Ceará registrou ao menos 16 linchamentos ou tentativas em um ano, diz estudo

Conforme a pesquisa, que abrangeu cinco estados, o Ceará teve menos casos apenas que Pernambuco

O estudo "Racismo, motor da violência", lançado pela Rede de Observatórios da Segurança nesta terça-feira (14), traz um número preocupante para o Ceará sobre o número de linchamentos consumados ou tentados, em um intervalo de um ano. Entre junho de 2019 e maio de 2020, o Estado registrou ao menos 16 casos (sendo 9 com mortes), de acordo com levantamentos feitos em publicações da imprensa.

Conforme o estudo, que abrangeu cinco estados, o Ceará teve menos casos apenas que Pernambuco, com 26 registros (sendo 12 linchamentos e 14 tentativas de linchamento). A Bahia teve 15 (9 e 6, respectivamente); Rio de Janeiro, 9 (7 e 2); e São Paulo, 8 (5 e 3). Ao total, os estados tiveram 74 crimes, sendo 42 consumados e 32 tentados.

A pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Letícia Lins, analisa que "esse crime tem um plano de fundo muito demarcado pela desigualdade social, mas também por esse senso de justiça".

"A pessoa que comete linchamento faz isso no sentido de fazer justiça com as próprias mãos, uma justiça que não vai ser feita pela ou pelos outros mecanismos de Justiça. Esse sentimento de vingança, em vez de usar os mecanismos que deveriam ser usados para uma pessoa que cometeu um crime, vai continuar se repetindo, enquanto esses territórios continuarem sendo marcados por desigualdade e sentimento de vingança, de injustiça", completa.

Acusação de roubo é a principal motivação

De acordo com a pesquisa, a principal motivação dos linchamentos consumados ou tentados no Ceará é a acusação de roubo: 10. Segundo Ana Letícia, na maioria dos casos, as vítimas são homens jovens, pobres e pretos, e os agressores são moradores da região onde teriam ocorrido os roubos.

Entre os outros casos, dois não tiveram a motivação informada; e quatro tiveram motivações distintas. Um deles foi por lesbofobia (preconceito contra lésbicas). Em 9 de junho de 2019, cinco mulheres comemoravam a vitória da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de Futebol Feminino, na Praia de Iracema, em Fortaleza, quando um vendedor disse que não tinha troco. Uma das mulheres disse que passaria depois, e o homem a chamou de "sapatão". A companheira dela interviu e foi agredida com socos por ao menos dois homens. No caminho para o carro, o grupo foi perseguido por cerca de 20 pessoas.

Houve também uma tentativa de linchamento motivada pela rivalidade entre as torcidas de dois times de futebol, no dia 3 de agosto do ano passado. Torcedores do Fortaleza agrediram pai e filho que torcem para o Ceará, nas proximidades da Arena Castelão, na Capital. O espancamento foi interrompido apenas porque uma policial civil de folga chegou ao local e efetuou disparos para cima, para dispersar os criminosos.

No dia 20 de novembro último, no Município de Pindoretama, uma adolescente de 16 anos foi agredida por um grupo de mulheres, por ciúmes de um relacionamento amoroso. E no dia 28 de abril deste ano, um homem foi agredido por moradores do bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza, por suspeita de que ele teria raptado uma criança de 3 anos, que estava em sua companhia. O homem tinha transtornos mentais e a criança foi devolvida à família.

Estudo critica falta de dados sobre cor

O estudo traz outros números da Segurança Pública e aponta que pessoas pretas são as principais vítimas da violência, apesar de haver poucos dados oficiais e na imprensa sobre a cor dessas pessoas.

"É um esforço da Rede de Observatórios da Segurança que a gente proponha essa agenda do racismo na Segurança Pública. Quando a gente observa as pessoas que são vitimadas, onde elas são vitimadas, a gente percebe uma forte desigualdade social e socioeconômica", destaca Ana Letícia Lins.