Quixeramobim. Já faz mais de dois anos que dona Raimunda Lima Venâncio, 56, natural de Boa Viagem, percorre cerca de três horas de estrada mensalmente para conseguir fazer o tratamento do filho, que tem intolerância a lactose.
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"Eu faço um tratamento com ele em Fortaleza e é muito difícil porque tem meses que eu não tenho de onde tirar o dinheiro da viagem", diz a mãe, que está atualmente desempregada. "A gente passa uma dificuldade enorme para conseguir esse tratamento. Se fosse mais perto, era tudo mais fácil", afirma.
O anúncio da chegada do Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), construído neste Município do Sertão do Ceará, distante cerca de 220Km de Fortaleza, se tornou a esperança para problemas como o de Raimunda e de tantos outros. A unidade foi inaugurada em dezembro de 2014. Os processos de abertura se iniciaram, mas, desde então, o HRSC ainda não atendeu nenhum paciente.
Por etapas
A unidade vai funcionar por etapas, prometeu a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), a partir de um cronograma elaborado por seus técnicos. Mas a programação vem sofrendo atrasos recorrentes. Em nota a Secretaria disse que o mais recente "foram algumas dificuldades na instalação elétrica e na climatização do hospital", que "fizeram com que o cronograma de atendimento fosse adiado".
Caso já estivesse funcionando plenamente, Raimunda Lima Venâncio encontraria mais facilidades: faria um percurso menor, de 100Km a menos e levaria pouco mais de uma hora para ir ao local e tratar o filho.
"Já passei muita dificuldade pra não gastar o dinheiro porque nem sempre eu consigo ir no carro da Saúde, e, pra não perder a consulta, vou de ônibus", disse Raimunda.
Sem atender a população, o hospital eleva o tempo de espera de quem luta para conseguir a uma concorrida vaga para tratamentos em hospitais de Fortaleza. Alguns não suportam o tempo de espera. "Muitos acabam morrendo devido à demora de uma vaga, pois, às vezes, o quadro é grave e não dá tempo de a central de regulação de leitos liberar vaga devido à grande demanda", revelou uma funcionária da Secretaria da Saúde de Quixeramobim, que pediu para não ser identificada.
Esperança de emprego
Além de afetar quem precisa de algum tratamento, a unidade sem funcionar também prejudica quem precisa trabalhar. Francisco Kalifas Moreira, 34, fez o processo seletivo em novembro de 2014 e passou para a função de guarda da unidade, mas sofre com o desemprego porque, segundo ele, até hoje não foi convocado. "Eu estou há um ano desempregado. Eu até era um pequeno empreendedor, mas a crise conseguiu me engolir e eu continuo esperando ser chamado", conta Kalifas.
O Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), empresa que vai gerir o HRSC, publicou uma lista, no início de setembro, dos aprovados na seleção. A divulgação era válida, também, como homologação. Mas poucos dos aprovados foram chamados e, até o momento, nem todos começaram a trabalhar.
Kalifas trabalhava vendendo bolos. O negócio faliu e ele tentou outro meio de ganhar dinheiro, alugando horários para fazer propaganda volante de comércios da cidade em seu carro. Mas a ideia também não vingou.
Casado há um ano, ele teve que voltar para a casa da mãe e não têm ideia de quando será convocado ao trabalho. "Meu negócio era uma alternativa devido à demora do chamado par ao emprego. A esperança se torna frustrante porque você vê um horizonte ainda muito longe", desabafa.
Dificuldades
O funcionamento do HRSC é um sonho para moradores de Quixeramobim e de cidades vizinhas. A unidade foi inaugurada pelo então governador Cid Gomes. A promessa era atender mais de 620 mil pessoas de 20 municípios da região central do Estado, o que já há quase dois anos não acontece.
Um dos principais entraves é o custo mensal do funcionamento, orçado em R$ 100 milhões ao ano. No último mês de maio, o governador do Estado, Camilo Santana, se reuniu com o ministro da Saúde, em Brasília, para garantir R$ 36 milhões que ajudariam no funcionamento do Hospital Regional. Na época, o Ministério esclareceu, em nota, que o valor estava sendo repassado em parcelas.
O acúmulo de seguidos problemas tem transformado a sensação do povo: no lugar da esperança criada com o anúncio da chegada da unidade, é a decepção que germina.
"Desde muito tempo eles vêm anunciando a abertura deste Hospital de mês em mês e eu já perdi a confiança", concluiu Francisco Kalifas. A Sesa disse que os contratempos serão solucionados com a maior brevidade possível.
SAIBA MAIS
Maio de 2011 - Em votação, Quixeramobim é escolhida para sediar o hospital
Maio de 2012 - Cid Gomes assina ordem para início da construção, com previsão de término em 16 meses
Novembro de 2014 - O ISGH realiza provas para vagas de nível fundamental, médio e superior
Dezembro de 2014 - O HRSC é inaugurado pelo governador Cid Gomes, mas permanece fechado
Novembro de 2015 - Vereadores de Quixeramobim se mobilizam para cobrar, na Sesa, a abertura do HRSC
Dezembro de 2015 - População protesta fincando 365 cruzes pretas um ano inaugurado e fechado
Dezembro de 2015 - Um dia após a manifestação, o ministro da Saúde anuncia repasse para funcionamento
Maio de 2016 - Camilo Santana anuncia, em rede social, de Brasília, que garantiu o repasse de mais R$ 36 mi para custeio
Maio de 2016 - Comitiva de Saúde da OAB-CE visita instalações da unidade para fiscalizar condições de estrutura
Junho de 2016 - Em transmissão ao vivo no Facebook, Camilo Santana anuncia abertura do HRSC entre o fim de junho ou início de julho
Julho de 2016 - Aprovados na seleção cobram explicações sobre o atraso no Ministério Público do Estado
Julho de 2016 - Sesa envia ofício ao MPCE afirmando que inicia por etapas abertura da unidade em setembro
Setembro de 2016 - Primeira fase da abertura da unidade é cumprida. Profissionais começam a ser convocados pelo ISGH, mas hospital ainda não faz atendimentos
Novembro 2016 - HRSC sofre atrasos no cronograma, prestes a completar dois anos sem atenderz