Alexandre de Moraes manda PF investigar deputado Júnior Mano por suposto esquema de extorsão com advogado e empresário

Por nota, o deputado federal disse estar à disposição das autoridades policiais e judiciais para "o completo esclarecimento dos fatos"

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O deputado federal cearense Antônio Luiz Rodrigues Mano Júnior, mais conhecido como Júnior Mano, está sob investigação na Polícia Federal. A Procuradoria-Geral de Justiça do Ceará encaminhou para a Procuradoria-Geral da República materiais colhidos em processo judicial que tramita no Tribunal do Júri do Ceará, que "indicam a possível participação do deputado federal Antônio Luiz Rodrigues Mano Júnior em crime de extorsão e/ou corrupção passiva ocorrido no município de Eusébio, Ceará".

A reportagem teve acesso aos autos assinados pelo ministro e relator Alexandre de Moraes. A Procuradoria-Geral requereu a instauração de inquérito policial e, em 9 de setembro de 2024, o ministro encaminhou o caso à PF "com delegação da competência investigativa, para que, no prazo de 90 dias, realize as oitivas das partes envolvidas, a análise das mídias, relatórios e demais dados encaminhados pelo Ministério Público do Ceará, além de outras diligências consideradas necessárias".

A assessoria de comunicação do político disse em nota ao Diário do Nordeste que "quanto à suposta extorsão: o inquérito conduzido pela Polícia Civil do Estado do Ceará foi concluído e relatado, não havendo qualquer indício de autoria em relação ao Deputado Federal Júnior Mano. Quanto à investigação conduzida pela Polícia Federal: trata-se de procedimento investigatório relacionado à polêmica das emendas parlamentares. Ressaltamos que tal procedimento tramita sob segredo de Justiça, conforme previsto no art. 234-B do Código Penal, o que impossibilita qualquer manifestação pública sobre o caso".

"O Deputado Federal Júnior Mano reafirma seu compromisso com a legalidade, estando à disposição das autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos. A defesa confia que, ao término da investigação, sua inocência será plenamente reconhecida e informa que todas as manifestações serão realizadas exclusivamente nos autos do processo"
Assessoria de Júnior Mano

À época do caso investigado, Júnior Mano estava no Partido Liberal (PL). Ele foi expulso em outubro de 2024 e desde então segue filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) 

DENÚNCIA

Na seara estadual, uma pessoa foi denunciada neste suposto esquema de extorsão, que ainda resultou na morte do advogado Francisco Di Angelis Duarte de Moraes. A Polícia Civil do Ceará (PCCE) indiciou o empresário Lúcio José de Menezes em outubro do ano passado e, no mês seguinte, o Ministério Público do Ceará (MPCE) o acusou.

De acordo com a acusação, Lúcio foi a pessoa que intermediou a extorsão, tendo como vítima o empresário Ernesto Wladimir de Oliveira Barroso. No dia 6 de dezembro de 2024, a denúncia foi aceita por meio do juiz da 13ª Vara Criminal 

Quando interrogado pelos investigadores, Lúcio disse que conheceu Francisco Di Angellis Duarte de Moraes em 2021, "pois pretendia se candidatar a deputado estadual e buscava os serviços do referido advogado no âmbito eleitoral. Desistiu de concorrer e não mais manteve contato com Francisco".

A reportagem entrou em contato com a defesa de Lúcio, que não respondeu até a edição desta matéria.

Ernesto Wladimir e os ex-PMs José Luciano Souza de Queiroz e Glauco Sérgio Soares Bonfim são réus nos autos de processo criminal em que apura o homicídio do advogado, assassinado a tiros na porta de casa em maio de 2023. 

Wladimir disse em depoimento que foi procurado pelo deputado federal Júnior Mano, "que, por tê-lo beneficiado em emendas para a área da saúde 'exigiu-lhe a entrega da correspondente contribuição'. Disse, porém, que se negou a pagá-lo, alegando que mudara a sua atuação para o ramo de combustíveis".

Por trás da morte do advogado há uma sequência de ameaças e exigência de pagamento de valor milionário em troca de retirar notícias de um site que falavam da ascensão econômica de um empresário dos ramos de cooperativa de saúde e postos de combustíveis.

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"EU SEI COMO RESOLVER"

Conforme a denúncia do MPCE no processo que investiga o assassinato, Ernesto Wladimir teria se desentendido com o advogado devido a "matérias jornalísticas e postagens em grupos de Whatsapp" que falaram da sua ascensão financeira. Tudo começou, segundo Ernesto, quando ele negou ao deputado federal pelo Ceará Júnior Mano (PL) parte do dinheiro das emendas federais que o parlamentar direcionou para a área da saúde.

Dias depois, teriam começado a circular no Don7 Media Group, do jornalista Donizete Arruda, notícias que Ernesto tinha cavalos de valores milionários e matérias jornalísticas de denúncias contra a cooperativa de saúde a qual Ernesto era diretor. "Tais postagens foram encaradas pelo denunciado Ernesto como ataques à sua pessoa e que suscitavam dúvidas quanto a lisura de seu patrimônio", conforme trecho da denúncia.

