Grupos de lapinhas vivas exaltam o Natal

Normalmente os grupos, em sua maioria formados por crianças, são coordenados por mulheres

Juazeiro do Norte
Os caboclinhos da aldeia se deslocam para ver Jesus, de Belém. Nos trechos dos cânticos ensaiados das lapinhas, segue uma tradição popular nas ruas de cidades do Cariri. Normalmente os grupos, em sua maioria formados por crianças, são coordenados por mulheres. Zulene Galdino, mestre da Cultura do Ceará, é uma delas. Uma amante das artes populares, reúne os meninos desde setembro, para ensinar as antigas tradições.

São quase 40 anos na rima: "Vamos, vamos com fervor, adorar Nosso Senhor. Vamos, vamos com alegria, adorar a Virgem Maria". Os cânticos da tradição popular nas apresentações abrem alas para a festa da chegada do Menino Deus. Os personagens da lapinha saúdam com festa. São diversos e devidamente caracterizados. Desde a Península Ibérica ao Cariri, muita coisa mudou...

Este ano, Zulene ainda não recebeu nenhum convite para se apresentar com as crianças. Mas isso não é motivo de preocupação. "Quando comecei, ninguém sabia, e fazia isso com muita alegria". A terreirada que aconteceu em novembro, na porta de sua casa, para a apresentação da lapinha na Mostra Sesc, foi a oportunidade. Acredita que as pessoas estão cada vez mais distantes dessas tradições, que traduzem como elemento de grande valor de formação educativa para as crianças.

Zulene lembra da importância de dar oportunidade às crianças e aos jovens. Ela vê uma alternativa para retirá-los de caminhos que levam ao vício. "Ninguém aqui usa droga. Ficam aprendendo as cantigas, dançando. São coisas leves, que falam de Jesus, Maria, José. Os maiores dão até aulas para os outros aqui em casa, à noite". Isso acontece após os ensaios.

É reunindo todo mundo que se forma a alegria dessa mestre, que tem dedicado a sua vida a repassar valores que aprendeu na infância e adolescência. Ela segue as recomendações dadas pelo pai de ensinar as outras gerações. Em 1975, ele fez o pedido para a filha não abandonar as tradições religiosas na comunidade.

As lapinhas se apresentam no Cariri até 6 de janeiro, Dia de Reis, também dia da queima. Em cidades como Crato e Juazeiro do Norte, as lapinhas vivas, com os personagens principais: Menino Jesus, Maria, José e os três reis magos. Têm também os personagens incorporados à cultura popular, como os anjos, as pastorinhas, os índios, caboclinhos, ciganas e animais - misto da criativa nordestinidade com as heranças ibéricas.

Na terra do Padre Cícero ainda estão presentes, pelo menos quatro lapinhas vivas, das cerca de dez existentes no município,principalmente no Bairro João Cabral, área onde estão concentrados vários grupos de tradição popular da cidade. No Crato, no Bairro Novo Horizonte e no Muriti, os reisados vão às ruas e reservam o grande dia, 6 de janeiro, para se reunir com todos num grande espetáculo nas praças principais da cidade.

Há 40 anos, Josefa Pereira (Zefinha), reúne crianças para formar a sua lapinha viva. São 35 pequeninos artistas. Os cânticos foram memorizados por ela ainda na infância. Já fazia parte dos grupos de lapinha em Juazeiro. Continuou animada e decidiu montar a sua própria lapinha. A cada ano junta os meninos e começa os ensaios, também no mês de setembro. Há 12 anos morando no João Cabral, bairro da periferia, ela afirma que sente tratamento diferente da sociedade por não ter uma lapinha tão sofisticada, mas é consciente de que faz um trabalho social com as crianças. "Algumas delas chegam para o ensaio no início da noite em casa e tem feito apenas uma refeição ou simplesmente tem tomado o café da manhã. Eles lancham e começamos os ensaios", diz.

TRABALHO DOS ARTESÃOS
Personagens em madeira

Juazeiro do Norte Não são apenas as lapinhas vivas que mantêm a tradição. Os artesãos também reproduzem os personagens em madeira ou barro. São pessoas que se especializam no tema e meses antes do Natal começam a esculpir os personagens, comercializados na região e em outros estados.

Wanderley Alves da Costa, do Centro de Cultura Popular Mestre Noza, é um deles. Este ano, ele considera fraco de vendas em relação aos anteriores. Mesmo alguns trabalhos sendo feitos por outros artistas na entidade, ele diz que recebeu apenas um pedido para fazer um presépio, com 20 personagens e está finalizando outro, que espera vender até o Natal.

Em uma semana, o presépio com cerca de 20 personagens está pronto para ser comercializado por R$ 350,00. Há outros maiores no centro, que chegam a custar R$ 2.500, com 1,6 metros. Mas esses, em sua maioria, são encomendados e os personagens são em menor número. O artista começou a esculpir os presépios na madeira da umburana em 2001. Desse período em diante aprimora os seus personagens. Mas ele lamenta a forma como as pessoas têm deixado de lado essas tradições.

Da mesma forma, a artesã Maria de Lourdes Cândido, matriarca de uma família de artistas que já levou exemplares de suas esculturas em barro para a Europa, afirma que este ano não recebeu uma encomenda sequer das lapinhas. Na pequena sala de casa, obras de arte pelo chão e a única lapinha que foi feita este ano, ainda aguardando um comprador.

Responsabilidade

"Vou continuar essa tradição, é o que gosto de fazer, sempre reunindo as crianças"

Zulene Galdino Mestre da Cultura


"Faço esse trabalho pela fé que tenho em Deus. Sei que é um trabalho social"

Josefa Pereira
Coordenadora da Lapinha Viva do bairro João Cabral

MAIS INFORMAÇÕES
Maria de Lourdes Cândido: (88) 3521.6991
Zulene Galdino: (88) 3521.6342
Centro Mestre Noza: (88) 3511.3133
Cregional@diariodonordeste.com.br

Elizângela Santos
Repórter