Capital concentra mais de 35% dos homicídios por ação policial

Entre 2013 e 2018, 239 pessoas foram assassinadas por profissionais da Segurança em Fortaleza. A Área Integrada de Segurança (AIS) 18, que inclui municípios do Litoral Leste e do Vale do Jaguaribe, foi a mais violenta

Era noite de 11 de junho de 2018, na Avenida Oliveira Paiva, Cidade dos Funcionários. Enquanto dirigia seu HB20 branco a caminho de uma tapiocaria, Giselle Távora Araújo, de 42 anos, conversava com a filha Daniella sobre ter esquecido a tapioca do outro filho no local. Ela saíra de casa, que fica a aproximadamente 800 metros da lanchonete.

De repente, um som calou ambas as mulheres. Logo atrás, um soldado da Polícia Militar disparara na intenção de fazer com que o veículo da universitária parasse. O medo de Giselle de ser mais uma vítima do crime organizado na Capital, porém, foi maior.

No semáforo, ela dobrou um pouco e avançou para o acostamento para sair do caminho do que ela pensava ser uma perseguição policial. Ali, seu destino já estava traçado. Uma bala havia atravessado seu peito. Em poucos segundos, o vermelho do sinal se confundiu com o sangue da mulher.

A 33ª morte provocada por um agente na Área Integrada de Segurança (AIS) 7, no período de seis anos, foi consumada no dia seguinte, em laudo do Instituto Dr. José Frota (IJF). Até o fim de 2018, a soma chegaria a 40.

Embora o policial responsável pela intervenção tenha dito que atirou "em direção ao pneu do veículo" e se apresentado espontaneamente à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), a filha de Giselle ainda pede Justiça.

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"Até então, o que a gente sabe sobre quem cometeu esse assassinato é que ele está livre e andando nas ruas. Não sabemos muito bem se houve alguma punição até agora, já vai fazer um ano e a gente espera que essa pessoa seja punida e responsabilizada pelo que cometeu", almeja a estudante do curso de Arquitetura, ao revelar que, após a morte da mãe, a família passa por algumas necessidades.

Segundo Daniella, "o Governo não deu nenhuma assistência. Minha mãe era uma pessoa fundamental para a família, ela que fazia tudo. Mas, até agora nada, nenhum telefonema, nada deles", relembra a filha, afirmando que espera a conclusão do inquérito para que seja possível requisitar um seguro - uma vez que a família não dispõe de recursos suficientes para bancar sua graduação toda.

Chacina

No fim do mesmo ano, sete pessoas foram assassinadas em Russas, região do Vale do Jaguaribe, na Área Integrada de Segurança (AIS) 18. Delas, contudo, não tem quem reclame ou exija apuração pormenorizada dos fatos. Afinal, o grupo integrava uma quadrilha que buscava interceptar um carro-forte. Mas a Polícia Militar foi mais ágil.

Equipes do Comando Tático Rural (Cotar), do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e do Batalhão de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (BPRaio) integravam a operação que foi iniciada após o ataque do bando criminoso ao veículo blindado, em plena BR-116. Os assaltantes haviam colocado na rodovia veículos e incendiado outro para diminuir a velocidade do carro-forte e atacá-lo.

Três dos suspeitos foram mortos no local durante um confronto com os agentes de segurança; e outros quatro teriam sido assassinados durante uma caçada pela região. Na ocasião, o coronel responsável pela operação considerou-a "exitosa" e ressaltou que os homens estavam "de colete e com vasto arsenal".

Coordenadas

Ainda que esses casos tenham ocorrido com perfis diferentes de pessoas e ações divergentes de agentes de segurança pública, há algo que os liga entre si, como se linhas imaginárias fossem capazes de demarcar as coordenadas de onde é preferível matar.

"Existe uma 'geografia da morte' nas grandes cidades brasileiras. É como se tivessem territórios dentro da cidade onde há uma maior preservação da vida por parte do Estado. E esses territórios, por serem locais habitados pela elite, pela classe média alta são mais preservados dos tiroteios, da violência gratuita do Estado", explica a socióloga Geísa Mattos, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

De acordo com a professora Glaucíria Mota Brasil, do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e da Violência (Covio), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o Governo "sabe quais são os locais, os territórios e qual é população que está sendo atingida por esses elevados índices de homicídio", mas ainda não conseguiu implementar políticas públicas de Segurança efetivas nessas regiões que não fossem pela "via criminal".

Capital

Considerando as mortes em decorrência de atuação policial no Estado, entre 2013 e 2018, 35,6% de todas elas foram cometidas em bairros da Capital cearense. Fortaleza viu 239 pessoas caírem ao chão nos últimos seis anos. O número é quase nove vezes maior do que o segundo município da lista. Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), registrou 27 mortes cometidas por policiais em serviço ou folga. A lista segue com Maracanaú (19), Russas (17), Quixadá (16) e Aracati (16), conforme dados prestados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), por meio da Lei de Acesso à Informação.

Dos 184 municípios cearenses, houve mortes em decorrência de ação policial em, pelo menos, 103 deles.

Quando são consideradas as Áreas Integradas de Segurança (AIS), cujas classificações foram definidas pela SSPDS como regiões administrativas que convergem atuações da Polícia Civil, da Polícia Militar e dos Bombeiros, com uma chefia formando esse tripé, há um deslocamento de quantidade. Neste tipo de classificação, a área que mais teve homicídios cometidos por policiais foi a AIS 18, que compreende municípios das regiões do Litoral Leste e do Vale do Jaguaribe, como Aracati, Russas e Limoeiro do Norte.

Na Capital, as áreas com maior número de mortes em razão de atuação policial foram as AIS 5 e 7, com 40 assassinatos cada uma. Na AIS 5, ficam bairros como Dendê, Serrinha e Aeroporto; a AIS 7 congrega comunidades como Aerolândia, Cidade dos Funcionários e Passaré.

Embora os dados solicitados à SSPDS tenham requerido a localização precisa, citando bairros e logradouro de cada cidade, a Pasta optou por repassar informações apenas com classificações por município e AIS. Atualmente, o Estado do Ceará é dividido em 22 AIS. As dez primeiras ficam exclusivamente na Capital; as demais aglutinam municípios de regiões distintas.