Nos últimos 18 meses, as instituições de ensino superior presentes no Ceará registraram pelo menos 241 denúncias por fraudes ao sistema de cotas. A situação traz prejuízos a uma importante política pública de inclusão. Para fortalecer os mecanismos de fiscalização e fazer cumprir a Lei, as instituições adotaram, ou estão em fase de implementação, as comissões de heteroidentificação, que reduzem as tentativas de fraude ao ensino superior.
Em diálogo com o Ministério Público e o Judiciário, as universidades estão fortalececendo o apoio às comissões de heteroidentificação nos processos seletivos. Os mecanismos conferem a veracidade da autodeclaração dos candidatos no momento da matrícula. Após a instalação do novo procedimento, o número de denúncias aumentou substancialmente.
Na UFC, que concentra 86% das denúncias de fraudes às cotas no ensino superior no Ceará, a ferramenta foi adotada em 2019, após ação do Ministério Público Federal.
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O objetivo, segundo o procurador da República, Oscar Costa Filho, que ajuizou a ação civil pública, é evitar fraudes no ingresso ao ensino superior. “A sistemática de benefício às cotas raciais se dava, simplesmente, pela autodeclaração, sem qualquer verificação da veracidade daquela informação. A sentença determinou que a Universidade adotasse um mecanismo que chamamos de heteroidentificação”, explica.
“Você se declara negro ou pardo, mas há uma comissão para verificar a procedência dessa informação”.
Segundo o procurador, a ação é extensiva aos campi da universidade no interior do Estado e vem recebendo adesão de outras instituições. "Trata-se de um crime de falsidade ideológica. São processos e inquéritos que correm na Polícia Federal. Quando fica constatado o crime, a matrícula é tornada sem efeito e o aluno perde o vínculo com a instituição. Muitos tentam reverter na justiça", ressalta o procurador.
Sistema
A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) conta com a Comissão de Verificação e Validação de Autodeclaração (CVVA) para aferição da veracidade de candidatos pretos, pardos e indígenas no acesso aos cursos de graduação. Entre 2019 e 2020, foram duas denúncias anônimas, culminando em um cancelamento de matrícula, após confirmação da fraude.
“A comissão garante a efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas aos candidatos pretos, pardos e indígenas”, afirmou a Unilab, em nota. Mesmo funcionando de maneira reativa, por meio de denúncias anônimas ou nomeadas, a comissão pode retroagir e afastar aqueles que fraudaram o sistema de cotas.
"Não ingressamos com ações judiciais por acreditar na condição pedagógica da medida. A fim de cessar qualquer irregularidade", ressaltou a Comissão.
Na Universidade Federal do Cariri (UFCA), a criação de comissão permanente aconteceu em 2019.
No primeiro semestre do último ano, apenas os candidatos que sofreram denúncias de supostas fraudes no sistema de cotas raciais passaram pela comissão. O novo procedimento foi regularmente implementado como fase do processo seletivo do SISU a partir do segundo semestre. Nos casos anteriores à esta implementação, a Ouvidoria Geral instaurou um estudo técnico entre a Pró-Reitoria de Graduação e a comissão para tomar a melhor decisão.
No início do ano, três estudantes tiveram a matrícula suspensa após ação do MPF. Além disso, pela Ouvidoria, dois alunos acabaram desligados da instituição após denúncias.
Implementação
No Instituto Federal do Ceará (IFCE), a implementação de uma comissão foi iniciada ainda em 2019, com o processo de especialização dos corpo técnico responsável por compor a equipe.
O Instituto Federal, até o momento, não registrou estudantes que tenham ingressado em seus cursos de maneira fraudulenta e nem chegado a perder vagas por conta de apresentação de documentação falsa. Mesmo assim, estima-se que o Departamento de Ingressos da Pró-Reitoria de Ensino “já tenha evitado cerca de 15% de matrículas inadequadas”.
Segundo Rafaella Florêncio, membro da Comissão Institucional de Heteroidentificação do IFCE, a partir deste ano, o Instituto Federal começa a aderir às comissões.
“A conquista das cotas raciais representa uma vitória histórica para o movimento negro no Brasil. Entretanto, são vários os depoimentos de fraudes ou tentativas de sujeitos não-negros que tentam acesso às instituições as vagas destinadas à população negra”, reconhece.
As comissões são formadas por professores, técnicos administrativos, sociedade civil e corpo discente.
“O sujeito que potencialmente sofre o peso do racismo sofre pela sua aparência. Quando a comissão de heteroidentificação atua não se leva em consideração seus aspectos econômicos ou se dentro da sua árvore genealógica há ou não a existência de sujeitos negros. O que é levado em consideração é se aquele candidato ou candidata carrega consigo aspectos que fariam com que fosse lida sociologicamente como uma pessoa preta ou parda. Essa ação tem uma ressonância positiva.”
A Universidade Estadual do Ceará (Uece) ainda não possui este mecanismo, mas, após quatro casos em investigação, a pró-reitora de graduação da Uece, Mônica Duarte, detalhou que a Instituição viu a necessidade de criar uma Comissão de Heteroidentificação. A Unilab vai auxiliar a Uece. Segundo Duarte, a Comissão deve ser aprovada ainda no segundo semestre deste ano. A ideia, segundo ela, é deixar o processo mais claro.
"A própria Lei de cotas já prevê que, em casos de fraudes, o estudante pode perder a vaga. Vamos agir diante de denúncias, independente do semestre destes estudantes”.
Canais de denúncia
- UFCA: cca.prograd@ufca.edu.br ou heteroidentificacao@ufca.edu.br.
- UFC: ouvidoria.ufc.br ou pelo e-mail ouvidoria@ufc.br.
- Unilab: ouvidoria@unilab.edu.br
- IFCE: ouvidoria@ifce.edu.br
- Uece: (85) 31019668 / e-mail: ouvidoria.geral@uece.br