos criminosos, não se quer mais gastar com eles. Sem o tratamento adequado, a ressocialização fica mais difícil”, apontou Cabral.
Conforme Marizete, na Penitenciária, a segurança fica por conta das facções. “Se você é de facção, está protegida e é respeitada. Briga por droga é normal lá dentro. É torcer para ficar em alguma ala dominada por organização criminosa. Ainda bem que consegui sair logo dessa vez e aguardar meu julgamento aqui fora”, afirmou.
A Defensoria Pública Geral do Ceará lembra que cerca de 75% das presas do IPF são provisórias, ou seja, são mantidas lá sem terem sido julgadas. 50% do total estão encarceradas pela primeira vez. A maioria das presas são de Fortaleza.
“Temos visto que muitas mulheres vêm sendo presas com pequenas quantidades de drogas. Essa explosão no número de presas, com certeza, é pela caçada aos entorpecentes. “Se acreditavam que o aprisionamento ia reduzir índices de criminalidade, foi um ledo engano. Hoje, o cenário é: a população carcerária explodiu e a violência aumentou. Não é possível gerir algo que se tenha perdido o controle da demanda”, alega a defensora pública Gina Moura, responsável por realizar atendimentos na Unidade Prisional.
Encarceramento precário mantém ciclo de violência
Não há a menor possibilidade de um presídio, feminino ou masculino, buscar a ressocialização de presos com superlotação. É ilusório pensar que o encarceramento em massa, como vem sendo feito no Brasil nos últimos 30 anos, produzirá algum efeito benéfico à sociedade.
A droga assume papel preponderante na escalada de encarceramento da mulher. A sensação de que, excluindo, estaremos fazendo uma depuração social é meramente imaginária. O que se está fazendo, na verdade, é um depósito de presos, que, quando soltos, não terão a mínima perspectiva de ressocialização e, assim, serão facilmente reencaminhados para o crime.
No caso da prisão da mulher, muitas vezes, isso irá desestruturar uma família, perpetuando o ciclo de violência e prisão, já que os filhos ficarão com parentes da detenta ou até mesmo abandonados.
Nestor Santiago
Advogado criminalista
Liderança e mais espaço nas facções
O estreitamento da relação entre mulheres e o tráfico de drogas aponta para alterações nas funções ocupadas pelo público feminino dentro das facções. Se antes elas eram conhecidas por atuarem como 'mulas', ou seja, se limitavam à função do transporte dos entorpecentes, hoje ocupam cargos de chefias nas organizações criminosas.
A variante é observada pelo presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), advogado Cláudio Justa. Segundo ele, o incremento do tráfico e a difusão das facções no Ceará revelaram a necessidade de manter pessoas com vínculo estreito de confiança na liderança.
Em motim registrado na última quinta-feira (10), mulheres entraram em conflito e queimaram colchões no Instituto Penal Feminino (IPF), em Aquiraz
"São micros e macros negócios. São elas que dão assistência e permanecem com o trabalho caso o companheiro 'caia'. Eles não se importam com a questão de gênero. Se a mulher for funcional, recebe destaque. São elas as substitutas naturais que vêm ocupando cargos de gerenciamento e agindo ativamente", afirma Cláudio Justa.
A presença das mulheres nas facções atenta para outro problema. Hoje, no Ceará existe apenas uma penitenciária feminina, que mantém detentas rivais. "Com o conflito da última semana no Auri Moura Costa, vimos que estamos diante do mesmo risco que há nas unidades masculinas. Essas mulheres podem começar a se matar lá dentro e a qualquer momento ocorrer uma chacina", acredita o presidente do Copen.
De acordo com a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus), para desafogar o Sistema Penitenciário, em outubro de 2017 serão entregues 502 novas vagas para mulheres presas. A Pasta ressalta ainda que, em Juazeiro do Norte, há uma Cadeia Pública exclusivamente feminina.