No dia 12 de agosto de 2001, seis empresários portugueses desembarcavam em Fortaleza para conhecer a cidade turística. O sonho das férias se transformou em filme de terror. Doze dias depois, eles seriam encontrados mortos, dentro de uma cova, na barraca Vela Latina, na Praia do Futuro. A Chacina dos Portugueses, como ficou conhecida, chocou o mundo.
As vítimas foram identificadas como: Joaquim da Silva Mendes, Vitor Manuel Martins, Manuel Joaquim Barros, Joaquim Fernandes Martins, Joaquim Manuel Pestana da Costa e Antônio Correia Rodrigues.
Após 20 anos, três condenados pelos crimes seguem presos no Ceará - inclusive o idealizador da Chacina, o também português Luiz Miguel Militão Guerreiro. Enquanto os outros dois acusados progrediram para o regime semiaberto. As informações foram confirmadas pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e da Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP).
O grupo foi condenado pelos crimes de latrocínio, concurso de pessoas, concurso material, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. A pena total foi de 642 anos de prisão, determinada em sentença da 4ª Vara Criminal de Fortaleza, no dia 20 de fevereiro de 2002, apenas seis meses depois da Chacina.
Confira a situação de cada réu:
Luiz Miguel Militao Guerreiro - condenado a 150 anos de prisão
Pena cumprida: 22 anos, 4 meses e 25 dias
Pena restante: 127 anos, 7 meses e 5 dias
Cumpre pena em regime fechado (preso)
Leonardo Sousa dos Santos - condenado a 120 anos de prisão
Pena cumprida: 21 anos, 6 meses e 28 dias
Falta cumprir: 98 anos, 5 meses e 2 dias
Cumpre pena em regime fechado (preso)
José Jurandir Pereira Ferreira - condenado a 120 anos de prisão*
Cumpre pena em regime fechado (preso)
Manoel Lourenço Cavalcante - condenado a 120 anos de prisão
Pena cumprida: 22 anos, 8 meses e 17 dias
Pena restante: 97 anos, 3 meses e 13 dias
Cumpre pena em regime semiaberto
Raimundo Martins da Silva Filho - condenado a 132 anos de prisão
Pena cumprida: 19 anos, 11 meses e 28 dias
Pena restante: 120 anos e 2 dias
Cumpre pena em regime semiaberto
*A assessoria de comunicação do TJCE não forneceu informações sobre a quantidade de tempo de pena que foi cumprida e que resta cumprir de um condenado pelos crimes.
Remição e progressão de pena dos acusados
Alguns dos réus já cumpriram mais de 20 anos da pena, devido a remição de pena proporcionada pelo trabalho e pela educação no presídio. Um deles é o português Luiz Miguel Militão, que cursou duas faculdades e também trabalhou no cárcere, em busca da ressocialização.
A advogada de defesa de Luiz Militão, Alexandrina Cabral Pessoa de França, não quis comentar sobre a acusação e o período que o cliente está no presídio. Já as defesas dos demais acusados não foram localizadas.
O professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Federal do Ceará (UFC) e advogado criminalista Nestor Santiago explica que, apesar das condenações de 120 a 150 anos de prisão, "de acordo com a modificação no Código Penal pelo Pacote Anticrime, que é de dezembro de 2019, o máximo que uma pessoa pode cumprir de pena, de prisão, é 40 anos".
Entretanto, no caso dos acusados pela Chacina dos Portugueses, a pena máxima é de 30 anos de prisão, já que os crimes são anteriores ao Pacote Anticrime, salienta Santiago.
Se formos levar em consideração que uma pessoa vai ficar presa por 80, 90, 120 anos, isso equivale a uma prisão perpétua. E a própria Legislação proíbe a prisão perpétua.
Santiago explica que, se houver a progressão de pena para os regimes semiaberto e aberto, a pena continua a ser cumprida. "Essa progressão tem que ser feita de acordo com a pena efetivamente aplicada. Nós temos vários percentuais (de cumprimento da pena), que também foram modificados pelo Pacote Anticrime, que vão desde 16% (ou seja, 1/6 da pena), quando a pessoa é primária e tem bons antecedentes, até 50%, para pessoas que tenham praticado crimes hediondos, como é o caso do homicídio qualificado", completa.
Com isso, Luiz Militão pode pleitear a progressão para o regime semiaberto quando cumprir 25 anos da pena (1/6 da pena total), o que deve acontecer antes do fim de 2024.
Português foi 'arquiteto do diabólico plano', diz MPCE
Luiz Miguel Militão é considerado o idealizador da matança. Conforme a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), o português que já morava em Fortaleza e era proprietário da barraca Vela Latina, foi o "arquiteto do diabólico plano", ao convidar os compatriotas a Fortaleza com a promessa de que eles iam se divertir, mas o objetivo era roubá-los.
Assim que os portugueses chegaram a Fortaleza, logo foram levados por Militão para a barraca, onde aconteceria uma festa para a chegada dos mesmos. Mas eles não passaram nem duas horas e meia em solo cearense com vida. Os empresários acabaram surpreendidos por homens que invadiram a barraca e anunciaram um assalto.
O proprietário do estabelecimento fingiu que também era vítima do roubo. Enquanto os outros homens subtraíram pertences dos estrangeiros - principalmente cartões bancários e de crédito - e os agrediam com facadas, pauladas e, por fim, tiros. A investigação policial aponta ainda que algumas das vítimas foram enterradas vivas, em covas feitas atrás da cozinha da barraca de praia.
Nos dias seguintes, na posse dos cartões de crédito e das senhas bancárias, Militão realizou diversos saques bancários e compras, inclusive de joias para a esposa, segundo a Polícia Federal (PF), que seguiu o rastro do dinheiro para prendê-lo.
Prisões e a descoberta dos corpos enterrados
A primeira prisão pela Chacina dos Portugueses foi do segurança Leonardo Sousa dos Santos, conhecido como 'Tronco', que detalhou à Polícia Federal como se deu a ação criminosa. No mesmo dia, os policiais capturaram outro segurança, José Jurandir Pereira Ferreira. A dupla trabalhava em barracas de praia e teria executado os portugueses.
Luís Miguel Militão foi detido no Município de Tuntum, no Maranhão, junto da esposa, no dia 22 de agosto. No início, ele negava participação no crime e sustentava a versão de que também era vítima do assalto que terminou nas mortes.
Por fim, também foram presos o cunhado e sócio do português na barraca de praia, Manoel Lourenço Cavalcante, o 'Cláudio'; e o terceiro segurança, Raimundo Martins da Silva Filho, considerado o executor mais violento, que utilizava inclusive uma arma de fogo.
Os corpos dos seis empresários portugueses foram descobertos somente no dia 24 de agosto de 2001, encerrando a incerteza dos familiares que estavam em outro continente e que procuraram a Polícia brasileira ainda no dia 16 de agosto anterior. O Corpo de Bombeiros Militar precisou ser acionado para retirar os corpos da cova, que tinha andares de concreto.