Donizete chegou a ser ouvido como testemunha no decorrer das investigações. No entanto, não foi indiciado no relatório final da PCCE. 

Conforme o MP, Lúcio José "foi o responsável por repassar informações da vítima Ernesto Wladimir de Oliveira Barroso para Francisco Di Angellis Duarte de Morais “captar” o interesse do ofendido para o pagamento do montante em troca da exclusão das postagens, além de intermediar o encontro entre todas as partes e pressionar para que Ernesto Wladimir entregasse os valores exigidos"

Dias antes do homicídio do advogado aconteceu a negociação para retirada das publicações no site. De início, foi cobrado pouco mais de R$ 1,5 milhão com o suposto intermédio de Lúcio. Conforme o inquérito, Ernesto Wladimir recebeu uma ligação do denunciado Lúcio José, tendo o acusado dito 'saber como resolver a questão das reportagens', "acertando uma reunião para o dia seguinte com o advogado Francisco Di Angellis Duarte de Moraes, em um café.

"Durante a reunião, Francisco Di Angellis Duarte de Moraes entregou um papel a Ernesto Wladimir de Oliveira Barroso, onde exigia o pagamento de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para que as reportagens a seu respeito fossem apagadas do portal de notícias e disse que a vítima poderia obter seu contato com Lúcio José de Menezes Neto. Após esse primeiro encontro, o denunciado Lúcio José procurou novamente Ernesto Wladimir, em um posto de combustíveis no Porto das Dunas e de propriedade de Ernesto, para informar que teria conseguido baixar o valor do pagamento para R$ 800 mil".

No segundo encontro, Ernesto teria dito não dispor desta quantia, tendo Lúcio se oferecido para emprestar o montante: "por desespero, Ernesto Wladimir de Oliveira Barroso aceitou o valor emprestado por Lúcio José de Menezes Neto, que lhe foi repassado em espécie, dentro de uma sacola, em notas de R$ 200,00 (duzentos reais), por um terceiro não identificado, na estrada da Sabiaguaba, após o viaduto da Av. Américo Lisboa". O nome da Avenida é Maestro Lisboa, e não Américo Lisboa, como citou o documento da Polícia Civil.

Lúcio negou ter emprestado os R$ 800 mil, mas confirmou ter participado da reunião no café, dizendo que nesta ocasião não houve nenhuma tratativa referente à extorsão e que quando chegou ao estabelecimento, o advogado Di Angellis já estava em uma sala reservada para reuniões, tendo Ernesto chegado depois e todos eles tido os celulares recolhidos pelo próprio advogado.

ADVOGADO PASSOU A SER MONITORADO

Enquanto tentava reduzir os valores, Ernesto teria começado a arquitetar uma emboscada para se vingar da extorsão. O acusado teria obtido dados cadastrais do automóvel do advogado junto a um policial militar da ativa (que não foi acusado pelo crime) e contratado dois ex-policiais militares, Glauco Sérgio Soares Bonfim e José Luciano Souza de Queiroz, para cometer o crime.

"De posse destas informações, o réu Ernesto providenciou que os réus José Luciano e Glauco submetessem a vítima à vigilância com a finalidade de preparar uma futura emboscada e, em consequência, o assassinato da vítima"
MPCE

O advogado teria sido monitorado pelos criminosos - inclusive com o uso de um rastreador no veículo da vítima - dias antes do crime. Policiais civis da 6ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) descobriram que dois homens estiveram, em um carro, no local de trabalho de Francisco Di Angelis, uma torre empresarial no bairro Edson Queiroz, em busca de saber qual era o veículo do advogado, na manhã de 24 de abril deste ano.

Os dois homens informaram a funcionários do empreendimento que tinham interesse em comprar o carro. Um deles foi reconhecido por testemunhas como o ex-policial militar José Luciano Souza de Queiroz - que está preso preventivamente e foi indiciado pelo homicídio ocorrido no dia 6 de maio último.

Ao descobrir que dois homens procuraram pelo seu veículo, Di Angelis conversou com funcionários da torre empresarial e negou que estivesse vendendo o seu automóvel. O advogado ficou preocupado e perguntou sobre as imagens das câmeras de monitoramento do empreendimento.

Francisco Di Angelis acabou assassinado a tiros no bairro Parquelândia, em Fortaleza, no dia 6 de maio deste ano. Para o MPCE, "o crime tem como mandante o acusado Ernesto. Por sua vez, os réus José Luciano e Glauco agiram como executores materiais do delito".

"O motivo do delito é de natureza torpe, eis que consistente em vingança devido à extorsão praticada pela vítima. A vítima teria exigido a quantia de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), efetivamente pago pelo réu Ernesto, constituindo o homicídio o justiçamento pela extorsão e um recado de que jamais poderia ser incomodado, dessa forma, outra vez", afirmou o Órgão Acusatório.