CGD absolve 22 policiais militares investigados por participar de motim no Ceará

Entre os militares absolvidos, estão seis oficiais (dois tenentes-coronéis e quatro tenentes) e 16 praças (três subtenentes, três sargentos, dois cabos e oito soldados)

O motim de militares, no Ceará, em fevereiro de 2020, continua a ter desdobramentos, após quatro anos. A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) absolveu 22 policiais militares investigados administrativamente por suspeita de participação no movimento.

As absolvições foram publicadas em quatro portarias, no Diário Oficial do Estado (DOE) da última quinta-feira (2). Entre os militares absolvidos, estão seis oficiais (dois tenentes-coronéis e quatro tenentes) e 16 praças (três subtenentes, três sargentos, dois cabos e oito soldados).

A primeira portaria lista sete soldados investigados por deserção, em razão de não comparecerem à Operação Carnaval 2020 - que acontecia durante o motim dos militares. Os policiais negaram participação no movimento paredista e justificaram a ausência com a apresentação de atestados médicos.

"Apesar de estar provado que os referidos militares deixaram de se apresentar no dia 21/02/2020, às 09 horas, na sede do Comando-Geral da Polícia Militar do Ceará, para embarcarem com destino ao interior do Estado, a fim de participarem da Operação Carnaval 2020, não há que se falar na prática da figura típica prevista no art. 190 do Código Penal Militar, na medida em que não houve dolo por parte dos acusados, não havendo se falar em prática de transgressão disciplinar. Verifica-se, pois, que as ausências de todos os acusados estavam acobertadas por causa lícita de justificação de suas faltas, quais sejam, as enfermidades descritas em seus respectivos atestados médicos", concluiu a CGD, na portaria.

Na segunda portaria, um sargento, dois cabos e um soldado foram absolvidos. Os militares integravam uma composição policial que, segundo eles, foi abordada por participantes do movimento paredista, encapuzados e armados, que arrebataram a viatura, na madrugada de 20 de fevereiro de 2020.

Para a Controladoria, "não ficou configurado nos autos que os sindicados tenham deliberadamente colaborado com o arrebatamento da viatura com o intuito de aderir ao movimento paredista então deflagrado. Assim, em observância ao princípio da legalidade, fica afastada a responsabilidade dos processados quanto às transgressões mencionadas na Portaria Inaugural".

Oficiais suspeitos de omissão

As investigações administrativas também atingiram oficiais da Polícia Militar do Ceará (PMCE). A terceira portaria da Controladoria Geral de Disciplina publicou a absolvição de um tenente-coronel e três tenentes, que integravam uma composição policial que também foi abordada por militares amotinados, na noite de 18 de fevereiro daquele ano.

A CGD concluiu que "não há como afirmar se os militares se omitiram, facilitaram ou expuseram deliberadamente as viaturas aos grupos amotinados para que estes esvaziassem os pneus da viatura. Na mesma perspectiva, não há como afirmar a existência de dolo por parte dos sindicados, a fim de caracterizar nexo causal (apoio) com o ocorrido naquela fatídica noite/madrugada (18/02/2020), quando criminosos, mediante comportamento ilícito, ofendendo os pilares da hierarquia e da disciplina resolveram agir".

Por fim, na última portaria, foi publicada a absolvição de sete policiais militares: um tenente-coronel, um tenente, três subtenentes e dois sargentos. O grupo foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), na seara criminal, por omissão de eficiência da força e atentado contra viatura, em razão da suspeita de colaborar com o amotinamento de militares no 16º Batalhão de Polícia Militar, no dia 19 de fevereiro de 2020.

Para a Controladoria, "não há como afirmar a existência de dolo por parte dos sindicados, a fim de caracterizar nexo causal (apoio) com o ocorrido naquela fatídica noite/madrugada (19/02/2020), quando criminosos, mediante comportamento ilícito, ofendendo os pilares da hierarquia e da disciplina resolveram agir. Desse modo, não se vislumbrou acerto prévio ou adesão (ação/omissão), entre os ora sindicados e os pretensos amotinados".

