São grandes e inúmeros os problemas causados pelo lixo. A lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) não avançou e, a maioria das cidades cearenses ainda mantém lixões cujo descarte é inapropriado. Dois dos municípios que ainda não possuem aterros sanitários são Iguatu, na região Centro-Sul, e Quixadá, no Sertão Central. Entretanto, é de lá que surgem iniciativas sociais para utilizar o lixo de forma inteligente.
Em Iguatu, quando ninguém mais enxergava utilidade para os livros velhos, Puskas Viana Diniz, 57 anos, olhou adiante e observou uma possibilidade de reciclar o material. Inicialmente, Puskas abriu um ponto para compra de papel, jornais e livros velhos, com o objetivo de vender o material reciclado para empresas instaladas na cidade. "As pessoas vinham aqui vender papéis no peso e, algumas começaram a trazer livros e iam olhando, folheando, e vi que havia alguns bons de literatura", contou.
Com o decorrer do tempo, Puskas passou de catador de papel a livreiro, procurado por pessoas interessadas em livros didáticos ou em se debruçar sobre um bom romance. "Alunos, pais e até professores começaram a perguntar se eu tinha esse ou aquele título", relembra. "Isso faz dez anos e não parei mais".
Após uma década, o 'catador de papel' criou uma espécie de sebo com os três mil títulos que coleciona. Além de venda, compra e troca, o reciclador faz doações. "Se o estudante ou outra pessoa interessada não tem condições e quer ler o livro, empresto ou dou", conta. "Daqui, o leitor ou colecionador não sai de mãos vazias".
Os títulos são diversos e incluem literatura brasileira, francesa, obras de filosofia, genealogia, sociologia, autoajuda, geografia, história, romances policiais, ciências e até psiquiatria, além de publicações locais e regionais. Um dos livros mais antigos no sebo é do autor francês Pr. Gillet (L'éducácion du Caractère), trazido por um padre brasileiro, Miguel F. Campos. A edição data de 24 de outubro de 1908, portanto, já tem mais de um século. "Não sei como jogam esses livros no lixo", se impressiona Puskas.
O professor de história Manuel Maciel evidencia que o trabalho realizado por Puskas Diniz contribui para preservar a cultura e valorizar a obra impressa. "É uma fonte de pesquisa, de conhecimento, que guarda parte da história, embora hoje a moda é a digitalização", pontua. "O catador, que se tornou livreiro de obras usadas, já me ajudou bastante e contribui com muitos alunos e professores", garante Maciel.
Jardins comunitários
Em Quixadá, os moradores tiveram uma ideia inusitada para acabar com os depósitos de lixo irregulares que se aglomeravam pelas ruas da cidade. Inconformada com o descaso da vizinhança, a vendedora Carine Reis Barros, 34, resolveu transformar o canteiro central da Rua Roque Pires, onde mora, em um jardim. Ela reutilizou materiais descartados para criar bancos e fez cercas para as mudas de plantas. O ambiente foi transformado. Não demorou muito, e a iniciativa passou a ser seguida pelos demais moradores.
"Moro há 13 anos neste bairro de Quixadá. De uns tempos para cá, a sujeira foi aumentando e estava quase adentrando a minha casa. Sozinha, era difícil recolher tanto lixo, até que consegui convencer um casal, dono de uma lanchonete, de que a rua limpinha iria atrair mais fregueses. O mau cheiro que vinha do lixo incomodava a todos. O dono da borracharia também decidiu ajudar. Ele se livrou dos pneus velhos, e nós ganhamos jarros especiais", comentou a voluntária Maria das Graças, confiante de que a iniciativa ainda vai gerar outros frutos.
A manutenção dos jardins fica a cargo dos moradores. A dona de casa Francinir Rodrigues conta que a própria comunidade arrecada o dinheiro para comprar as mudas e a tinta para pintura dos pneus reciclados. "Entendemos serem necessárias essas ações sociais para transformar essa realidade do lixo na nossa cidade. Acredito que dando exemplo, as pessoas vão se sensibilizar e a tendência é de mudança na mentalidade".
Apoio
O secretário de Trânsito, Cidadania, Segurança e Serviços Públicos de Quixadá, Higo Carlos Cavalcante, disse que ao tomar conhecimento da existência de seis jardins comunitários, pretende estimular a ideia e até auxiliar os moradores. Ele ressalta, porém, ser necessário que a sociedade, como um todo, entenda que a limpeza de uma cidade é compartilhada. "Limpamos tudo em um dia, no outro já tem lixo despejado irregularmente nesses locais. Por dia, recolhemos 6.500 metros cúbicos de lixo, sem contar com as podas das árvores, mas a insistência em continuarem sujando a cidade ainda é grande", desabafa.
Atualmente, a coleta de lixo de Quixadá é realizada duas vezes por semana em cada bairro e atende mais de 60 mil habitantes da área urbana.
Para estimular a população a seguir o exemplo dos jardins comunitários, a Prefeitura deverá instalar lixeiras seletivas. Além das praças, os trevos rodoviários também estão recebendo serviço de jardinagem.
Coleta Seletiva
Nos próximos dias 12 e 13, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) entregará 103 Planos Regionais de Resíduos Sólidos (PRS), durante o I Seminário Nordeste de Resíduos Sólidos. Em 2018, foram elaborados os Planos em 11 das 14 regiões cearenses. Até o fim dezembro deste ano, o objetivo é contemplar todos os 184 municípios do Ceará.
"Queremos que os municípios adotem a prática da Coleta Seletiva para que os aterros sejam menores, recebendo somente rejeitos, ou seja, aquilo que, de fato, não é possível reaproveitar", pontua o titular da Sema, Artur Bruno. "Tanto pela escassez de recursos como pelo tamanho do investimento, o município sozinho tem imensa dificuldade de fazer sua política", finaliza Artur Bruno.