Dois corpos foram achados em uma reserva indígena de Aquiraz. Parecia apenas mais um registro nos números assombrosos da violência no Ceará, mas o caso se revelou uma verdadeira história de cinema. As vítimas eram dois líderes da alta cúpula da facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), que estavam foragidos da Justiça. Rogério Jeremias de Simone, o ‘Gegê do Mangue’; e Fabiano Alves de Souza, o ‘Paca’, foram assassinados em uma área de acesso remoto, na Região Metropolitana de Fortaleza, com o uso de um helicóptero no atentado. Mas, afinal, o que ‘Gegê’ e ‘Paca’ faziam no Ceará?
Um promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO), do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que preferiu não se identificar, afirmou que os líderes do PCC, estavam passando férias no Ceará, com documentos falsificados. “Após a morte, recebemos a informação DE que estavam passando as férias no Ceará e estariam utilizando documentos falsos. Tínhamos a informação de que eles poderiam estar no Nordeste, mas não no Ceará, especificamente. Não surpreende, porque o ‘Paca’ esteve no Ceará em janeiro de 2017, com a família. Tirou foto em Canoa Quebrada e em um parque aquático”, contou o investigador, que acompanha processos criminais contra a dupla.
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‘Gegê’ era o número 1 do PCC fora da prisão. E, na linha hierárquica da facção criminosa, era praticamente equivalente ao líder máximo Marcos Willians Herbas Camacho, o ‘Marcola’, que está preso na Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, a P2 de Presidente Venceslau, em São Paulo. A unidade que custodia a cúpula da facção, ganhou inclusive o apelido de ‘Proibida’, no mundo do crime, diante do status de ‘intocáveis’, que seus detentos têm.
‘Gegê’ se consolidava como um dos principais membros do PCC, atualmente. Foi incumbido da missão de reorganizar as rotas do tráfico de drogas e armas na fronteira do Brasil e do Paraguai, depois da execução do megatraficante Jorge Rafaat Toumani, na Cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero. Comandava as grandes negociações de carregamentos de narcóticos, que envolviam a facção também na Bolívia.
Rogério de Simone, foi criado na comunidade do Mangue, em São Paulo. Estreou no mundo do crime na Vila Madalena, ainda nos anos 1990. No ano de 1995 foi preso pela primeira vez, e quando foi julgado, já aparecia como membro do PCC.
O criminoso respondia a 11 processos, por tráfico, homicídio e associação criminosa. Foi condenado a 47 anos de prisão, em março de 2017. Porém, era tarde: um mês antes, ele havia sido liberado da prisão, por meio de um alvará expedido pelo Poder Judiciário, em razão de um prazo processual extrapolado. Desde então, ‘Gegê permanecia foragido da Justiça. Era o ‘homem forte do PCC’ na rua.
Embaixador
‘Paca’ era o ‘homem de confiança’ de ‘Gegê’ e estava entre os seis maiores líderes da organização. Os dois criminosos constavam entre os mais procurados da Polícia de São Paulo e tinham condenações a cumprir.
Fabiano Souza foi o primeiro ‘embaixador’ do PCC brasileiro, no Paraguai, em 2014 depois do afastamento do paraguaio Carlos Antonio Caballero, o ‘Kaiser’. O criminoso estava no País vizinho, exatamente para se refugiar, depois de ser solto por um habeas corpus, mas sabendo que outras condenações viriam para que ele cumprisse.
‘Paca’ e ‘Gegê’ agiam sempre juntos. Atuaram também em parceria com outros membros da organização, como o próprio ‘Marcola’; Daniel Canônico, o ‘Judeu’; e Abel Pacheco de Andrade, o ‘Abel Vida Loka’.
Um policial de uma célula de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Ceará (SSPDS) disse que não acredita que a dupla estivesse no Estado apenas passando férias. “O ‘Gegê fazia levantamentos para grandes ações. Foi visto em Ciudad del Este, no Paraguai, antes daquele ataque grandioso; e há indicativos de que esteve no Recife, antes do ataque contra uma transportadora. A mim, parece claro que eles não estavam na praia, mas fazendo levantamentos para algum ataque”, afirmou o policial, que não quis se identificar.
Parceria
A dupla, conhecida pela periculosidade, saiu pela porta da frente da prisão. O promotor ouvido pela reportagem acredita que, desde que ambos se livraram da prisão, estavam vivendo entre a Bolívia e o Paraguai. “Aqui (no Brasil), eles seriam facilmente identificados e presos”, afirmou.
Os líderes do PCC levavam uma vida de luxo na Bolívia, quando estiveram escondidos lá. O promotor do Gaeco acredita que eles tenham fretado aviões particulares para virem ao Ceará, já que poderiam ser detidos ao passarem por fiscalizações terrestres ou aéreas.
O advogado de ‘Gegê’ e ‘Paca’, que preferiu não se identificar, afirmou que desconhece a motivação do crime, e mesmo onde eles estavam morando atualmente. “Estavam foragidos, com processos pendentes, em que eram inocentes, e aguardavam posição judicial. Tínhamos, inclusive, recorrido”, defendeu.
Crime
Os corpos de ‘Gegê do Mangue’ e ‘Paca’ foram encontrados próximos a uma mata fechada, por um homem que colhia frutas, na reserva indígena Lagoa Encantada, em Aquiraz, na manhã da última sexta-feira (16).
A Polícia Militar foi acionada para o local, assim como a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, e a Perícia Forense do Ceará (Pefoce). Devido à dificuldade de acesso ao local, os corpos foram retirados somente na noite da sexta-feira (16), sem identificação naquele momento, já que não eram moradores da região, nem portavam nenhum documento pessoal.
Moradores da Lagoa Encantada contaram à Polícia que ouviram um helicóptero voando baixo e, depois, disparos de armas de fogo, na noite da quinta-feira (15). Segundo o promotor, a aeronave teria deixado assassinos e vítimas no local e o duplo homicídio foi cometido em solo.
Uma fonte da Pefoce afirmou que, junto aos corpos, foram encontradas munições de fuzil 765 e pistola calibre 380. Objetos cortantes também foram utilizados nos crimes. Após as execuções, os criminosos atearam fogo nos corpos, com gasolina, mas eles não foram totalmente carbonizados, por causa da chuva.
A SSPDS seguia sem confirmar a morte dos dois líderes nacionais do PCC, até a noite de ontem. “As vítimas permanecem sem identidades comprovadas. A Pefoce trabalha na identificação formal dos corpos através da necropapiloscopia, que consiste na identificação humana de cadáveres a partir das papilas dérmicas ou, caso necessário, por meio de exame de DNA”.
De acordo com a Pasta, todas as circunstâncias do crime estão sendo investigadas pela Polícia Civil. “Detalhes sobre o caso só serão repassados no momento oportuno para não comprometer o andamento das investigações. As diligências estão em andamento para localizar os autores dos homicídios”, completou.
No entanto, para os investigadores paulistas, está certo que os mortos são ‘Paca’ e ‘Gegê’, em razão do reconhecimento das tatuagens que tinham.
Policiamento
Policiais militares fizeram a segurança do prédio da Pefoce, em Fortaleza, durante o dia de ontem, devido à presença dos corpos de ‘Gegê do Mangue’ e ‘Paca’. Três equipes do Comando Tático Motorizado (Cotam) se dividiram entre a recepção e os dois estacionamentos, além da presença de policiais à paisana.
Segundo policiais que preferiram não se identificar, a Polícia recebeu uma informação de que o PCC poderia invadir o prédio público. Os familiares dos dois homens também eram esperados, para reconhecerem os corpos, mas não compareceram à Pefoce até a noite de ontem.