Quem são os PMs absolvidos:

Primeira portaria:

  • Soldado Thiago Francisco dos Santos de Carvalho
  • Soldado Cosmo Henrique Rodrigues Freitas
  • Soldado Matheus de Sousa Fernandes
  • Soldado Alexsandro Costa da Silva
  • Soldado Rodrigo Diniz Peixoto
  • Soldado Renan Firmiano Costa
  • Soldado Jader Augusto Bruno de Mesquita e Silva

Segunda portaria:

  • Sargento Francisco Jean Alves
  • Cabo Francisco Wellington Assis Arruda
  • Cabo Francisco Anderson Bento Siqueira
  • Soldado José Jairo da Silva Fidelis

Terceira portaria:

  • Tenente-coronel Luciano Rodrigues de Oliveira
  • Tenente Marcos Paulo Silva
  • Tenente Lindemberg Alencar dos Santos 
  • Tenente Marcos Francisco de Souza

Quarta portaria:

  • Tenente-coronel Hermógenes Oliveira Landim
  • Tenente Francisco Ricardo Holanda Pinheiro Júnior
  • Subtenente Cleyton Andrade dos Santos
  • Sargento Antônio Oséas Araújo de Oliveira
  • Sargento Francisco Soares Frota
  • Sargento Francisco Cleriton Martins Soares
  • Sargento Fernando Antônio Chagas Costa

[Atualização: 09/05/2024, às 8h29] Após a publicação da matéria, a defesa do soldado Matheus de Sousa Fernandes, representada pelo advogado Oswaldo Cardoso, emitiu nota em que afirma que a justiça foi feita e que a CGF fez um "trabalho técnico e imparcial nesse procedimento complexo". "Assim, ficou mais uma vez estabelecida a tese que o militar estadual é inocente das acusações e que jamais existiu transgressão disciplinar por meio de possível crime militar de Deserção Especial, e que tudo o que ocorreu foi de forma desproporcional, sem levar em conta, as particularidades dos servidores. Não houve Deserção Especial e nenhum outro tipo de situação que desabonou as condutas", completou.

Estado teve alta de homicídios no motim

motim durou 13 dias, entre 18 de fevereiro e 1º de março de 2020. Os policiais militares reclamavam da proposta de reestruturação salarial que começou a tramitar na Assembleia Legislativa do Ceará e começaram a se amotinar em batalhões da Capital e do Interior.

Dezenas de viaturas tiveram os pneus furados, para não serem utilizadas. No auge do movimento, o ex-governador do Ceará e senador Cid Gomes tentou furar um bloqueio feito pelos PMs em Sobral, com uma retroescavadeira, e foi alvejado com dois tiros, em 19 de fevereiro.

435%
O Estado registrou alta de homicídios. Durante os 13 dias, foram 321 crimes de morte, o que significa uma média diária superior a 24. Em igual período de 2019, foram 60 homicídios no Ceará, uma média diária superior a 4 crimes. O aumento de um ano para o outro, em casos de mortes violentas, foi de 435%.

A insegurança acarretada pelo motim dos militares levou alguns municípios do Estado a cancelarem as festas de Carnaval. A Segurança Pública precisou ser reforçada pelas Forças Armadas e pela Força Nacional de Segurança. Pelo menos 47 PMs foram presos por participação nos atos.

Por fim, os militares entraram em acordo com o Estado e encerraram o motim, após negociações que envolveram a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Defensoria Pública do Ceará e ministérios públicos Estadual do Ceará e Federal (MPF).

Entre os pontos da proposta aceita estão: acompanhamento desses órgãos nos processos administrativos; garantia de um processo devido e justo a todos; e suspensão da transferência de PMs por seis meses. Mas o principal pedido dos policiais amotinados não foi atendido pelo Governo do Estado: a anistia geral.