Todas as pessoas presas em flagrante no Brasil devem ser levadas para uma audiência de custódia em até 24 horas, conforme determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No Ceará, a Vara de Audiências de Custódia de Fortaleza foi criada pela Justiça Estadual há seis anos para atender essa demanda na Capital, período em que realizou a audiência de mais de 37 mil presos. 56% deles tiveram a prisão mantida e 44%, foram colocados em liberdade.
Os números foram divulgados pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) na última terça-feira (31). Entre 21 de agosto de 2015 (data da inauguração) e 31 de julho de 2021, a Vara de Custódia de Fortaleza analisou as prisões de 37.291 pessoas. Destas, 20.846 (55,9%) tiveram a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva; 15.415 (41,3%) foram beneficiados com o relaxamento da prisão com aplicação de medidas cautelares, como o monitoramento eletrônico; e apenas 1.030 (2,7%) tiveram a prisão relaxada sem medidas cautelares.
O levantamento do TJCE considerou 2.171 dias corridos. Portanto, em média, a Vara de Audiências de Custódia de Fortaleza realizou 17 audiências por dia (17,17 para ser mais preciso).
O defensor público Delano Benevides, que atua na Vara, contextualiza que o Brasil é signatário desde 1992 do Pacto de San José da Costa Rica, que versa sobre os direitos humanos e prevê a audiência de custódia. Mas, somente 23 anos depois, em 2015, que o País começou a adotar a prática, a partir da Resolução Nº 213, do CNJ.
O dispositivo supralegal do Pacto de San José da Costa Rica diz que toda e qualquer pessoa deve ser levada sem demora à presença de um juiz, onde ele vai primeiro aferir se houve algum tipo de violação dos direitos fundamentais e depois vai decidir sobre a manutenção ou não da prisão."
A juíza titular da Vara de Audiências de Custódia de Fortaleza, Adriana da Cruz Dantas, afirma que a criação da Unidade "representou significativo avanço na efetividade da prestação jurisdicional, sendo um incremento civilizatório no sistema de justiça e de políticas criminais do Estado".
Além de oferecer serviços judiciais de forma mais célere, pois é uma unidade que atua exclusivamente com audiência de custódia e proporciona maior humanização no tratamento dos custodiados, tendo em vista que eles passam por entrevista direta com o magistrado que analisa, com maior eficiência, as condições de cada pessoa, bem como as circunstâncias da prisão e a ocorrência de indícios de tortura."
Já desembargadora do TJCE Marlúcia de Araújo Bezerra, que foi a primeira juíza da Vara Especializada (entre a inauguração e 13 de julho de 2018), corrobora que, na audiência de custódia, "o magistrado tem a possibilidade e mesmo o dever de filtrar, desde o início, entre as pessoas apontadas como infratoras da ordem jurídica e, como tal, presas em flagrante delito, aquelas que realmente precisam ser, antes da condenação, segregadas do meio social, distinguindo-as daquelas que possuem as condições para responder em liberdade por seus atos tidos como contrários à lei".
Apesar de quase a metade das pessoas presas em flagrante terem sido colocadas em liberdade nas audiências de custódia realizadas em seis anos em Fortaleza, o diretor de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), advogado Márcio Vitor Albuquerque, acredita que o número ainda é pequeno.
A prisão preventiva se torna uma medida excepcional. O juiz vai verificar se é o caso de relaxar essa prisão, quando for constatada uma ilegalidade, ou analisar se essa pessoa pode cumprir alguma medida cautelar, dependendo da gravidade do caso. No lugar de ficar custodiado, ele pode ter a obrigação de comparecer à Justiça, cessão de alguns direitos, ficar com a tornozeleira eletrônica. Mas notamos que ainda há um índice alto no tocante à prisão preventiva, que deve ser a última medida."
Audiência teve que passar por mudanças na pandemia
Até março de 2020, a audiência de custódia tinha a apresentação do preso ao juiz e contava com a participação presencial de um representante do órgão acusatório, o Ministério Público do Ceará (MPCE), e da defesa, constituída por advogado particular ou defensor público. Com a pandemia de Covid-19 e a determinação do teletrabalho pelo TJCE, essa audiência teve que passar por mudanças, e as partes reclamaram de demora em muitos casos.
Inicialmente, as audiências foram suspensas e o magistrado começou a decidir diretamente nos autos do processo, após manifestação do MPCE e da defesa. "Nós recebíamos os autos de prisão em flagrante digitalizados e fazíamos a defesa sem ouvir nosso assistido. Havia um grande déficit no que dizia respeito à qualidade da defesa ou mesmo se havia uma defesa satisfatória", revela o defensor público Delano Benevides.
Márcio Vitor Albuquerque revela que a OAB-CE recebeu reclamações de advogados que não estavam tendo acesso aos autos a tempo de realizar a defesa para a audiência de custódia ou que havia demora na realização das audiências, ultrapassando o prazo determinado de 24 horas após a prisão.
Em um segundo momento na pandemia, no início do ano corrente, a Vara de Audiências de Custódia de Fortaleza voltou a realizar as audiências e a ouvir as partes, mas por videoconferência. "Através desse sistema, nós entendemos que é possível fazer uma defesa com uma qualidade melhor. Porque temos direito a entrevista com o preso", salienta o defensor público Delano Benevides.
A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará espera que o TJCE retome as audiências de custódia presenciais o quanto antes - o que ainda não tem previsão. "A Ordem vem com tratativas perante o Tribunal de Justiça para que abra a Justiça de um modo geral, dentro das cautelas, de forma paulatina. No tocante à audiência de custódia, é necessário que ela exista normalmente, e com a presença física do advogado", reforça Albuquerque.
Instituições querem expansão da Vara de Custódia
Tanto o representante da Defensoria Pública Geral do Ceará quanto o diretor da OAB-CE destacaram a importância da ampliação da Vara de Audiências de Custódia para atender à demanda de prisões, no prazo previsto e da forma mais adequada.
A Vara funciona no mesmo prédio da Delegacia de Capturas e Polinter (Decap), da Polícia Civil do Ceará (PCCE), no Centro de Fortaleza. O defensor público Delano Benevides afirma que o prédio é "obsoleto, acanhado, muito pequeno, onde não suporta mais a estrutura que há em relação à Custódia".
A família dos presos precisa de uma estrutura mínima de acolhimento, uma vez que ficam do lado de fora do prédio, sem um toldo, uma proteção, não há condição mínima de conforto físico e psicológico. E também entendemos que o prédio precisa de incrementos de segurança, para os próprios presos, policiais e atores do Sistema de Justiça. O que pode ser melhorado com o tempo e com muito debate."
Já o diretor de Prerrogativas da OAB-CE, Márcio Vitor Albuquerque, sugere a instalação de mais Varas de Audiências de Custódia por todo o Ceará, para agilizar as audiências pelo Interior.
O ideal é que toda Comarca tenha de fato essa estrutura. A gente nota que, em muitos casos no Interior do Estado, a pessoa é presa e conduzida para a Capital, onde está sediada a maioria dos presídios, e há uma demora de fato nessa apresentação para o juiz."
O TJCE foi questionado sobre as sugestões dos representantes das outras instituições, mas não emitiu resposta. A juíza Adriana da Cruz Dantas destacou que o prédio da Decap "foi reformado para receber a unidade e facilitar a operacionalização das audiências, além de garantir maior segurança dos profissionais que atuam no local".
Outro benefício de ter a unidade funcionando no mesmo complexo da Delegacia de Capturas é a redução de custos com escoltas, possibilitando que um maior número de policiais fique a à disposição da população nas ruas."