28 mulheres trans ou travestis foram assassinadas no Ceará nos últimos três anos

O Ceará teve o segundo maior registro de transfeminicídios no ano passado, entre oito estados pesquisados pela Rede de Observatórios da Segurança

Corpos desrespeitados, violentados e executados: 28 mulheres trans ou travestis foram assassinadas no Ceará, nos últimos três anos, segundo o relatório "Elas Vivem: Liberdade de ser e Viver", lançado pela Rede de Observatórios da Segurança nesta quinta-feira (7), em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres - celebrado na próxima sexta (8).

A pesquisa traz uma série de dados que alertam sobre as diferentes formas de violência contra a mulher, em 2023, ano em que o Ceará teve o maior número de feminicídios (assassinatos de mulheres em razão do gênero) nos últimos seis anos, como o Diário do Nordeste já havia noticiado em janeiro último. Foram 42 ocorrências em todo o Estado.

Em relação ao número de transfeminicídios (assassinatos de mulheres trans e travestis), o Ceará teve, no ano passado, o segundo maior registro entre oito estados pesquisados pela Rede. Com 7 crimes, o Ceará ficou abaixo apenas de São Paulo (9 casos); e à frente de Bahia e Pernambuco (5), Rio de Janeiro (4), Maranhão e Piauí (2) e Pará (0).

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Apesar de registrar uma queda de 36,3% no número de transfeminicídios entre 2021 (que teve 11 crimes) e 2023, o Ceará tem uma subnotificação de casos, segundo a socióloga e pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, Fernanda Naiara.

Muitas vezes, as Secretarias da Segurança Pública do Brasil não reconhecem. O transfeminicídio, hoje, não é tipificado como um crime. As pessoas trans assassinadas entram nos homicídios. E a gente entende que, no transfeminicídio, a pessoa foi assassinada pela sua característica identitária de gênero. Foi determinante para o fim da vida dessa pessoa ela ser transgênero."
Fernanda Naiara
Socióloga

'Corpos abandonados pela cidade'

Os dados são levantados pela Rede a partir de notícias vinculadas pela imprensa. A falta de informações oficiais sobre os transfeminicídios dificulta uma análise sobre o perfil das vítimas. "Esse perfil é muito prejudicado, porque tem poucas informações no texto, que são repassadas pela Polícia. Aí, vem um problema: existe uma dificuldade no Ceará de reconhecimento das mulheres trans. Quando a gente fala dos transfeminicídios, a gente entende que muitas vezes essas mulheres não têm o gênero respeitado, enquanto dado da Secretaria", aponta Fernanda Naiara.

Entretanto, os assassinatos de mulheres trans e travestis têm uma característica frequente, segundo a socióloga: "travestis e mulheres trans são assassinadas em terrenos baldios, corpos encontrados em rios, na praia. Corpos que são desrespeitados e abandonados pela cidade, representando a crueldade com que essas mulheres são tratadas". 

Naiara lembra que, em fevereiro de 2022, uma mulher trans foi morta a facadas em um terreno baldio, no bairro Siqueira, em Fortaleza. Um ano depois, também em fevereiro, uma travesti foi encontrada morta, apedrejada, no mesmo terreno baldio.

Pesquisadora e diretora da Rede Trans, Dediane Souza corrobora que "o assassinato é a sistematização de um conjunto de outras violências que esses corpos enfrentam no cotidiano. Desde violências institucionais, comunitárias e familiar, aos assassinatos".

Além de dados sobre a violência contra mulheres trans e travestis, Dediane acredita que "existe a urgência do Estado brasileiro assumir a construção de uma rede de proteção e de promoção da cidadania da população travesti e transexual brasileira. O assassinato de uma travesti parte sempre do pressuposto do atravessamento da transfobia e da travestifobia, porque estão num contexto central de vulnerabilidade social".

Casos de transfobia aumentam

A Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), vinculada à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), lançou o Painel Dinâmico de Monitoramento da Violência LGBTFóbica do Ceará, na última quinta-feira (29). 

Apesar de divulgar dados de crimes de homofobia e transfobia e perfil das vítimas, o Painel não tem números de transfeminicídios. A Supesp e a SSPDS foram questionadas pela reportagem sobre esses números e demandadas por uma entrevista sobre o assunto, mas não enviaram respostas até o fechamento desta matéria.

[Atualização - 7/2/2024 - 17h]

Em nota, a SSPDS destacou o compromisso "em atender e acolher as demandas das pessoas LGBTQIA+". Informou sobre o lançamento no último dia 29, do Painel Dinâmico de Monitoramento da Violência LGBTFóbica do Ceará. Disse ainda que prepara ferramenta para "substituir o Sistema de Informações Policiais (SIP3W), que é utilizado pela Polícia Civil".

Conforme a SSPDS, a nova tecnologia vai possibilitar o cruzamento de dados estratégicos e "melhorar a captação de informações sobre os perfis das vítimas de crimes". Essa mudança "impactará no andamento do inquérito policial e dos levantamentos da Supesp, responsável por atualizar os painéis dinâmicos".

Sobre os casos de CVLIs em Fortaleza, a Pasta afirma ter criado a Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrim) há um ano. "Entre as atribuições da unidade especializada, está investigar os crimes de ódio contra grupos socialmente minorizados. Entre fevereiro de 2023 e fevereiro de 2024, 71 inquéritos policiais foram conduzidos pela especializada, dos quais 31 já foram remetidos ao Poder Judiciário", disse a SSPDS.

A SSPDS destacou ainda que os CVLIs contra pessoas da comunidade LGBTQIA+ são investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da PCCE e, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e no interior, pelas delegacias regionais e municipais. Já a Polícia Militar do Ceará (PMCE) atua com homens do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac) que "realizam, caso exista interesse da vítima, visitas contínuas para o rompimento do ciclo de violência, fortalecendo o compromisso com a prevenção às mortes violentas".

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Conforme a estatística da Supesp, entre 2021 e 2023, o Ceará contabilizou 156 condutas transfóbicas (por preconceito contra pessoas trans) que podem ser equiparadas aos crimes de preconceito de raça ou de cor, previstos pela Lei nº 7.716. Foram 69 ocorrências no ano passado; 70, no ano de 2022; e 17, em 2021.

O Estado ainda somou, nos últimos três anos, 616 casos de homofobia (preconceito contra homossexuais). Foram 285 ocorrências registradas durante o ano de 2023; 215, no ano anterior; e 116, em 2021.