Sem muitas opções de lazer na cidade, dezenas de garotos encontraram no Le Parkour um excelente passatempo
Quixadá Eles têm entre dez e 20 anos de idade. Não bebem, não fumam e nem usam drogas. O único vício deles é superar obstáculos urbanos, com as mãos, os pés e todo o próprio corpo, numa espécie de arte em movimento, praticada em centenas de lugares do mundo, conhecida por Le Parkour. Nestes dias, eles estão intensificando as manobras corporais. No próximo fim de semana, nos dias 28 e 29, haverá um encontro estadual, em Fortaleza, para praticantes de Le Parkour _ o quarto da categoria, promovido pela Associação Cearense de Parkour (ACPK). Os jovens de Quixadá querem representar bem a terra natal, a qual, por sinal, é considerada um paraíso para a prática de esportes radicais como o voo livre e o montanhismo.
Os treinos podem ser assistidos à noite, a partir das 19h, nas praças do Centro da cidade, principalmente na Coronel Nanam, mais conhecida como "Praça dos Crentes", e no Chalé da Pedra, ao lado da Fundação Cultural Rachel de Queiroz.
Viagem
São mais de 20 praticantes dessa modalidade de esporte, na maioria de famílias humildes. A ACPK disponibilizou o abrigo para os garotos, que irão à Capital de microônibus. Os pais vão dar o dinheiro para a alimentação. A Prefeitura de Quixadá ofereceu o transporte, mas eles vão precisar bancar as despesas com o óleo combustível e a diária do motorista, explicou Samuel Girão, 18 anos, líder do grupo.
Samuel é considerado pelos amigos o pioneiro do Le Parkour em Quixadá. Ainda criança, tinha mania de pular. O hábito o acompanhou até a adolescência. Há três anos, um amigo lhe sugeriu fazer pesquisas na internet sobre um esporte de saltos, parecido com a ginástica olímpica. Era o Parkour.
Aprendizado
Samuel encontrou algumas demonstrações no Youtube. Observou por várias vezes os movimentos dos atletas de outros lugares e passou a realizar os mesmos "truques" na escola profissionalizante onde concluiu o ensino médio, no ano passado.
O diretor ia à loucura, os colegas e as meninas também. Afinal, saltar do segundo andar e não sofrer nenhum ferimento não é para qualquer um. E foi exatamente quando conquistou uma de suas fãs e passou a namorar com ela que a afinidade com o esporte se acentuou.
O amigo Adevaldo Costa, 19 anos, também passou a namorar uma garota do mesmo bairro, o Carrascal. Como eles moram do outro lado da cidade, no Campo Velho, após o namoro, já tarde da noite, voltavam correndo para casa. Dispostos, ainda saltavam sobre todos os obstáculos que encontravam pelo caminho.
O único risco era serem abordados por algum ladrão. Entretanto, alcança-los era difícil. Como já haviam se despedido das namoradas, podiam correr e chegar suados, e salvos.
Quem também logo entrou no time do "Parkour Quixadá", hoje chamado "Urban Motion", foi outro amigo do bairro, Cleinaldo Cabral. Hoje com 19 anos, ele está tentando concluir o ensino médio através de curso supletivo. Cleinaldo estudava com Samuel na escola profissionalizante. Os dois sempre estavam à procura de algum desafio maior quando saiam da sala de aula. Mas queriam algo saudável, de fazer bem a alma e ao corpo.
Assim como o colega, passou a observar na internet praticantes do Parkour. A cada dia, aprimora suas técnicas. Embora atualmente seja web designer e pretenda se formar em Direito, já recebeu até convite para ser monitor em uma academia de ginástica olímpica em Limoeiro do Norte, por conta de sua dedicação ao esporte.
Com apenas 13 anos Silvano Cavalcante é um dos muitos adolescentes a participarem da equipe de Parkour de Quixadá. Se dependesse da mãe, estaria dentro de casa, no videogame, mas recebe o incentivo do pai, Henrique Cavalcante, professor de educação física e esportista.
Riscos
Para o pai, o esporte predileto do filho é como qualquer outro - tem seus riscos. Embora todos aprendam as técnicas do Parkour por conta própria, considera interessante terem um profissional experiente para orienta-los. Mas, enquanto o professor não chega, respeitando os elementos básicos, como as limitações físicas, concentração e consciência, os riscos são mínimos.
Cavalcante se refere às manobras radicais praticadas por eles. No "King", usam apenas as mãos, como macacos para saltar sobre os obstáculos. No "Monk", apenas correm. Já no "Cat lipe", dão um salto se agarrando a qualquer obstáculo. Existe ainda o "Tic-tac", muito visto nos filmes de Jack Chan, pulando de um muro para o outro. Há também as acrobacias consideradas mais arriscadas com o "Free runing", com giros e saltos mortais.
Sem muitas opções de lazer na cidade, esse grupo de jovens acabou encontrando nesses e muitos outros movimentos do Parkour uma maneira muito saudável de passatempo.
Cada um deles guardar alguma história incrível para contar a respeito desse esporte de origem francesa. Eles querem apenas um pouco de respeito e, quem sabe, até admiração, pois há quem os confundam com vândalos e desordeiros.
FIQUE POR DENTRO
Conheça o Parkour
O Parkour é uma arte ou disciplina que assemelha-se a autodefesa nas artes marciais. Seu fundador foi o francês David Belle. Para Belle, um dos princípios da atividade é superar todos os obstáculos no caminho, como se o praticante estivesse em uma situação de emergência. O praticante deve se mover de tal maneira, com quaisquer movimentos, para ganhar a maior vantagem possível de alguém ou em alguma coisa, quer escapando de algum perigo, quer caçando algum alvo. Segundo o fundador, Parkour é liberdade, porque passa a existir no momento em que se liberta o instinto.
O Parkour não é classificado como ciência ou arte e é muitas vezes visto como uma essência. Uma característica da disciplina é a ideia eficiência, segundo a qual um praticante não só se move o mais rápido que puder, mas da maneira energeticamente mais econômica e o mais diretamente possível. A Eficiência também envolve evitar ferimentos, o que explica o lema não oficial "être et durer" (ser e durar).
Acredita-se que as inspirações para o Parkour surgiram primeiramente pelo Método Natural de Educação Física, desenvolvido por Georges Hébert no século XX. Soldados Franceses que atuavam no Vietnã, inspirados pelo trabalho de Hébert, criaram o treinamento militar "parcours du combattant". David Belle foi iniciado no treinamento militar e no Método Natural por seu pai, Raymond Belle - um bombeiro que praticava as duas disciplinas. Belle continuou a praticar outras atividades como artes marciais e ginástica, na tentativa de aplicar suas habilidades adquiridas de forma prática na vida, dando origem ao Parkour.
Mais informações
Grupo de Le Parkour
Urban Motion
Rua Maria Benigno, 120
Quixadá - Sertão Central
Telefone: (88) 3412.1711
ALEX PIMENTEL
COLABORADOR